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Fernando Facury Scaff e Luiz Felipe Dias de Souza

O novo arcabouço fiscal e a bola de neve dos precatórios

Será que as autoridades do atual governo estão atentas para os riscos em 2026?

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Fernando Facury Scaff

Professor titular da Faculdade de Direito da USP e advogado sócio de Silveira, Athias, Soriano de Melo, Bentes, Lobato & Scaff Advogados

Luiz Felipe Dias de Souza

Advogado, é mestre pela Universidade Harvard, CIO e sócio fundador da JusCapital

As emendas constitucionais 113/21 e 114/21 fizeram uma revolução nos precatórios da União, criando um mecanismo financeiro que foi denominado "bola de neve", pois limitou seu pagamento até determinado montante, gerando acúmulo sucessivo a ser liquidado em 2026. Isso foi no penúltimo ano do governo Bolsonaro, uma manobra para gerar espaço fiscal em ano eleitoral.

"Bola de neve" significa que ao montante não pago em um ano somam-se, no ano seguinte, novos precatórios não pagos, e assim sucessivamente até 2026 —quando estará gigantesca e destruirá tudo que estiver pela frente. Afinal, o espaço que o governo passado criou tinha que estourar em algum momento, no caso, no próximo ano eleitoral. Só que o efeito será o inverso, uma bomba eleitoral, pois esse mecanismo vencerá em 2026.

A manobra passou no Congresso com a promessa de criação de outro mecanismo para "dissolver" os saldos acumulados dessa "bola de neve", que é o parágrafo 11 do art. 100 da Constituição, pelo qual o credor dos precatórios pode oferecê-los em pagamento de débitos tributários e na outorga de serviços públicos, dentre outras possibilidades. Tudo isso com expressa "autoaplicabilidade para a União".

Ocorre que o parágrafo 11 não funcionou, pois o montante acumulado ficou muito alto e, segundo dados oficiais, nada foi "derretido" dessa "bola de neve" em 2022, o que já causava preocupação. Até a Secretaria do Tesouro Nacional (STN) declarou, ainda em 2022, que "a percepção do Tesouro é que restringir o volume anual de pagamento de dívidas judiciais gera acúmulo de passivos pelo adiamento das obrigações do governo. Por isso, o órgão entendeu ser melhor assegurar a quitação integral dos precatórios, fora do teto de gastos", conforme noticiou esta Folha.

O pagamento dos precatórios fora do teto de gastos já vinha sendo defendido por nomes de peso como Maílson da Nóbrega, Luiz Gonzaga Belluzzo, Carlos Kawall, Eduardo Guardia, Pedro Parente, Amaury Bier, Henrique Meirelles, Alexandre Schwartzman, Mansueto Almeida, Paulo Rabello de Castro, Everardo Maciel, José Roberto Afonso e Daniel Goldberg. De nada adiantou, pois foi mantida a regra do calote e do acúmulo da dívida.

O tiro de misericórdia no parágrafo 11, o mecanismo que derreteria a "bola de neve", foi dado pelo Ministério dos Portos e Aeroportos, que declarou não aceitar precatórios no pagamento da outorga de aeroportos, violando a Constituição Federal, o decreto presidencial e a portaria da AGU (Advocacia-Geral da União) que permitiam tal procedimento. Ato contínuo, a própria AGU revogou a referida portaria, sob o argumento de que não teria densidade normativa suficiente.

É claro que a "bola de neve" não será dissolvida e, se nada feito, explodirá em 2026, às vésperas da sucessão do atual presidente. Será que as autoridades do atual governo estão atentas para esse aspecto?

O que fazer? Deveria ter-se desarmado a bomba relógio por ocasião da PEC da Transição, delegando à lei complementar a possibilidade de revogar a regra que gera a "bola de neve". Não foi feito.

Recentemente, o atual secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, reconheceu que a nova regra fiscal também não alterou esse quadro, mas ponderou que o governo tem "total consciência" do problema e que está em discussão uma forma de resolvê-lo.

Apenas através de nova emenda constitucional isso pode ocorrer, mas não está claro se esse caminho será trilhado pelo Executivo.

A alternativa concreta que continua na mesa é o STF julgar inconstitucional as ECs 113 e 114, no bojo da ADIs 7047 e 7064, sob relatoria do ministro Luiz Fux, conferindo interpretação conforme à Constituição, a fim de que o pagamento dos precatórios ocorra fora do teto de gastos, respeitando a conjuntura fiscal e a ordem constitucional, que não permite ao Executivo escolher se e quando obedecerá ao Judiciário.

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