Esqueleto de Bolsonaro faz precatórios chegarem a R$ 141 bi e governo avalia solução

Tesouro cogita quitar valores pendentes com parte de excedente de superávit; dívida não contabilizada pode chegar a R$ 460 bilhões em 2026

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Brasília

A equipe econômica espera zerar o déficit nas contas públicas em 2024 com o novo arcabouço fiscal, mas ainda corre o risco de assistir ao crescimento explosivo do que vem sendo chamado no governo de esqueleto dos precatórios deixado por Jair Bolsonaro (PL) —uma dívida superior a R$ 100 bilhões que, se não for paga, chegará a R$ 460 bilhões em três anos.

Para resolver o problema, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, avalia usar parte de eventuais superávits primários obtidos sob o novo arcabouço fiscal para quitar os precatórios pendentes. Bancos ouvidos pela Folha não preveem sucesso da equipe econômica nessa empreitada diante da incerteza no aumento de receitas, pilar necessário para se alcançar um resultado azul nas contas públicas no modelo proposto pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda).

Secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, em seu gabinete no Ministério da Economia - 04.jan.2023-Gabriela Biló /Folhapress

Precatórios são dívidas a serem pagas pelo Estado após determinação judicial sobre a qual não cabe mais recurso. Dados do Tesouro atualizados nos últimos dias mostram que o estoque do valor a ser pago pela União nesses casos subiu de R$ 100,3 bilhões ao fim de 2021 para R$ 141,7 bilhões ao fim do ano passado —um crescimento nominal de 41%.

O avanço é apontado por técnicos do Tesouro como um reflexo direto da operação articulada pelo governo Bolsonaro em 2021, com aval do Congresso, de fazer duas emendas à Constituição para alterar o mecanismo de pagamento dos precatórios e gerar espaço para mais gastos no ano seguinte (de eleições).

O resultado foi a criação de um teto de pagamentos para os precatórios, sendo que todo o valor que passou a superar tal limite começou a ser postergado para os anos seguintes. Desde aquela época, especialistas alertam para o chamado efeito "bola de neve" da mudança —pois, além de o valor já devido não ser pago, novos montantes continuam sendo adicionados a cada exercício.

Pelas contas do Tesouro, o valor deve aumentar ainda mais nos próximos anos porque não vem sendo executado o mecanismo de redução da bola de neve previsto na época da elaboração das emendas.

O governo Bolsonaro defendia que isso seria possível com instrumentos como um encontro de contas dos precatórios e valores a serem pagos por devedores da União, além de abatimentos do montante com pagamentos devidos por concessionárias de infraestrutura, mas isso não está ocorrendo conforme prometido —até porque a falta de regulação trava o processo.

Mantendo o ritmo atual de pagamentos —inferior a 20% do total previsto para o ano— o montante pode chegar a R$ 460 bilhões, segundo projeções do mercado.

Esse número considera os valores pendentes de 2022 e 2023 com as devidas correções e o total de títulos a serem pagos até 2026, prazo previsto pela PEC para o pagamento dos títulos. Em 2026, se nada for feito, a conta chegará de uma vez no Orçamento —o que complica os cenários para as contas públicas nos próximos anos considerando o novo arcabouço fiscal.

A nova regra de controle de gastos foi apresentada pela equipe econômica em março e prevê que o crescimento real das despesas federais seja limitado a 70% do avanço da receita primária líquida observado nos 12 meses até junho do ano anterior.

O arcabouço estipula uma meta de resultado primário anual, mas com um intervalo de tolerância para cima e para baixo —a exemplo do sistema de metas para inflação. O resultado primário (ou seja, sem a conta com juros) é obtido a partir das receitas menos as despesas.

No desenho proposto, se o resultado das contas for melhor do que o cenário mais favorável, o governo teria um bônus para aplicar em investimentos públicos. Ceron já afirmou que o governo vai limitar o tamanho do bônus para investimentos extras.

Mercado bilionário

Essa situação preocupa bancos e fundos de investimento que hoje fazem negócios comprando e vendendo precatórios para serem usados no abatimento de dívidas com a União, na compra de imóveis públicos ou no pagamento de outorgas de concessões.

A existência desse passivo escondido foi um dos motivos que levou a AGU (Advocacia-Geral da União) a suspender o uso de precatórios no pagamento de outorgas de concessões –outra modalidade advinda com a PEC.

Os procuradores estudam regras para que esses títulos possam ser utilizados, como prevê a lei, mas sem que causem danos ao erário.

No Ministério da Fazenda, o entendimento é o de que, para abatimento de dívidas, não há restrições. Isso porque haveria uma operação meramente contábil: a dívida do contribuinte seria abatida pela dívida da União.

Na outra ponta, entretanto, deixar de receber outorgas poderia comprometer o cenário fiscal que exige aumento de receitas —sustentáculo da nova âncora fiscal.

Para quem negocia precatórios no mercado, a emenda constitucional impôs à União o recebimento desses papéis de forma autoaplicável (independente de regulamentação).

Porém existe a avaliação de que a PEC não vinculou a União a aceitar —obrigatoriamente— os precatórios para pagamentos de outorgas ou compra de imóveis públicos.

Além disso, o impacto fiscal dos títulos já pendentes mobiliza os envolvidos nas discussões a encontrarem um plano B.

Técnicos ouvidos sob condição de anonimato informam que o governo não vai descumprir a lei e voltará a aceitar precatórios em concessões, por exemplo, mas, com isso, não irá boicotar o novo arcabouço fiscal.

Eles veem o esqueleto dos precatórios herdados do ex-ministro da Economia Paulo Guedes, contudo, como um risco potencial para a União, no momento em que o governo está definindo a nova regra fiscal.

A AGU informa que a portaria com as novas regras para uso de precatórios deve ser publicada em até seis meses.

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