Senador vê contradição de Sergio Rial em data de contrato com Americanas

Ex-presidente da varejista diz que houve apenas uma formalização em maio, mas trabalho começou depois

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

A data de início da relação profissional entre o ex-presidente da Americanas, Sergio Rial, e a empresa foi tema nesta terça-feira (28) de audiência na CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) sobre o escândalo contábil da varejista.

Para o senador Carlos Portinho (PL-RJ), o executivo entrou em contradição em suas respostas. Portinho questionou Rial sobre o início da sua prestação de serviços à companhia. Rial respondeu que foi procurado por um dos três principais acionistas da Americanas –o trio de bilionários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira– no início de 2022 para integrar o conselho de uma das empresas do trio.

Rial afirmou que não poderia assumir a posição, porque já tinha diversos compromissos. Até o final de janeiro deste ano, ele era presidente do conselho de administração do Santander Brasil, um dos maiores credores da Americanas (com R$ 3,6 bilhões a receber), além de participar de outros conselhos de administração.

homem calvo de terno azul e óculos
O ex-presidente da Americanas Sergio Rial participa da CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) do Senado para discutir a crise na varejista. - Geraldo Magela/Agência Senado

Segundo Rial, as conversas evoluíram para que ele se tornasse o novo presidente da Americanas, algo que só foi anunciado em 19 de agosto de 2022. De acordo com ele, para se ambientar à nova função, fechou um contrato de consultoria com a Americanas, realizado entre setembro e dezembro do ano passado.

A Folha informou a respeito do acordo, da ordem de R$ 600 mil para os quatro meses de trabalho, o que foi considerado incomum por especialistas em gestão consultados pela reportagem –uma vez que já estava prevista a contratação de Rial como CEO logo na sequência, em janeiro deste ano.

Carlos Portinho, porém, afirmou que tinha a informação de que Rial foi contratado em maio como consultor. Rial disse que um jornal carioca levantou essa informação –no caso, foi O Globo– mas que ele só foi anunciado em agosto e deu início ao trabalho em setembro.

Portinho, então, afirmou que enviaria à CAE uma cópia do contrato assinado por Rial e Beto Sicupira, em maio do ano passado, que previa o trabalho de consultoria do executivo e, na sequência, a sua posse como CEO.

Rial disse, então, que sim, existia esse contrato prévio, porque não haveria como ele concordar com o trabalho se não soubesse como seria pago. O contrato em questão, de maio, segundo Rial, era um desenho de como seria a sua remuneração, baseada em ações, com carência de cinco anos para serem negociadas em mercado.

"Agora, sim, o senhor Sergio disse a verdade", afirmou Portinho. "Esse documento pega o senhor Sergio Rial na mentira."

Na época em que veio à tona a contratação de Rial como consultor, a Folha questionou o executivo se o fechamento do contrato havia sido feito em maio, como informava O Globo. Por meio de sua assessoria de imprensa, o executivo negou e disse que o contrato se deu em agosto, com início em setembro.

"Como um diretor de banco se torna consultor e depois CEO de empresa credora?", questionou o senador ao presidente da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), João Pedro Barroso do Nascimento, que também participou da audiência pública.

"Este contrato [de maio] não tinha sido juntado aos autos do processo administrativo", afirmou Nascimento. De acordo com o presidente da CVM, a autarquia só soube pela imprensa da consultoria que havia começado em setembro –fato que veio à público em 15 de fevereiro por meio de reportagem do Globo, depois confirmado pela Folha–, e também não sabia do acordo firmado por Rial e Sicupira em maio.

"Temos uma confusão temporal aqui", disse Nascimento. "Ele [Rial] havia admitido consultoria em setembro, e agora descobrimos um contrato desde maio. Isso vai ser objeto de uma análise muito cuidadosa", afirmou.

Após a publicação desta reportagem, Sergio Rial enviou nota, por meio da sua assessoria de imprensa, informando que "não houve um contrato firmado em maio."

"O que houve foi a mera formalização, por intermédio de uma carta proposta, que nada mais era do que o registro das principais bases então negociadas, do que viria a ser o futuro contrato que regularia o 'contrato de trabalho' como CEO da Americanas, que só foi firmado em dezembro de 2022, após a aprovação final do conselho de administração."

"Está sendo confundido uma carta proposta de bases com contrato em si mesmo", diz a nota, destacando ainda que não houve qualquer pagamento entre maio e setembro do ano passado, "justamente porque não existia contrato vigente."

"Será que essa recuperação judicial não faz parte de todo um engendramento que começou em maio de 2022?", questionou Portinho, lembrando que o fato geraria um deságio de até 80% no pagamento de dívidas, além da venda de ativos como o Natural da Terra, iniciativas previstas no plano de recuperação judicial da companhia.

"Não posso admitir que os 3G [Lemann, Telles e Sicupira] sejam tão bobos a ponto de não perceberem um rombo de R$ 40 bilhões", afirmou Coutinho, fazendo menção à empresa de private equity da qual os três bilionários são sócios.

Em carta aberta divulgada em 22 de janeiro, o trio de bilionários afirmou categoricamente que não sabia nada a respeito das "inconsistências contábeis" trazidas à tona por Rial.

Dificuldade em conseguir informações

Durante a CAE, Sergio Rial afirmou ainda que teve dificuldade de obter informações da gestão anterior da varejista durante a transição no comando da empresa e que, ao descobrir o rombo contábil na companhia, precisava extrair as informações "a conta-gotas" do departamento de contabilidade.

"O presidente anterior [Miguel Gutierrez], que tem vasta experiência como eu já mencionei, não fez a sua sucessão", disse Rial aos senadores, lembrando que foi anunciado como presidente-executivo da companhia em agosto de 2022 para assumir o posto em 1º de janeiro deste ano.

"Era uma pessoa com características de CEO, tendo estado na empresa há tanto tempo, centralizador, no sentido de que as informações eram muito bem controladas, vamos dizer, por ele juntamente com sua diretoria", disse Rial sobre Gutierrez, que atuou na Americanas por cerca de 30 anos, sendo 20 no comando executivo.

Rial disse que teve 21 reuniões na varejista antes de assumir como CEO. Nesse intervalo, segundo Rial, Gutierrez teria expressado preocupação com a possibilidade de dualidade no comando da empresa no período de transição. Rial só teria visitado com Gutierrez um único centro de distribuição da companhia e algumas poucas lojas.

"Nunca, nunca de maneira que eu pudesse entender prospectivamente o tamanho do desafio, principalmente financeiro que eu estaria encontrado", relatou.

Segundo Rial, Gutierrez não quis que ele participasse de reunião de fechamento do ano da companhia, medida que o ex-presidente da varejista classificou de "pouco comum".

"Até o dia 26 de dezembro [de 2022], não se sabia prospectivamente o que seriam os resultados da Americanas para 2022. Na realidade, não sabemos até hoje. Na realidade o quarto trimestre, até agora, não foi publicado", disse. A empresa, que deveria apresentar o balanço do quarto trimestre nesta terça (29), adiou a entrega do documento, sem data definida.

Rial disse ter tomado conhecimento do rombo contábil na empresa em 4 de janeiro, quando dois diretores disseram a ele que a dívida bancária da Americanas não foi devidamente contabilizada na rubrica "bancos" do balanço.

"Ou seja, a dívida bancária da empresa que, no terceiro trimestre era de R$ 19 bilhões. A dívida bancária dessa empresa se torna R$ 35 bilhões, R$ 36 bilhões, com um patrimônio líquido de R$ 16 bilhões. E, a partir daquele momento, eu tenho absoluta consciência de que a empresa tinha uma estrutura patrimonial de insolvência", disse.

A partir daí, afirmou, buscou entender a origem das incongruências e novamente enfrentou dificuldades em obter informações.

"Do dia 4 ao dia 11 [de janeiro] eu não recebi algo no papel, eu não recebi algo como fosse um mapa, eu extraía as informações a conta-gotas dia após dia de maneira incessante com o ex-diretor financeiro. Não havia uma predisposição 'deixa eu lhe explicar tudo o que aconteceu, deixa eu lhe explicar tudo como aconteceu e por que aconteceu'. Nada disso", disse.

A Folha não conseguiu localizar Gutierrez para comentar as declarações dadas na audiência. Ele não mantém redes sociais, não conta com assessoria, e a Americanas diz que o ex-presidente não tem mais qualquer ligação com a empresa.

Trio não sabia de nada, segundo ex-presidente

Rial também buscou eximir de responsabilidade os três principais acionistas da Americanas (Lemann, Telles e Sicupira), afirmando que eles demonstraram choque e surpresa com a revelação do rombo na companhia. Ele disse ainda ter certeza que os principais acionistas "continuarão a dar credibilidade para a empresa".

Na mesma audiência, o atual presidente da varejista, Leonardo Coelho Pereirra, defendeu o plano de recuperação judicial da companhia e manifestou confiança no sucesso da medida.

"O fundamental é: existe possibilidade de recuperação desse ativo", disse, acrescentando que a Americanas "aguentou muita malcriação nesses últimos 20, 30 anos".

Ele disse que a empresa de auditoria PwC segue atuando na companhia, mas agora com uma "auditoria sombra" que está sendo realizada pela Deloitte. O executivo acrescentou que não pode fazer prejulgamento sobre o que ocorreu na empresa e que lhe cabe assegurar a manutenção da Americanas e aguardar o resultado das investigações.

Questionado sobre a possibilidade de fraude, ele disse que "talvez seja essa a conclusão, mas eles precisam terminar o trabalho."

Pereira disse ainda que o departamento financeiro da empresa foi reconstruído e que vem trabalhando para refazer o balanço da companhia. "Hoje nós temos duas auditorias fazendo a checagem dos números", afirmou.

"A Americanas, depois da recuperação judicial, não pode errar mais", acrescentou.

Também participaram da audiência na CAE o presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Isaac Ferreira, e um antigo fornecedor da área de logística, Moacir de Almeida Reis, diretor da Forte Minas. Em seu depoimento, Reis apontou o quanto foram sempre duras as negociações com a Americanas, o que teria levado à quebra da empresa de logística antes mesmo do escândalo contábil.

Com Reuters

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.