Haddad diz que nenhum país criminaliza descumprimento de meta fiscal

Ministro chama teto de gastos de 'faz de conta' e questiona regra dura que não é respeitada

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Brasília

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou nesta segunda-feira (24) que nenhum país criminaliza as autoridades por descumprimento da meta fiscal, em defesa de dispositivo proposto no novo arcabouço fiscal para substituir o teto de gastos.

O titular da pasta econômica também ponderou que o contingenciamento de recursos –mecanismo usado atualmente com objetivo de assegurar o equilíbrio orçamentário– se mostrou ineficaz para a gestão das contas públicas.

"Não conheço nenhum país que criminalize. Mas [tem] de ter uma regra robusta, somos os primeiros que estamos propondo uma regra clara. De que adianta você fazer uma regra dura, tipo o teto de gastos, e depois ficar aprovando emenda constitucional furando o teto? É um faz de conta. É melhor ter uma regra correta, uma regra sustentável, uma regra cobrável pela sociedade", afirmou.

O ministro Fernando Haddad (Fazenda) fala com a imprensa após entregar texto do arcabouço fiscal ao Congresso Nacional - Gabriela Biló/Folhapress

Haddad, contudo, afirmou que o Congresso Nacional tem sua autonomia e que manter a punição não faria grande diferença.

Segundo a proposta entregue pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao Congresso Nacional na última terça-feira (18), o descumprimento da meta de resultado das contas públicas não vai configurar infração da lei.

O texto prevê apenas que o presidente da República forneça explicações ao Congresso caso o objetivo não seja cumprido, detalhando também quais medidas serão adotadas para correção do desvio.

A lógica é semelhante ao dispositivo do atual regime de metas de inflação, no qual o Banco Central não é responsabilizado caso não atinja o alvo determinado pelo CMN (Conselho Monetário Nacional), mas o presidente da autoridade monetária precisa redigir uma carta endereçada ao ministro da Fazenda se justificando pelo ocorrido.

O ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) garantiu nesta segunda que o cronograma da agenda econômica no Congresso não será prejudicado caso seja instalada a CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) dos atos golpistas de 8 de janeiro.

"Temos um calendário de votações prioritárias no Congresso Nacional, e esse calendário, sobretudo os temas econômicos, [é] absoluta prioridade do governo, está mantido e será preservado independente de instalação ou não de CPI", afirmou.

Segundo Padilha, o deputado Cláudio Cajado (PP-BA) manterá o compromisso de apresentar o relatório do arcabouço até 10 de maio. Nesta segunda, foi designado o deputado Danilo Forte (União-CE) como relator do projeto de LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2024.

No novo arcabouço fiscal, o governo também decidiu flexibilizar a necessidade de bloquear recursos durante o ano para cumprir a meta de superávit fiscal, de forma que a limitação de recursos passe a ser opcional.

Hoje, a legislação determina que o governo precisa elaborar relatórios bimestrais de avaliação de receitas e despesas prevendo se os números estão compatíveis com o objetivo a ser perseguido no ano. Caso os dados mostrem uma potencial frustração, os valores devem ser contingenciados.

Para Haddad, o bloqueio bimestral de recursos não é o modelo mais adequado para a gestão orçamentária. No texto do marco fiscal, o governo propõe a mudança da periodicidade de verificação dos números, com o relatório de avaliação de receitas e despesas passando a ser trimestral (ao fim dos meses de março, junho e setembro).

"Bloqueio preventivo a cada dois meses funciona mal, melhor ter um fluxo contínuo que você vai monitorando as despesas do que ter um garrote que é outro faz de conta, você acaba prejudicando a boa gestão dos recursos públicos ao invés de fazer uma gestão macroeconômica consistente. O que é contínuo é melhor para fins de gerenciamento de orçamento", afirmou.

Como mostrou a Folha, a visão de integrantes do governo é que a necessidade de bloqueio de recursos vai estar presente de qualquer forma porque, caso o resultado fique desequilibrado, a penalidade virá em forma de menor expansão de despesas no ano seguinte.

Além disso, a previsão de dados desequilibrados poderia causar um dano à reputação do governo –o que forçaria o Executivo a tomar as medidas de ajuste necessárias.

O ministro também voltou a defender nesta segunda que a "caixa-preta das renúncias fiscais" precisa acabar e mais uma vez prometeu agir para coibir práticas abusivas em benefícios tributários.

"Por que quando você abre mão de R$ 10 bilhões de arrecadação ninguém fica sabendo? Fica tudo escondido na caixa-preta das renúncias fiscais. Isso precisa acabar", afirmou.

De acordo com Haddad, são mais de R$ 100 bilhões perdidos em "ralos que se abriram para drenar o recurso público". "Dá quase R$ 600 bilhões que a União perde em nome de meia dúzia que fazem lobby no Congresso e no Judiciário, ilegítimos."

Para o ministro da Fazenda, o julgamento no STJ (Superior Tribunal de Justiça) envolvendo a discussão sobre a exclusão ou não de benefícios fiscais ligados ao ICMS da base de cálculo do IRPJ (Imposto de Renda de Pessoa Jurídica) e da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) será um "teste importante".

Segundo ele, a expectativa é que o tema seja levado ao STF (Supremo Tribunal Federal). Nesta segunda, o titular da pasta econômica se reuniu com o ministro do STJ, Benedito Gonçalves, para tratar do caso.

"Qual país do mundo que subvenciona custeio? Não conheço nenhum exemplo de subvenção a custeio", disse.

Haddad reiterou que esse "jabuti" tributário criou um "ralo" de quase R$ 90 bilhões, "prejudicando pequenos municípios pelo FPM [Fundo de Participação dos Municípios], prejudicando os estados mais pobres pelo FPE [Fundo de Participação dos Estados], prejudicando os mais pobres com restrição orçamentária. São anomalias que precisam ser corrigidas."

O ministro afirmou ainda estar mais preocupado com o impacto fiscal da decisão em 2024. "A partir do ano que vem voltamos a ter um regime fiscal mais rígido do que esse ‘carnaval’ que foi feito desde o ano passado. Mas isso tem impacto muito grande nas finanças públicas, que estão sendo corroídas por uma série de dispositivos anômalos, completamente ilegítimos, que estão corroendo a base fiscal do estado."

Haddad também falou sobre o regime de juros sobre capital próprio –uma forma de remuneração aos investidores de empresas de capital aberto– e o uso abusivo do mecanismo por parte de algumas empresas para diminuírem os lucros obtidos artificialmente e pagarem menos Imposto de Renda. Nesse contexto, a equipe econômica avalia colocar fim ao instrumento.

"[Existem] empresas muito rentáveis que não declaram lucro, não pagam Imposto de Renda Pessoa Jurídica. Transformaram lucro artificialmente em juro sobre capital próprio, não pagam [imposto] nem como pessoa jurídica, nem como pessoa física", disse.

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