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The New York Times LGBTQIA+

Anúncio com influenciadora trans deixa sabor amargo para Bud Light e aviso para as grandes empresas

Vendas da cerveja caíram 17% em valor na semana que terminou em 15 de abril, em comparação com 2022

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Charles Homans

Redator do New York Times e da Times Magazine

The New York Times

Quando foi nomeada vice-presidente de marketing da Anheuser-Busch, Alissa Heinerscheid explicou, em entrevista recente a um podcast, que "tinha um mandato muito claro: precisamos evoluir e elevar essa marca incrivelmente emblemática". Para fazê-lo, segundo ela, "precisamos de uma campanha que seja verdadeiramente inclusiva".

Porém, os limites desse mandato, e da maneira pela qual a Anheuser-Busch define "inclusivo", tornaram-se aparentes na sexta-feira (21), quando a empresa anunciou que Heinerscheid e seu chefe, Daniel Blake, seriam colocados de licença, depois de uma onda de indignação da direita quanto a uma campanha de marketing da Bud Light que envolvia Dylan Mulvaney, uma influenciadora transgênero.

A reação negativa e a subsequente correria da empresa para corrigir a situação oferecem uma lição sobre a política cada vez mais instável das grandes empresas dos Estados Unidos. Nos dez últimos anos, as grandes empresas vêm-se inclinando a políticas sociais, cada vez mais rejeitadas pelos seus velhos aliados do Partido Republicano e pelos consumidores que votam neles.

Em vídeo, influenciadora trans Dylan Mulvaney mostra no Instagram as latas de cerveja que recebeu com seu rosto estampado - Reprodução/dylanmulvaney no Instagram

Os problemas da Bud Light este mês sublinharam a dificuldade de tentar conviver com essa divisão. Os esforços de Heinerscheid refletiam as aspirações da empresa de reverter anos de perda de mercado entre os consumidores de áreas urbanas, predominantemente liberais (nos EUA, mais alinhados à esquerda).

Procurado pelo New York Times, a vice-presidente de marketing não respondeu até a publicação deste texto.

O furor resultante, no entanto, levou a quedas de até dois dígitos nas vendas da cerveja em mercados rurais de estados conservadores, onde uma revolta mais ampla contra os direitos dos transgêneros se tornou peça central da política republicana.

"Eles ingressaram em um país polarizado", disse Benj Steinman, editor da Beer Marketer's Insights, uma publicação setorial. "Estão no centro das guerras culturais de uma forma que nenhuma empresa gostaria de estar".

Em 1º de abril, Mulvaney postou um vídeo em sua conta do Instagram mostrando uma lata de Bud Light personalizada com seu rosto, que os profissionais de marketing da marca enviaram a ela como parte de uma promoção do March Madness [o torneio decisivo do basquete universitário dos Estados Unidos].

Uma reação negativa não demorou a surgir, assim como um boicote, impulsionados pela mídia social conservadora e personalidades como o músico Kid Rock, que publicou no Instagram um vídeo repleto de palavrões no qual aparece destruindo várias caixas de cerveja com uma submetralhadora.

As vendas da Bud Light, a maior marca da Anheuser-Busch InBev, caíram 17% em valor na semana que terminou em 15 de abril, em comparação com o ano anterior, de acordo com um relatório do setor.

Apesar da queda, as ações da Anheuser-Busch quase não vacilaram e estão atualmente perto do ponto mais alto que atingiram no ano passado, o que sugere que os investidores podem acreditar que a tempestade terá curta duração.

"As empresas não vão abandonar a prática empresarial padrão de mostrar diversidade em sua publicidade e marketing porque um pequeno número de ativistas anti-LGBTQIA+ ruidosos e pouco significativos fazem barulho nas redes sociais", disse Sarah Kate Ellis, presidente da GLAA, uma organização ativista LGBTQIA+, em comunicado.

Ela observou que uma pesquisa de 2020, conduzida por sua organização e pela Procter & Gamble, constatou que três quartos dos americanos que não são do grupo se sentiam confortáveis em ver pessoas LGBTQIA+ em anúncios.

O boicote à Bud Light também dividiu republicanos e organizações de campanha proeminentes. Muitos correram a aderir à frente mais recente da guerra cultural, entre os quais diversos candidatos republicanos à presidência em 2024.

Vivek Ramaswamy, um empresário e candidato presidencial republicano que faz campanha criticando as grandes empresas progressistas, aproveitou o episódio da Bud Light para angariar doações de campanha, dizendo que o caso é emblemático de como os principais executivos empresariais estão cada vez mais abraçando valores culturais liberais que conflitam com os dos consumidores de suas empresas.

"Acredito que o que a Budweiser fez seria inexplicável não fosse uma cultura empresarial criada por algumas dessas forças que querem mudar a vida americana de cima para baixo", ele disse.

No entanto, o grau em que a reação contra a Bud Light afetou as vendas da empresa é incomum. Outras companhias que se tornaram alvo da ira da direita nos últimos anos, por causa de políticas raciais e de gênero, como a Nike e a Disney, ou da esquerda, por causa do apoio ao ex-presidente Donald Trump e de suas afirmações de que as eleições foram roubadas, como a Goya Foods, pagaram pouco por isso junto aos consumidores.

Americus Reed, professor de marketing na Wharton School, da Universidade da Pensilvânia, que estuda a interseção entre movimentos sociais e o comportamento do consumidor, afirma que, para muitas empresas que abraçaram abertamente a política de justiça racial e os direitos LGBTQIA+ nos últimos anos, esses gestos refletem a consciência de que "essa é outra forma de se diferenciar em um mercado competitivo".

Ele mencionou a Ben & Jerry's, que construiu sua identidade e lealdade de marca, durante décadas, em parte por usar as suas raízes no enclave hippie de Burlington, Vermont, e ostentar a sua política abertamente liberal. "De repente, não há só creme e açúcar naquele sorvete, mas algo mais", ele disse.

Potes de sorvetes da Ben & Jerry's em uma loja de Nova York - Andrew Kelly/ 24-mar.22/Reuters

Porém, Anson Frericks, que foi presidente de operações da Anheuser-Busch nos EUA até o ano passado, disse que essa lógica não se aplicava necessariamente à sua antiga empresa: uma marca gigantesca com uma base de clientes historicamente dividida, de forma mais ou menos equitativa, entre os dois lados da divisão partidária cada vez mais acentuada do país, e com uma identidade associada mais aos [cavalos] Clydesdale [de sua publicidade], à nostalgia americana e aos comerciais engraçadinhos de Super Bowl do que à justiça social.

"Há um elemento de autenticidade no que a Ben & Jerry's faz", disse Frericks, fundador e presidente, com Ramaswamy, da Strive Asset Management, uma empresa de investimento que se posicionou contra a tendência de investimento social e ambientalmente consciente.

"Quando temos grandes empresas, com uma identidade de marca histórica, parece pouco autêntico que, de repente, elas se envolvam em campanhas sociais". A Anheuser-Busch, ele argumentou, "perdeu o consumidor de vista".

O recuo da empresa, no entanto, não lhe valeu muitos defensores.

"Era a oportunidade deles de dizer que apoiavam a comunidade LGBTQ e, especificamente, a comunidade trans", disse Stacy Lentz, diretora executiva da Stonewall Inn Gives Back Initiative, fundação filantrópica do histórico bar gay de Nova York.

Lentz também é uma das donas do Stonewall Inn, que se recusou a vender produtos da Anheuser-Busch durante o fim de semana do Orgulho, há dois anos, devido ao apoio da empresa a legisladores republicanos que seus donos considerava como anti-LGBTQ. Segundo ela, o boicote deu origem a conversas animadoras com representantes da empresa, e a promoção que envolveu Mulvaney foi ainda mais encorajadora –mas o recuo da empresa gerou desânimo

"Eles queriam atrair a geração mais jovem", ela afirmou. "No entanto, isso é uma coisa muito difícil de fazer em nível de marketing, ser todas as coisas para todas as pessoas, e fracassou redondamente."

Tradução de Paulo Migliacci

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