Desancorada, inflação deve voltar a subir no segundo semestre

Recuo até meados do ano pode aumentar pressão sobre BC por corte de juro

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São Paulo

Os próximos dois meses trarão boas notícias para o comportamento da inflação, o que deve aumentar as pressões do governo Lula para que o Banco Central antecipe o corte da taxa básica, a Selic, hoje em 13,75% ao ano.

O alívio, no entanto, será temporário e ocorre em um ambiente em que as expectativas do mercado sobre a capacidade de o BC colocar a inflação na meta estão desancoradas 24 a 36 meses à frente —como ocorreu em parte do governo Dilma Rousseff entre 2011 e 2016.

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, debatem inflação e juros em sessão no Senado - Ton Molina/Fotoarena/Folhapress - 27.abr.2023

Embora a inflação oficial (IPCA) acumulada em 12 meses tenha recuado para 4,65% em março —e, na prévia para abril (IPCA-15), para 4,16%—, os chamados núcleos calculados pelo BC estão rodando bem acima disso.

Um dos núcleos favoritos do BC, que elimina 40% dos itens pesquisados com variações extremas (20% em cada ponta da distribuição) e suaviza movimentos abruptos, fechou março em 7,51%, quase 3 pontos acima do IPCA. Chamado IPCA-MS, este é o núcleo que mais se aproxima, ao longo do tempo, dos resultados da inflação oficial.

Na pesquisa Focus do BC, o mercado estima que a inflação de 2023 será de 6,04%, acima da meta central de 3,25% e do teto deste alvo (4,75%). Se confirmado, será o terceiro ano seguido em que o Brasil estoura a meta de inflação.

Se a alimentação no domicílio foi o principal fator inflacionário nos dois últimos anos, até começar a desacelerar em 2023, o segundo semestre será marcado por pressão maior dos preços administrados (como tarifas e combustíveis) e pela resistência ao juro alto no setor de serviços.

Na composição geral do IPCA, os alimentos têm peso de 13%. Serviços e preços administrados pesam 37% e 25%, respectivamente. Desaceleração menor ou alta nesses dos grupos, portanto, tendem a tornar a queda da inflação mais lenta.

No caso dos serviços, que representam dois terços do PIB e que mais pesam no IPCA, a indexação de muitos contratos pela inflação passada (mais alta) seguirá alimentando o índice futuro.

"Durante a pandemia, a indexação em contratos como aluguéis e mensalidades escolares deu uma folga. Agora, ela voltou com tudo. Isso joga a inflação passada para o presente, retardando a queda de preços nos serviços", diz Guilherme Moreira, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, da USP.

André Braz, coordenador do IPC do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV, afirma que, além da indexação e da resistência dos serviços ao juro alto, alguns preços administrados devem subir nos próximos meses.

Caso dos combustíveis, sobre os quais incidirá nos estados, em julho, a cobrança de ICMS sobre gasolina e etanol. Estimativas indicam alta de quase 12% no preço da gasolina, com impacto de 0,5 ponto a mais no IPCA de 2023.

Vários estados também estão aumentando a alíquota do ICMS na energia para compensar perdas de arrecadação durante a mudança na tributação em 2022.

"O corte de impostos na corrida eleitoral em 2022 criou uma tremenda ilusão, mascarando a inflação. A conta vem neste ano", afirma Braz.

Além das pressões em alguns grupos de bens e serviços, especialistas apontam outros fatores, conjunturais e estruturais, que podem estar por trás da resiliência da inflação, apesar da carga de juros para esfriar a economia.

Para o ex-presidente do BC Affonso Celso Pastore, há uma inflação de demanda no país, "sem dúvida", provocada pelos fortes estímulos criados por Jair Bolsonaro (PL) no ciclo eleitoral e ainda, em parte, presentes.

Em fevereiro, por exemplo, o Índice de Atividade Econômica do BC registrou crescimento de 3,32% em relação ao mês anterior. Foi a maior taxa desde junho de 2020 (+4,86%). Nos serviços, taxa medida pela FGV subiu em abril ao maior patamar em cinco meses.

"Para trazer a inflação para a meta, a política monetária [efeito dos juros] teria de ser bem mais restritiva. Mas, quando o governo critica o Banco Central, acaba ajudando a desancorar as expectativas", diz Pastore.

"Se não fosse isso, a postura firme do [Roberto] Campos Neto [presidente do BC] estaria ajudando a trazer a inflação para baixo. Mas, com todos sabendo a opinião do governo sobre os juros, e o Campos Neto saindo do BC no fim de 2024 [quando termina seu mandato], para onde vão as expectativas de inflação no ano que vem?"

Segundo estudo de uma equipe de economistas, essas expectativas já estão desancoradas. Ou seja, o mercado não acredita que a inflação cairá para o centro da meta nos 24 a 36 meses à frente.

No trabalho "Determinação de preços individuais quando as expectativas estão desancoradas", os autores argumentam, a partir de pesquisas com o IPA (Índice de Preços do Atacado, que envolve cerca de 2.000 empresas), que os empresários tendem a repassar variações cambiais aos seus preços com muito mais vigor, por exemplo, quando não acreditam mais que a inflação atingirá a meta.

"A inflação está desancorada desde meados de 2021. Quando isso ocorre, há uma dispersão maior de expectativas, com muito mais gente apostando numa inflação acima do topo da meta, o que torna mais difícil o seu controle nos meses à frente", diz Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro Ibre-FGV e uma das autoras do estudo.

Outro problema apontado pelos especialistas refere-se ao chamado juro neutro, um nível de taxa que não pressiona e não desacelera a inflação. Em 2021, quando começou a subir os juros, o BC calculava a taxa neutra em 3% ao ano; hoje, estima em 4%.

Há quem a calcule em 5%, sobretudo por conta da alta dos juros internacionais e do aumento de estímulos fiscais em muitos países na pandemia; no Brasil inclusive, reforçados na eleição.

Assim, descontando a expectativa de inflação e a taxa neutra maior, o juro real (acima da variação dos preços) estaria hoje menor do que muitos estimam. Isso reduz a potência da Selic, em 13,75% ao ano, no combate inflacionário.

"Quando a inflação fica elevada por muito tempo, ela demora a cair, e precisa de uma restrição monetária [juros altos] mais intensa e persistente", diz Livio Ribeiro, sócio da consultoria BRGC e pesquisador do Ibre-FGV.

Ribeiro lembra ainda que boa parte dos números relativamente positivos para a inflação gerados pelos cortes de impostos em 2022 começarão a sair em breve do cálculo da variação de preços em 12 meses.

"Isso morre em julho. Daí em diante, teremos números piores nos resultados em 12 meses", afirma.

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