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Indefinição fiscal e crise bancária afastam estrangeiro da Bolsa brasileira

Resgate líquido de ações brasileiras por investidores de fora soma quase R$ 2,4 bilhões em março, até o dia 27

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São Paulo

As incertezas sobre a condução da política econômica do governo brasileiro, com o mercado ansioso em relação à apresentação da nova regra fiscal, somadas à crise bancária nos Estados Unidos e na Europa, têm se refletido em saques por parte dos investidores estrangeiros da Bolsa de Valores.

Segundo dados da B3, em março, até o dia 27, as vendas de ações brasileiras pelos estrangeiros superaram as compras em cerca de R$ 2,3 bilhões, dando prosseguimento à tendência já observada em fevereiro, quando o saque líquido pelo investidor de fora totalizou R$ 1,68 bilhão.

O movimento recente representa uma reversão da trajetória vista desde meados do ano passado —de junho de 2022 até janeiro de 2023, os estrangeiros registraram aportes líquidos em ações brasileiras, tendo inclusive sido um dos principais responsáveis pela alta de 4,7% do Ibovespa no ano passado. No acumulado de 2022, os estrangeiros alocaram aproximadamente R$ 120 bilhões na Bolsa local.

Sem o investidor internacional, o Ibovespa acumula queda de cerca de 7,2% em 2023, até esta quarta-feira (29).

Operador do mercado financeiro acompanha o pregão na Bolsa de Valores brasileira, em São Paulo
Operador do mercado financeiro acompanha o pregão na Bolsa de Valores brasileira, em São Paulo - Nelson Almeida - 18.mai.2017/AFP

Co-CEO e diretor de investimentos da gestora Alphatree Capital, Rodrigo Jolig afirma que a incerteza política e os ruídos relacionados ao novo arcabouço fiscal e ao BC (Banco Central), com críticas reiteradas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a Roberto Campos Neto, afeta a disposição, seja do local ou do estrangeiro, em buscar ativos de risco como as ações em mercados emergentes como o Brasil.

"O ruído política piora a perspectiva para a Bolsa e o apetite a risco do investidor estrangeiro", diz Jolig.

Ele acrescenta que o caso envolvendo a Americanas, e as dúvidas que ainda pairam no mercado a respeito da saúde financeira de outras empresas do varejo, também é um fator que pode ter contribuído para o investidor estrangeiro optar por reduzir a alocação no país.

Economista-chefe do MUFG (Mitsubishi UFJ Financial Group) Brasil, Carlos Pedroso afirma que, assim como o investidor local, o estrangeiro que permanece no Brasil provavelmente tem preferido apostar na renda fixa com o retorno atrativo de 13,75% da Selic do que se arriscar na Bolsa.

Dados do setor externo do BC mostram que em março, até o dia 22, tivemos saídas de quase US$ 1,5 bilhão nas aplicações estrangeiras em ações, mas com US$ 1,1 bilhão em entradas em títulos públicos, diz Pedroso.

"Isso significa que houve uma realocação da carteira, ou seja, o estrangeiro está vendo o preço da ação cair e prefere retirar os recursos da Bolsa neste momento para não ter uma perda maior e migrar para um ativo como os títulos públicos que estão rendendo juros bem bons", afirma o economista.

Jolig, da Alphatree, afirma ainda que, ante o patamar atual dos juros e as sinalizações do BC de que eles ainda não irão cair tão cedo, dificilmente as ações conseguirão engatar uma alta mais consistente no curto prazo, o que o leva a manter na carteira dos fundos uma posição "vendida" no Ibovespa, que ganha com a queda do índice acionário.

"A gente está com uma cabeça mais cautelosa ainda. Na hora que ficar mais claro que o ciclo de política monetária vai começar a afrouxar os juros, acho que será possível ter mais clareza para tomar mais risco em Bolsa", afirma Jolig.

"Enquanto o governo não der sinais claros de querer realmente avançar na agenda fiscal, será difícil os gringos ingressarem com força no nosso mercado", endossa Julio Hegedus Netto, economista-chefe da Mirae Asset Wealth Management.

Chefe de pesquisa da Guide Investimentos, Fernando Siqueira diz que, historicamente, o fluxo foi maior em momentos de mais liquidez no mercado internacional, crescimento mais consistente da economia brasileira e quando as commodities estavam em alta. "Este não é o caso atualmente", afirma Siqueira.

Ele diz ainda que, no cenário externo, a crise bancária nos EUA e na Europa, na esteira do processo de aperto monetário nas economias desenvolvidas, também afetou a demanda do investidor global por oportunidades em mercados mais arriscados como os emergentes.

Pedroso, do MUFG, acrescenta que, em um cenário de aumento dos juros pelo Fed (Federal Reserve, banco central dos EUA), o investimento em renda fixa no mercado americano passa a ficar mais atrativo para o estrangeiro, ao mesmo tempo em que o aperto monetário tende a desacelerar a economia, com potencial impacto negativo para as empresas e as ações na Bolsa.

"O local já saiu da Bolsa para aproveitar os juros da renda fixa. Agora, com o estrangeiro saindo também, o interesse pelas ações diminui muito", diz George Wachsman, diretor da Empiricus Investimentos.

Wachsmann afirma também que, após a entrada volumosa de recursos em 2022, com o Brasil beneficiado no radar dos investidores com o "lockdown" na China e a guerra na Ucrânia, e isso após o aporte já expressivo em torno de R$ 40 bilhões no ano anterior, é natural que, em um momento de maior aversão ao risco em escala global, o estrangeiro faça alguns ajustes na alocação que mantém no mercado brasileiro.

O diretor de investimentos da Empiricus diz ainda que, desde a corrida eleitoral em meados do ano passado, o investidor internacional demonstrava uma preferência pela vitória do presidente Lula em comparação ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Com a falta de avanços concretos no campo econômico nos primeiros meses do governo, um sentimento de frustração pode ter pesado para a redução da alocação no país, afirma.

"Vejo uma combinação de um mau humor global com um mau humor com o Brasil", diz Wachsmann. "Não por outro motivo que a Bolsa flertou com os 97 mil pontos", acrescenta.

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