Quebras consecutivas de bancos vieram depois de desregulamentação

Funcionários do Signature e do SVB apelaram por regulamentação mais frouxa para os bancos de médio porte

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David Enrich
The New York Times

No segundo trimestre de 2018, o então presidente dos EUA Donald Trump assinou uma lei que diluiu a legislação histórica de reforma da regulamentação que o seu antecessor havia implementado depois da crise financeira mundial. As mudanças receberam apoio de uma origem surpreendente: o ex-deputado federal progressista Barney Frank.

Frank tinha sido um dos principais arquitetos da Lei de Reforma de Wall Street e Proteção ao Consumidor, mais conhecida como Lei Dodd-Frank. Mas desde que deixou a política, em 2013, ele repetidamente expressou apoio à diluição de uma das cláusulas centrais da lei: a de que qualquer banco com mais de US$ 50 bilhões em ativos deveria receber fiscalização federal intensiva.

O ajuste subsequente –que elevou o limite para esse regime de fiscalização a US$ 250 bilhões– teve grandes consequências. Entre outras coisas, um grande número de bancos escaparia, pelo menos inicialmente, aos "testes de estresse" anuais do Fed (Federal Reserve, o banco central americano), e eles desfrutariam de requisitos de segurança financeira mais fáceis de satisfazer.

Um dos beneficiários da mudança foi o Signature Bank, uma instituição de Nova York cujo conselho incluía Frank.

Logo da SVB (Silicon Valley Bank) - Dado Ruvic - 13.mar.2023/Reuters

Agora, o Signature está morto –vítima de uma crise rápida que revelou até que ponto o setor bancário e outros oponentes da fiscalização governamental desmontaram as robustas proteções regulatórias que foram adotadas depois do colapso financeiro de 2008.

No domingo, as autoridades regulatórias fecharam o Signature, por medo de que saques em massa de depósitos tivessem colocado o banco em perigo. A quebra da instituição aconteceu apenas 48 horas depois do colapso do Silicon Valley Bank, cujos executivos se tinham juntado a Frank para pressionar, com sucesso, pela elevação do limite de fiscalização de US$ 50 bilhões.

As quebras consecutivas de bancos enervaram investidores, clientes e autoridades regulatórias, alimentando o receio de uma repetição da crise de 2008, que derrubou centenas de bancos, levou a enormes operações de resgate bancadas pelos contribuintes e colocou a economia em queda livre.

As autoridades regulatórias federais batalharam para estabilizar a situação, e prometeram proteger todos os depósitos no Silicon Valley Bank e no Signature, e também anunciaram um programa de empréstimo de emergência para outros bancos em dificuldades. Mesmo assim, as ações dos bancos regionais sofreram queda severa na segunda-feira (13), algumas das quais de mais de 50%, à medida que os clientes correm para sacar seus depósitos.

Grande parte da infraestrutura regulatória continua funcionando, e o setor, de acordo com a maioria dos relatos, está em base financeira muito mais sólida do que há 15 anos.

Em entrevista na segunda, Frank, que se tornou parte do conselho do Signature dois anos depois de ter começado a apelar por alterações na lei, argumentou que o retrocesso regulamentar não preparou o terreno para os recentes colapsos ou para uma crise bancária mais ampla.

Contudo, alguns dos bancos que agora enfrentam crises de confiança são exatamente os mesmos que, nos últimos anos, vinham dizendo aos legisladores e outros que suas situações eram seguras o bastante e que eles que não deveriam ser alvo de fiscalização federal rigorosa.

Muitos desses bancos argumentaram que regulamentos federais onerosos tornariam mais difícil para eles servir como alternativas a gigantes como o Bank of America, JPMorgan Chase e Wells Fargo. No entanto, é provável que esses gigantes agora venham a receber um influxo de depósitos, de clientes preocupados que estão correndo em busca de segurança.

E embora os bancos regionais tenham conseguido convencer os legisladores de que não eram sistemicamente importantes em 2018, nos últimos dias as autoridades regulatórias aparentemente chegaram à conclusão oposta. Concordaram em socorrer os depositantes do Signature e do Silicon Valley Bank para salvaguardar o sistema financeiro mais amplo –em um lembrete poderoso da maneira pela qual temores sobre um par de bancos, mesmo que não sejam os maiores dos EUA, podem rapidamente infectar todo o setor.

O ex-presidente Barack Obama assinou a lei Dodd-Frank em julho de 2010. Na cerimônia de assinatura, perto da Casa Branca, ele agradeceu efusivamente a Frank e ao senador Christopher Dodd, o segundo proponente do pacote, por terem trabalhado "dia e noite para colocar em prática essa reforma".

A lei foi uma resposta direta à crise brutal que tinha acabado de terminar. Mas foi também um repúdio à abordagem regulatória em modo laissez-faire que vinha ganhando força nos Estados Unidos e outros países durante as décadas precedentes. Executivos financeiros e lobistas tinham persuadido as autoridades de que anos de lucros gordos eram prova de que sabiam gerir suas empresas em segurança.

Depois que esse argumento foi desmascarado, a lei Dodd-Frank impôs uma variedade de medidas para restringir o setor bancário. Certas transações de risco foram proibidas. Surgiram requisitos mais rigorosos para garantir que os bancos tivessem a capacidade de absorver perdas inesperadas e resistir a fugas súbitas de depositantes. E também verificações regulares de saúde financeira para garantir que os bancos seriam capazes de resistir aos piores cenários econômicos.

Desde que a lei entrou em vigor, o setor bancário lutou por sua rescisão, ou no mínimo flexibilização. O argumento era que regulamentos onerosos limitavam a capacidade do setor para emprestar dinheiro a clientes solventes.

O argumento não encontrou audiência enquanto Obama estava na Casa Branca. Trump foi mais receptivo. Apenas uma semana depois de tomar posse, ele classificou a lei a Dodd-Frank como "um desastre" e disse a jornalistas que "vamos fazer um número" nessa lei.

Os principais funcionários do governo Trump, muitos dos quais antigos executivos do setor bancário ou áreas adjacentes, começaram a afrouxar as rédeas. Às vezes isso significava manipular as regras; outras vezes significava simplesmente tratar com mais simpatia os bancos regulamentados.

Os fiscais encarregados de trabalhar com os bancos foram instruídos a serem menos conflituosos e a darem aos bancos feedback positivo, e não apenas críticas. O controlador da moeda no governo Trump, um dos principais reguladores financeiros federais, descreveu os bancos como "clientes" de sua agência.

"A mudança do tom da fiscalização provavelmente vai ser a parte mais importante do que eu faço", disse Randal Quarles, que era o responsável pela regulamentação bancária no Fed, em 2017.

Naquele ano, os legisladores republicanos prepararam projetos de lei para relaxar a Dodd-Frank. Entre os focos estavam a cláusula que submetia qualquer banco com mais de US$ 50 bilhões em ativos a testes de estresse, a obrigação de manter maiores reservas financeiras e a de apresentar planos sobre a forma como o banco seria fechado em caso de crise.

A nova legislação surgiu depois de anos de pressão de executivos bancários e lobistas, entre os quais Greg Becker, que até sexta-feira comandava o Silicon Valley Bank.

"Sem essas mudanças, o SVB terá provavelmente de desviar recursos significativos da concessão de financiamento a empresas criadoras de emprego na economia da inovação", alertou Becker aos legisladores em 2015.

Os defensores das mudanças de 2018 disseram que elas continuavam a fazer sentido, mesmo agora que uma nova crise está em curso. "Os bancos de médio porte precisavam de algum alívio regulamentar", disse o senador Mark Warner, democrata da Virgínia, no programa "ABC News", no domingo (12).

Na entrevista de segunda-feira, Frank disse que o objetivo da legislação tinha sido concentrar as ações nos bancos muito maiores dos Estados Unidos e não sobrecarregar as instituições de menor porte com regras rigorosas ou fiscalização.

Se o limite de US$ 50 bilhões tivesse permanecido em vigor, o Signature precisaria ou de parar de se expandir ou de se submeter aos testes de estresse do Fed e outros requisitos concebidos para refrear as transações de risco agressivas e garantir sua segurança.

Em vez disso, graças à mudança de 2018, o Signature estava livre para passar por um surto de crescimento. Os ativos do banco cresceram de cerca de US$ 47 bilhões antes da mudança na lei para US$ 110 bilhões no ano passado. A instituição se expandiu para seis estados.

Uma fonte recente de crescimento foram as criptomoedas; a partir de 2018, o banco estava entre as poucas instituições de crédito a aceitar depósitos em forma de ativos criptográficos. Na sexta-feira, as preocupações sobre a exposição do banco às criptomoedas desencadearam uma corrida fatal aos seus depósitos.

Frank, que recebeu mais de US$ 2,4 milhões em dinheiro e ações do Signature durante os seus mais de sete anos no conselho do banco, deixou o posto no domingo, quando as autoridades regulatórias dissolveram o conselho. Ele disse na segunda-feira que o banco foi vítima de autoridades regulatórias excessivamente zelosas. "Nós fomos a vítima que eles escolheram fuzilar para encorajar outras instituições a se afastarem das criptomoedas", disse.

Frank acrescentou que embora o Signature tivesse recebido menos escrutínio federal do que teria sido o caso antes do relaxamento da lei, as autoridades regulatórias estaduais de Nova York tinham fiscalizado rigorosamente o banco.

Tradução de Paulo Migliacci

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