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Compra do Wordle fez NYT triplicar jogadores de outros games

Título gratuito obtido há pouco mais de um ano atraiu usuários para plataforma paga do jornal

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San Francisco

Ainda que seja um título gratuito, o "Wordle" ajudou o jornal The New York Times a catapultar sua plataforma paga de games.

Pouco mais de um ano após ter comprado o jogo do seu criador Josh Wardle por alguns milhões de dólares –o valor exato não foi revelado–, o jornal americano viu o número de usuários diários de seus outros jogos triplicar, mesmo com uma redução no número de jogadores do título viral.

"Comprar o Wordle mudou substancialmente nosso negócio. Existem muito mais pessoas que conhecem os jogos do New York Times agora", afirmou Zoe Bell, produtora executiva de games do jornal.

Apesar do sucesso, o movimento do jornal não foi totalmente pensado e contou com um tanto de oportunismo e sorte.

Pessoa joga "Wordle" em seu telefone nos EUA
Pessoa joga "Wordle" em seu telefone nos EUA - Michael Draper - 9.mai.22/AFP

"Nosso plano era que 2022 fosse o ano do ‘Spelling Bee’ [jogo de palavras desenvolvido pelo próprio NYT]", afirmou Bell durante palestra nesta quinta-feira (23) na GDC (Conferência de Desenvolvedores de Games), em San Francisco. "Se você nos perguntasse em novembro de 2021 se nós compraríamos algum jogo em 2022, eu diria 'definitivamente, não. Não está nos nossos planos'. Mas se existe um hit viral no seu gênero que você pode comprar, isso mudo tudo."

Segundo a produtora, apenas três dias separam a primeira matéria publicada pelo jornal sobre o game, publicada em 3 de janeiro de 2022, e o primeiro contato do NYT com Wardle sobre o interesse de adquirir o game. Menos de 30 dias depois, em 31 de janeiro, foi anunciado que o negócio estava fechado.

Apesar de toda essa agilidade, Bell não tinha muito tempo para incorporar o "Wordle" à plataforma do jornal. Com 14 anos de experiência no mercado de games, trabalhando principalmente no desenvolvimento e publicação de jogos gratuitos, ela sabia que o jogo estava próximo de atingir seu pico de usuários diários.

"Para ter qualquer chance de manter essa audiência e até, quem sabe, talvez aumentá-la um pouquinho, nós tínhamos que preservar o ‘Wordle’ como um tesouro da internet. Dessa forma, nossos times de engenharia e design estabeleceram como missão número um ‘não faça mal ao Wordle’", afirmou.

Ainda assim, tropeços aconteceram. Em fevereiro, problemas com a transferência do game para os servidores do NYT acabaram apagando o histórico de resultados dos usuários.

Pouco depois, ao alterar a lista de palavras para atender aos padrões do jornal, um problema na atualização do game acabou fazendo com que pessoas obtivessem palavras diferentes para adivinhar no mesmo dia, atrapalhando o caráter social do game de dividir com amigos seu desempenho diário.

Além disso, a retirada de alguns termos acabou não sendo bem aceita pelos usuários. "Tiramos algumas palavras menos apropriadas para um jogo familiar. Alguns xingamentos racistas e palavrões, coisas assim", diz Bell. "Mas as pessoas perceberam, e em seguida vieram as críticas e artigos. 'Por que o NYT está tentando policiar as palavras que as pessoas usam para tentar adivinhar a resposta?' Rapidamente percebemos que isso estava prejudicando o jogo, então ouvimos os jogadores e voltamos atrás."

Por outro lado, entre as mudanças que acabaram sendo mantidas estava a inclusão de um ícone que levava o jogador do "Wordle" para outros games do jornal. Implementado no meio de fevereiro, ele fez o número de usuários dos outros jogos da plataforma do NYT explodir, dando os primeiros sinais do que o novo jogo podia fazer para o serviço e o jornal como um todo.

A essa altura, porém, o game já dava sinais de perda de popularidade. Em março, o "Wordle" atingiu seu pico de usuários diários –o número exato não foi revelado– e Bell decidiu que era hora de colocar em prática mudanças mais agressivas para direcionar os usuários para os outros produtos do jornal.

"'Spelling Bee' é um dos nossos jogos mais viciantes. O desafio era fazer com que os usuários de 'Wordle' soubessem que o 'Spelling Bee' existia", conta Bell.

A estratégia adotada foi colocar um pequeno anúncio na tela final do jogo convidando os usuários a testarem o título. "Não era uma coisa intrusiva. Se fosse um jogo completamente diferente, talvez isso prejudicasse. Mas as pessoas que gostam de 'Wordle' também gostam de 'Spelling Bee'. Depois que colocamos o anúncio, imediatamente o número de jogadores de 'Spelling Bee' dobrou."

Nesse ponto a associação entre "Wordle" e o jornal já era tão grande que uma pesquisa interna identificou no meio de 2022 que 35% dos assinantes do serviço de games do NYT diziam que mantinham sua assinatura por causa do jogo, ainda que ele continue sendo gratuito até hoje.

"'Wordle' dá valor a nossas assinaturas no geral ao fazer com que seja fácil jogar todos os seus jogos favoritos num mesmo lugar. O que essa pesquisa e outras fizeram foi solidificar nosso pensamento de manter 'Wordle' fora do nosso portfólio [de jogos pagos], mas também que ele precisa da mesma atenção que o resto dos nossos games", afirma Bell.

Da mesma forma que ajudou a aumentar o número de assinantes da plataforma de games, "Wordle" também ajudou o NYT a ampliar seu número de usuários cadastrados.

Em julho do ano passado, em sua última grande atualização, o game passou a contar com a possibilidade de acessar em todas as plataformas seus recordes e sequência de acertos. Para isso, o usuário precisa criar uma conta no NYT e se logar na hora de jogar.

"Nós queremos que as pessoas se registrem, de forma egoísta, porque o caminho do usuário vai de anônimo para registrado e daí para assinante. E, se você pode fazer com que ele avance um passo nessa direção, é mais provável que ele dê o próximo", admite Bell. "Mas nós queríamos também que as pessoas parassem de perder seus recordes quando apagassem seus cookies ou trocassem de telefone, e os jogadores queriam isso também. Então foi um bom negócio."

O próximo passo foi superar obstáculos técnicos para levar o game para todas as plataformas do jornal. Novamente, a inclusão do game nos apps de notícias do NYT fizeram crescer a popularidade desses produtos, capazes de reter ainda mais os usuários.

"Como em todo jogo de grande sucesso, parte foi um feliz acidente e parte planejamento cuidadoso", afirma Bell. "Se nós tivéssemos adotado uma rota alternativa com 'Wordle' e monetizado ele imediatamente talvez alguns números de receita estivessem maiores, mas acredito firmemente que ele seria um jogo de vida curta e nós estamos jogando no longo prazo."

Para o futuro, Bell prevê aumentar a integração de "Wordle" com mais jogos da plataforma. Após pesquisas com assinantes e usuários, foi definido que o game de sudoku do jornal será o próximo a receber um empurrãozinho.

Quanto ao surgimento de um novo hit viral como "Wordle", Bell acha pouco provável que ele seja um quebra-cabeças como os que o NYT costuma colocar em seu serviço. "Mas nossos olhos e ouvidos estão abertos."

O jornalista viajou a convite da Abragames (Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Eletrônicos).

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