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J&F tenta obter desconto de ao menos R$ 3 bi em leniência de R$ 10,3 bi

Empresa, que não quis se manifestar sobre o caso, conseguiu aval de câmara ligada à PGR para rediscutir termos de acordo por envolvimento em corrupção

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Brasília

O MPF (Ministério Público Federal) aceitou um pedido da J&F, holding que controla a JBS, para a revisão de partes do acordo de leniência que ela voluntariamente assinou em 2017. A companhia quer reduzir em ao menos R$ 3 bilhões o total de R$ 10,3 bilhões (em valores de 2017) que concordou em pagar por envolvimento em casos de corrupção.

A decisão suspende, até julgamento definitivo sobre o caso, o pagamento das parcelas que o grupo dos irmãos Joesley e Wesley Batista ainda tem em aberto.

No cenário mais favorável à companhia, embora improvável, o desconto chegaria a R$ 8,5 bilhões, reduzindo o valor do acordo para R$ 1,8 bilhão, ou menos de 20% do pactuado.

A Folha teve acesso à íntegra do relatório sobre o caso. De 2017 até o momento, a empresa desembolsou cerca de R$ 580 milhões —5,6% do total acordado para ser pago em 25 anos.

Joesley Batista, dono da J&F, que celebrou acordo de leniência com União - 23.dez.2023-Danilo Verpa/Folhapress

Espécie de delação premiada destinada a empresas, a leniência envolveu companhias sob o guarda-chuva da J&F que foram alvo das operações Greenfield, Sépsis, Cui Bono e Carne Fraca, da Polícia Federal e do MPF.

Pelo acordo, a empresa comprometeu-se a ressarcir R$ 10,3 bilhões (em valores de 2017) às instituições lesadas —Caixa Econômica Federal, FGTS, Funcef, Petros e BNDES, além da própria União.

O grupo dos irmãos Batista vinha tendo negadas pelo MPF todas as tentativas de mudar partes do acordo. A última delas, em fevereiro do ano passado, foi divulgada pela própria PGR (Procuradoria-Geral da República).

No entanto, em decisão até agora mantida em sigilo, o subprocurador-geral da República Ronaldo Albo aceitou, em outubro, praticamente todas as alegações da J&F e autorizou diligências com prazo de três meses para reunir informações e instruir processo de revisão de partes da leniência. Depois disso, o caso vai a julgamento, o que ainda não tem data.

Ele também determinou expedição de ofícios para que a PGR notificasse a Justiça sobre a suspensão dos pagamentos das parcelas até a análise do mérito do caso.

Albo assumiu em agosto de 2022 a coordenação da 5ª Câmara de Coordenação e Revisão (Combate à Corrupção) do MPF —órgão responsável pela homologação e revisão dos acordos de leniência no país e que, no passado, deu sinal verde para o pacto com a J&F.

Questionado pela empresa dos Batista, o valor da parcela anual, que passou a ser devida a partir do fim de 2021, gira em torno de R$ 350 milhões. Representa menos de 0,1% do faturamento anual da empresa. Com suas atividades, a J&F leva somente oito horas para gerar os recursos necessários para o pagamento.

Procurada, a companhia afirmou que não se manifestaria sobre o caso.

Redução pedida chega a R$ 4,9 bilhões

No pedido ao MPF, o grupo dos irmãos Batista questionou praticamente todos os pontos do acordo que assinou por livre e espontânea vontade.

Afirmou que o valor total pactuado está majorado e apresentou ao menos duas teses para defender sua posição.

Em uma delas, considera que os parâmetros do cálculo foram abusivos —em vez de 4% sobre o faturamento líquido do grupo, foram aplicados 5,38%, média utilizada nos demais acordos de leniência feitos pelo MPF.

Somente isso já reduziria o valor de R$ 10,3 bilhões para R$ 7,3 bilhões —valor que representa uma semana de faturamento da empresa.

Também apresentou um parecer da consultoria Tendências defendendo que, em 2016, momento da negociação dos termos firmados, a J&F não controlava 100% das empresas envolvidas na leniência. Somente isso já faria o valor do acordo sofrer redução para algo entre R$ 1,8 bilhão e R$ 4,9 bilhões.

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Alvo de investigações, Polícia Federal prende Joesley Batista na casa dele Jardim Europa, em São Paulo - 09.nov.2018-Marcelo Gonçalves/Sigmapress/Folhapress

No despacho, o subprocurador Ronaldo Albo pede que esse parecer seja avaliado como referência do pleito da J&F.

"Há fortes indícios e evidências de que a fórmula adotada para se chegar ao valor da multa imposta desrespeitou os limites legais", escreveu. Para ele, "do que se vê, não ocorreu dano ou lesão aos cofres públicos e aos entes beneficiados".

"Some-se que a referida fórmula foi utilizada de forma equivocada quanto ao faturamento global da requerente [a J&F] para o cálculo da multa e que ainda foi desconsiderada a participação acionária da requerente nas suas subsidiárias para fins de cálculo da multa", acrescentou o subprocurador.

A empresa também contestou o pagamento de parcelas por danos causados ao BNDES, Caixa, FGTS, Funcef e Petros. Afirmou que a legislação da leniência só autoriza pagamentos para a União por danos sofridos pelo Estado, e negou ter causado prejuízos às instituições beneficiadas pelo acordo.

Ações judiciais

A novela no MPF se dá em paralelo a uma batalha na Justiça entre a J&F e entidades lesadas por esquemas de corrupção nos quais a empresa se envolveu.

Em outubro de 2021, dois meses antes do vencimento de sua primeira parcela anual do acordo —antes elas eram semestrais—, a J&F acionou uma cláusula da leniência para solução de controvérsias com o MPF. O objetivo era rever o valor pactuado e suspender os pagamentos das parcelas.

O pedido foi negado por diversas instâncias do Ministério Público sem que o mérito fosse julgado. À época, o MPF informou que, para rever os valores do acordo, a companhia deveria ter ingressado com um processo específico para isso, e não o de solução de controvérsias.

Por isso, a J&F foi à Justiça e pediu a suspensão dos pagamentos das parcelas de 2021 até que o valor do acordo e outras questões fossem revistas pelo MPF.

A decisão foi favorável, mas condicionada à apresentação de um seguro dado como garantia para o futuro pagamento destinado para o Petros, fundo de pensão dos funcionários da Petrobras, e a Funcef, fundação de previdência dos servidores da Caixa Econômica Federal.

Essas instituições recorreram e não receberam esse dinheiro até hoje.

Já a parcela anual de 2022 venceu no início de dezembro e, devido à decisão do subprocurador do MPF, a empresa não precisará fazer o pagamento. Também não terá de recolher as próximas parcelas, caso os termos do acordo não sejam revistos até lá.

Em nota enviada à Folha, o subprocurador-geral da República Ronaldo Albo afirmou que o caso não é de "revisão de acordo". "Trata-se de solução de controvérsia específica e pontual, sendo esta permitida em cláusula própria e específica do acordo de leniência firmado e assinado pelo Ministério Público Federal com a parte J&F", disse.

Segundo ele, o "procedimento em tramitação" está coberto por sigilo porque contém "informações de cunho fiscal, financeiro, (...) que, no momento, só interessam para aqueles que fazem parte do referido procedimento".

A previsão inicial, afirma Albo, é que o julgamento dos pedidos da J&F ocorra no segundo semestre deste ano, possivelmente entre os meses de "agosto e setembro".

"O objeto das questões aqui formuladas serão tratadas por ocasião de seu julgamento pela 5ªCCR/MPF, sendo ilegal a prestação antecipada de quaisquer esclarecimentos, sob pena de nulidade procedimental e de crime de vazamento de informações sigilosas", diz o texto enviado por ele.

Procurados, Funcef e Petros não quiseram se manifestar. O BNDES não respondeu até a publicação desta reportagem.

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