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Como a Bloomberg está prevendo a vida sem seu fundador

Michael Bloomberg alinha sua sucessão e uma das maiores doações beneficentes da história

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Robin Wigglesworth
Financial Times

"Está na hora de você sair", disse o executivo-chefe da Salomon Brothers, John Gutfreund, sempre mastigando um charuto, para Michael Bloomberg. Com os US$ 10 milhões que recebeu como indenização por ser demitido, Bloomberg abriu uma empresa, a Innovative Market Systems, no dia seguinte. Era 1981, e os computadores finalmente começavam a dominar Wall Street. Bloomberg, então com 39 anos, achou que estava na hora de um produto que desse às pessoas acesso a todas as informações financeiras concebíveis, e de um software que permitisse a qualquer pessoa decifrá-las, inclusive corretores. Ele estava certo.

Para muitas pessoas fora do setor financeiro, a Bloomberg é uma empresa de mídia. Isso é um pouco como descrever a Disney como uma operadora de parque temático ou o Google como um provedor de email. Da receita anual de mais de US$ 12 bilhões da Bloomberg, apenas cerca de US$ 500 milhões vêm da mídia, segundo pessoas familiarizadas com o assunto. A grande maioria de seus lucros vem de bancos e empresas de investimento que alugam "o terminal", seu desajeitado mas poderoso portal de dados e análises. A partir desse posto avançado, a Bloomberg se expandiu para infraestrutura comercial, análise jurídica, tecnologia regulatória, políticas públicas e muito mais. Ela abocanhou um terço do mercado global de dados e análises financeiras, de aproximadamente US$ 37 bilhões, durante mais de uma década.

Bloomberg, a empresa, tornou Bloomberg, o homem, imensamente rico. Sua fortuna de US$ 94 bilhões –estimada pela Forbes, já que o índice de bilionários da Bloomberg News não rastreia seu proprietário– significa que apenas Warren Buffett já ganhou mais dinheiro com o negócio do dinheiro. Se os dados realmente são o petróleo do século 21, então Michael Bloomberg é o John D. Rockefeller de hoje.

Michael Bloomberg em premiação no Glasgow Science Central, durante a COP26, em Glasgow, Escócia - Alastair Grant - 2.nov.2021/Reuters

No entanto, é notável o pouco escrutínio que o negócio principal de uma das empresas privadas mais valiosas do mundo recebe. A Bloomberg LP é uma gigante de dados tão envolvida com o setor financeiro que talvez seja mais importante do que qualquer grupo de investimento individual. Este artigo se baseia em entrevistas com mais de uma dúzia de atuais e ex-executivos, rivais e grandes clientes. Eles revelam uma empresa cada vez mais preocupada com a questão da Bloomberg após Bloomberg.

Em fevereiro, Michael Bloomberg completou 81 anos. Pessoas com conhecimento da dinâmica interna da empresa e de seu fundador sugerem que ele provavelmente transferirá a propriedade de seu império para um fundo que financiará a Bloomberg Philanthropies para sempre, semelhante ao movimento feito recentemente pelo fundador da Patagonia, Yvon Chouinard. Essa seria uma das maiores doações beneficentes da história. "Ele se comprometeu a doar a empresa para a Bloomberg Philanthropies quando morrer, se não antes", disse o porta-voz da companhia, Ty Trippet, ao Financial Times.

De acordo com a maioria dos ‘insiders’, o provável sucessor de Bloomberg como CEO é Jean-Paul Zammitt, um veterano na empresa. No entanto, alguns observam que um novo concorrente interno surgiu recentemente e que o imprevisível Bloomberg também poderá buscar fora da empresa quando finalmente se afastar, como fez quando deixou o cargo de prefeito de Nova York em 2002. "Mike pergunta a seus principais líderes sempre que se reúnem se eles têm mais de um sucessor, e embora ele tenha planos de sucessão para si mesmo não os discute com ninguém", disse Trippet. Mas, à medida que o setor financeiro continua sendo transformado por mudanças na tecnologia e novas formas de trabalhar, uma questão ainda mais urgente vem à tona: o que virá depois do terminal?

Os executivos seniores da S&P Global já haviam começado a redigir o triunfante press release. Era 2014 e eles estavam adquirindo o negócio de índices de títulos do Barclays por mais de US$ 1 bilhão. Os benchmarks financeiros não são exatamente atraentes, mas como ponto de referência para trilhões de dólares em fundos de investimento, derivativos e produtos estruturados são profundamente influentes e incrivelmente lucrativos. A S&P conseguiu vencer vários gigantes para ganhar uma das joias da coroa do setor.

Então Bloomberg apareceu. Enquanto o Barclays possuía os índices, a Bloomberg fornecia grande parte dos dados históricos subjacentes. Os executivos da S&P tentaram negociar um acordo de licenciamento, mas nunca pareceram chegar a lugar nenhum. Sem um acordo, eles estariam comprando uma casa sem a maior parte do terreno em que foi construída. "Todas as noites dava um passo à frente e todos os dias dava dois passos atrás, até que tudo desmoronou", disse uma pessoa envolvida nas negociações. "Foi sujo."

Também era o clássico Bloomberg: privado, paciente e cruel. Um ano e meio depois, a empresa anunciou que estava comprando o negócio de indexação do Barclays por um preço com desconto de US$ 781 milhões. A Bloomberg se recusou a comentar o acordo ou a disponibilizar executivos para entrevistas para este artigo, ressaltando que a empresa valoriza a privacidade como vantagem competitiva.

O acordo com o Barclays foi a aposta mais agressiva da empresa até o momento, pois se ramificou de seu negócio dominante de aluguel de terminais. Hoje, existem cerca de 365 mil Bloombergs nas mesas de banqueiros de investimento, negociadores de títulos, analistas de ações, gestores de fundos de pensão, fundos soberanos e funcionários do banco central. Todos os dias, o terminal processa em média mais de 300 bilhões de bits de informações financeiras e envia cerca de 1,4 bilhão de mensagens e 30 milhões de mensagens de bate-papo "Instant Bloomberg" que ricocheteiam em todo o mundo.

O banco de investimentos Merrill Lynch foi o primeiro a apostar na promessa da Bloomberg de que poderia construir um balcão único para todos os dados e análises financeiras. Em 1982, o Merrill prometeu desembolsar US$ 600 mil em custos de desenvolvimento para o que era então apelidado de "Market Master", mas apenas se a startup conseguisse entregar no prazo. Quando a Bloomberg apareceu, o Merrill concordou em pagar US$ 1.000 por mês para cada um dos primeiros 22 terminais que ocuparia.

Desde então, o terminal é o Sol em torno do qual a empresa gira. Tudo o que a Bloomberg LP fez se concentra em tornar o terminal mais valioso, seja criando uma função de bate-papo, iniciando uma organização de notícias, estabelecendo protocolos de negociação de títulos, adicionando dados alternativos interessantes, como geolocalização de navios-tanque, coletando conversas do Twitter ou até mesmo criando um site de classificados sofisticado. Ao longo dos anos, seu design mudou de um PC de mesa, acompanhado por um teclado complexo e codificado por cores, para uma configuração flexível de várias telas, acompanhada por um teclado complexo e codificado por cores.

Pode não ser tão glamouroso quanto muitos outros cantos do mundo da tecnologia, mas os terminais da Bloomberg se tornaram uma parte essencial do kit de ferramentas de qualquer banco ou grupo de investimento que se preze. Alguns executivos insistem em ter o seu como condição para aceitar uma oferta de emprego. "Estou casado com o terminal Bloomberg há mais tempo do que com minha mulher", disse Steve Sosnick, estrategista-chefe da Interactive Brokers, que tem um desde que iniciou sua carreira no Salomon Brothers no final dos anos 1980.

A capacidade da empresa de cobrar pelo privilégio de alugar um terminal causa inveja na indústria de dados. No ano passado, a Bloomberg aumentou o preço de apenas um de seus terminais em cerca de 9%, para US$ 30 mil (US$ 2.500 por mês), e o custo de vários terminais para US$ 26.580 por unidade, conforme relatado pelo FT. Como a empresa se recusa a dar descontos, mesmo para seus maiores clientes, e como é raro se livrar de um depois de instalado, isso significa que as receitas anuais geradas pelos terminais nos próximos dois anos são fáceis de calcular: pelo menos US$ 9,7 bilhões.

A Bloomberg LP é uma empresa privada quase integralmente de propriedade de seu fundador e não é obrigada a fazer nenhuma divulgação financeira pública. Mas especialistas e analistas do setor dizem que suas margens de lucro são invejáveis. Ela tem muitos rivais em cada segmento que opera, incluindo o Refinitiv, da Bolsa de Valores de Londres, o provedor de dados financeiros FactSet, a plataforma de negociação de títulos MarketAxess e o sistema de mensagens Symphony. Mas os clientes dizem que, mesmo que sejam mais baratos, nenhum deles alcança a oferta integrada geral da Bloomberg. "Se já está na sua mesa, você não consegue se livrar dele. Não há alternativa realmente boa", reclama o CEO de um grande cliente da Bloomberg, com mais de cem terminais instalados. "Tenho respeito por suas condições não negociáveis. Não gosto disso, especialmente quando tenho que preencher um grande cheque todo mês, mas respeito."

Mesmo uma crise financeira global não poderia prejudicar muito o negócio de terminais. Após a liquidação de muitos bancos de investimento e gestores de fundos, o número de terminais alugados globalmente encolheu de 285 mil em 2008 para 279 mil em 2009, segundo pessoas familiarizadas com o assunto. Mas a receita geral da Bloomberg cresceu ligeiramente, graças a esses aumentos constantes de preços e outras fontes de receita. No final de 2010, a contagem de terminais havia subido acima de 300 mil pela primeira vez.

Quão completamente o terminal Bloomberg se infiltrou no tecido do sistema financeiro ficou claro em 2015, quando uma breve interrupção forçou o escritório de gestão de dívida do Reino Unido a adiar uma venda de títulos. Qualquer interrupção de longa duração pode ter sérias consequências. "É um aspecto crítico dos negócios da Bloomberg", disse Richard Berner, professor de finanças da Universidade de Nova York Stern e ex-diretor do Escritório de Pesquisa Financeira do Tesouro dos Estados Unidos. "Não é apenas importante que o sistema funcione 24 horas por dia, sete dias por semana, mas também que seja seguro."

A peculiar cultura corporativa da Bloomberg LP –uma mistura de ímpeto agressivo e insegurança corrosiva– reflete as idiossincrasias da Bloomberg. A tradição da empresa diz que o fundador adora aquários porque observar os peixes nadando calmamente é como alguém massageando seus olhos em momentos de estresse. Seja verdade ou não, muitos dos 176 escritórios da Bloomberg têm pelo menos um grande aquário de água salgada. Quase todos os escritórios são abertos e equipados com uma cantina, a ideia é que todos vejam todos trabalharem e ninguém precise sair.

As idas e vindas dos funcionários são monitoradas e todos devem usar um cordão com seus crachás de trabalho, depois que Bloomberg enviou um memorando insistindo que a política fosse observada quando ele voltasse do cargo de prefeito de Nova York em 2014. "Mike é muito prático", diz um ex-executivo. "Ele queria ver os nomes de todos. Era importante para ele. Ele tem uma mesa como todo mundo, anda como todo mundo e toma café como todo mundo." Mesmo aos 81 anos, ele parece continuar sendo o mesmo CEO que uma vez disse que a noite de domingo era sua hora favorita da semana porque sabia que logo teria "cinco dias inteiros de diversão no escritório". As pessoas da empresa dizem que ele chega na maioria dos dias por volta das 7h e ainda se envolve rotineiramente, mesmo em minúcias como a configuração da mesa e a seleção de comida da cantina.

Existem outras grandes personalidades. Peter Grauer, ex-banqueiro da Donaldson, Lufkin & Jenrette, é o presidente-estadista e especialmente ativo em cortejar e manter grandes clientes. Grauer conheceu Bloomberg através dos eventos equestres de suas filhas e tem conversado com clientes desde que foi nomeado para o conselho em 1996. Michelle Seitz, ex-presidente-executiva da Russell Investments, diz que Grauer ligou imediatamente quando ela anunciou que estava deixando o gestor de ativos no ano passado. Ele queria parabenizá-la –e garantir que tivesse acesso ininterrupto ao seu terminal ao lançar sua nova empresa. (Essa é uma tática comum da Bloomberg.) "O atendimento ao cliente deles é de classe mundial", diz ela.

O cofundador Tom Secunda, que trabalhou com Bloomberg na Salomon Brothers, há muito supervisiona a engenharia e a tecnologia. Embora o terminal possa não ter seu nome, ele é amplamente considerado seu pai espiritual. "Tom é o coração do produto", disse um ex-executivo sênior. "Tom é o [Steve] Wozniak para o Steve Jobs de Mike. Ele até se parece um pouco com Wozniak. Qualquer coisa importante construída no terminal ainda é assinada por ele."

Ao lado desse trio, há um punhado de outros altos executivos no comitê de administração da Bloomberg e uma variedade de outros executivos seniores disputando um lugar na mesa principal. Ao longo dos anos, muitos "bloombergers" descreveram a abordagem de gestão da Bloomberg como "gatos em um saco". Há uma luta constante para ver quem sai, com cicatrizes, mas vivo. Em última análise, há apenas uma pessoa que realmente importa. "Mike é como Deus na empresa", disse certa vez a um entrevistador Dan Doctoroff, que Bloomberg nomeou para administrar a empresa enquanto ele era prefeito.

Alguns dizem que para o bem e para o mal. Uma questão que persegue Bloomberg e seu fundador há décadas são as repetidas afirmações de que sua cultura é hostil às mulheres. Em 1990, a ex-chefe de marketing da empresa, Elisabeth DeMarse, presenteou Bloomberg com um livro com sua "inteligência e sabedoria", incluindo citações como "fazer o cliente pensar que está transando quando ele está sendo fodido", chamar um concorrente de desgraça homofóbica e fazer piadas de sexo explícito, segundo uma reportagem do The Washington Post. Quando Bloomberg entrou na corrida presidencial em 2019, a Business Insider contabilizou quase 40 processos trabalhistas de 65 demandantes que foram apresentados contra a Bloomberg LP e Bloomberg pessoalmente em tribunais estaduais e federais desde 1996, principalmente por discriminação com base em gênero, raça e deficiência. A Bloomberg se recusou a comentar os processos. No passado, um porta-voz da empresa negou que o fundador "disse as coisas que alguém escreveu nesta piada".

Kat Tatochenko, ex-executiva da Bloomberg, observa que ainda há escassez de mulheres no topo –pelo menos quando se trata da principal empresa de dados financeiros. Mas ela enfatiza que nunca viu ou experimentou qualquer tipo de discriminação e argumenta que "Mike é acusado injustamente" de hostilidade às mulheres. "Há um monte de mulheres muito fortes subindo nos cargos de gerência sênior; elas apenas ainda não estão nos níveis mais altos."

A Bloomberg LP agora tem que contemplar um mundo sem seu rei. Seus assessores mais próximos também já passaram da idade em que a maioria das pessoas se aposenta: Grauer tem 77 anos e Secunda, 68.

No ano passado, a empresa ofereceu um vislumbre de como seria esse futuro, com uma reorganização que elevou as duas pessoas que, segundo informações internas, têm maior probabilidade de liderar a companhia quando Bloomberg sair definitivamente. Jean-Paul Zammitt, um taciturno britânico-italiano veterano da Bloomberg que supervisiona o negócio de vendas de terminais há anos, foi nomeado diretor comercial e assumiu algumas das responsabilidades de Grauer voltadas para o cliente. Vlad Kliatchko, engenheiro de computação originário da Rússia, foi nomeado diretor de produtos, responsável por toda a tecnologia, engenharia e operações de dados da companhia.

Bloomberg também promoveu Patti Roskill, então diretora financeira, para ser a nova diretora corporativa da empresa e encarregou-a de coordenar o comitê de administração que dirige a empresa. Roskill é uma ex-contadora da Geller, que trabalhou para a Bloomberg LP desde sua fundação, até que a Bloomberg simplesmente comprou todo o seu negócio terceirizado de 300 executivos financeiros em 2021. Isso faz de Roskill uma das mulheres mais importantes do império Bloomberg, ao lado de Patti Harris, que dirige a Bloomberg Philanthropies. John Micklethwait, o ex-editor da Economist que dirige a Bloomberg News, não é considerado um candidato e não faz parte do conselho de administração.

De acordo com pessoas que conhecem a dinâmica administrativa da empresa, a pessoa que atualmente tem mais chances de seguir os passos de Bloomberg é Zammitt. Kliatchko é frequentemente visto como desempenhando o papel de Secunda. No entanto, vários insiders observam que importantes divisões da Bloomberg LP foram recentemente movidas sob a égide de Kliatchko, posicionando-o como um candidato viável. E alguns acham que Bloomberg poderia facilmente agitar as coisas buscando um CEO fora da empresa. "Existem apenas duas pessoas que realmente dirigem a empresa após a reorganização, JP e Vlad... [Mas] ele não precisa escolher internamente", disse um ex-executivo sênior. "Mike acredita na estabilidade e depois na mudança."

O próprio Bloomberg concordou com isso em seu memorando que anunciou a reorganização no ano passado. "O mundo está mudando, e o segundo derivativo da mudança é positivo. Temos muito do que nos orgulhar, mas a maior ameaça à nossa subsistência é a complacência causada pelo sucesso", escreveu ele. "Sei que a mudança é difícil para todos nós, mas é melhor conduzirmos o processo do que deixar que os concorrentes o façam."

Muitos analistas e pessoas dentro da Bloomberg LP não estão preocupados com as perspectivas de um futuro sem o fundador. Eles apontam a cultura de culto da empresa, a administração experiente e o fato de que Bloomberg esteve ausente por mais de 12 anos durante sua passagem pela política, com poucas interrupções significativas. "Mike poderia morrer amanhã e a empresa funcionaria como um relógio por mais 20 anos", disse um ex-executivo. "As pessoas iriam surtar, mas as grades de proteção foram colocadas." Robert Iati, diretor administrativo da consultoria Burton-Taylor, concorda. "Sempre há um risco quando o fundador sai, mas acho que é menos arriscado na Bloomberg do que em muitas outras empresas", disse. "Não acredito que estou dizendo isso, mas Mike Bloomberg provavelmente não é um risco como 'homem-chave'."

Nem todo mundo tem tanta certeza. Alguns ex-executivos da Bloomberg apontam que o ex-CEO Doctoroff fez muitas mudanças que foram rapidamente abortadas quando Bloomberg voltou da Prefeitura. Por exemplo, em 2009 lançou uma divisão de análise esportiva apenas para vendê-la quando a era Mike 2.0 começou. Quem acabar assumindo as rédeas quando Bloomberg sair de fato provavelmente será um executivo agressivo e confiante com aspirações a fazer mais do que apenas manter o status quo após sobreviver a anos de testes de gestão com "gatos no saco".

Para usar a metáfora de Doctoroff, o que acontecerá com a Bloomberg LP quando seu deus não estiver mais por perto? "No final das contas, toda empresa é um negócio de pessoas, mesmo em tecnologia. Quando as pessoas no topo mudam, as organizações mudam", aponta Kevin McPartland, um dos principais analistas do setor da Coalition Greenwich. "Alguém tem que estar atrás do volante, e na Bloomberg esse sempre foi o próprio Bloomberg. Quando ele não estiver mais por perto, algo certamente mudará, mesmo que seu sucessor não rasgue o manual."

Depois, há o futuro do terminal Bloomberg, a base da estratégia e da cultura corporativa da empresa desde o primeiro dia. Se a Bloomberg LP fosse senciente, o terminal seria seu id. "Só falávamos sobre o terminal", observou um ex-executivo. "O terminal está na frente e no centro. É tudo sobre o terminal. Tudo é construído para o terminal e está no terminal. A certa altura, Mike nem via a necessidade de um site. Tudo faz parte da mística do terminal."

Neste momento, até os rivais parecem resignados. Ninguém mais fala em "assassinos de Bloomberg", a menos que seja sarcasticamente. Muitas empresas ainda competem com a Bloomberg em todas as áreas em que atua, mas a realidade é que poucos rivais estão entusiasmados em desalojar a Bloomberg do alicerce do mundo dos dados financeiros. "Eles têm todo o espaço de trabalho que você poderia imaginar. Eles têm os dados. Eles têm as análises. Eles têm a negociação eletrônica e agora têm os índices", disse o CEO de um concorrente da Bloomberg, suspirando. "As pessoas esperaram que eles perdessem participação de mercado durante toda a minha carreira. Agora estou no final de minha carreira, então vou dizer que isso não vai acontecer."

De forma embrionária, a transição para longe do terminal físico já está em curso, o que se reflete em seu crescimento mais lento na última década. Muitos clientes usam seu próprio hardware e alugam apenas o teclado original do terminal, projetado especialmente para o software Bloomberg. Em 2004, a empresa lançou o "Bloomberg Anywhere", que permite aos clientes fazer logon em qualquer computador que desejarem com um cartão de identidade biométrico chamado "B-Unit". (Custa o mesmo, naturalmente.) Desde o ano passado, eles podem usar um aplicativo de telefone. O uso explodiu desde os bloqueios da Covid-19.

Há também outros cantos do império Bloomberg que estão se tornando mais significativos, complementando as vendas de terminais. Por exemplo, o negócio de mídia passou de apenas fornecer aos clientes do terminal notícias concisas sobre assuntos recônditos para uma oferta de assinatura elegante cuja amplitude compete com publicações que vão do The Wall Street Journal e do FT ao USA Today. No ano passado, seu número total de assinantes de notícias e revistas cresceu cerca de 20%, para 450 mil. O grupo "Indústria" –Bloomberg Law, Bloomberg Tax e Bloomberg Government [direito, impostos e governo]– quase dobrou as receitas na última década, para US$ 450 milhões em 2022, segundo pessoas familiarizadas com o assunto.

Talvez o mais importante, a empresa também está construindo um negócio separado de vendas de dados, que canaliza dados brutos diretamente para clientes que não precisam nem querem uma assinatura de terminal, chamado B-PIPE. Um ex-insider estima que esse negócio agora provavelmente fature cerca de US$ 2 bilhões por ano. Como resultado, os negócios não terminais geram cerca de um terço da receita total de US$ 12 bilhões da Bloomberg, acima dos 20% quando Bloomberg voltou em 2014.

A empresa também está procurando diminuir sua dependência de finanças. Em janeiro, Zammitt montou uma nova divisão dedicada à venda de produtos da Bloomberg para empresas de outras áreas. Há muito tempo ela aluga terminais para diretores financeiros, tesoureiros e funcionários de relações com investidores da América. Agora quer ir muito mais fundo, visando os departamentos de estratégia corporativa e qualquer outra pessoa que precise de dados e análises. "É prudente ser mais deliberado no desenvolvimento de fluxos de receita diferenciados de nosso negócio de serviços financeiros", escreveu Zammitt em outro memorando obtido pelo FT. "Acredito que há muito mais oportunidades e novos serviços que podemos desenvolver para ampliar ainda mais nosso alcance e receita."

Uma separação mais ampla é um anátema para a cultura corporativa da Bloomberg. Mas isso pode se tornar cada vez mais problemático. "As pessoas agora querem comprar dados aos poucos, não querem mais pacotes", diz Iati. Se a mudança para mercados de dados escolhidos continuar crescendo, será difícil para a Bloomberg LP se ajustar.

Um ex-executivo observa que a maioria dos principais assessores da Bloomberg está lá há muito tempo e é muito orientada para o processo. Quando se trata de administrar uma grande organização onde a estabilidade é uma questão de importância financeira global, isso é importante. Mas pode torná-los "um pouco robóticos e desestimular a criatividade", observa o executivo. "A Bloomberg diz que quer que você assuma riscos, [mas] na realidade está bastante hesitante em fazê-lo. Então, como você faz a transição desse gigante para o novo mundo em que estamos entrando, onde as pessoas querem apenas acessar os dados e fazer suas próprias análises? Isso é algo com que é difícil para a Bloomberg se sentir confortável."

Há anos, pessoas dentro e fora da Bloomberg jogaram "fantasia de fusões e aquisições", imaginando possíveis aquisições da Bloomberg, principalmente alvos da mídia como The New York Times, o FT e, mais recentemente, o Washington Post ou o Dow Jones. Às vezes, a especulação chegou a vincular empresas ricas, como a gigante da bolsa ICE, Amazon e Google, à compra da Bloomberg.

Continua sendo um jogo de salão popular, mesmo que a Bloomberg agora seja grande demais para ser digerida por qualquer outra empresa. No entanto, alguns analistas acham que uma mudança no topo pode desencadear uma visão menos sentimental do que a empresa quer continuar fazendo. "Acho que a Bloomberg seria realmente mais valiosa em partes do que como um todo", diz Iati. "Se Mike não estiver mais em cena –mas ninguém puder engolir uma empresa de US$ 80 bilhões–, você poderá ver seu sucessor retirar algumas partes dela ou que as Big Tech tentem comprar partes do núcleo."

Embora Bloomberg possa lançar uma bola curva no final de sua carreira, a maioria dos observadores diz que é provável que ele transfira sua propriedade da empresa para algo como um "Fundo de Propósito Perpétuo". Este seria supervisionado por amigos e familiares, como suas filhas Emma e Georgina, e seus lucros iriam para a Bloomberg Philanthropies. Foi o que o fundador da Patagonia, Chouinard, fez no ano passado, embora em escala muito menor. A Patagonia estima que doará US$ 100 milhões anualmente ao seu fundo; em 2021, a Bloomberg Philanthropies distribuiu US$ 1,66 bilhão.

Bloomberg gosta de apontar que sua mãe viveu até os 102 anos –um recorde que ele espera bater. Se assim for, os bloombergers ainda poderão ter que enfrentar mais duas décadas de crachás, sem escritórios e com peixes os observando no trabalho, e os executivos que imaginam dividir a gigante ficarão ainda mais frustrados. O multibilionário adora se divertir com quantos concorrentes superou ao longo dos anos, desde Telerate e Quotron nos primeiros dias até rivais mais recentes, incluindo a Thomson Reuters. Mas ele também observou que "fomos contra gigantes, e gigantes geralmente são fáceis de vencer". Hoje, sua empresa é o maior gigante de todos.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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