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Livro retrata ascensão e queda de família ligada à epidemia de opioides nos EUA

Purdue Pharma é objeto de processos movidos por governos estaduais e municipais e se declarou culpada de várias acusações

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São Paulo


Estratégias agressivas de marketing farmacêutico, prescrição excessiva pelos médicos, falhas de regulação por parte das agências governamentais e pressões sociais para o uso generalizado de analgésicos alimentaram a epidemia de opioides que já matou mais de 500 mil pessoas nos Estados Unidos.

No livro "Império da Dor", o jornalista Patrick Radden Keefe escarafuncha as raízes dessa grave crise de saúde pública ao investigar a ascensão e a queda da poderosa família Sackler, proprietária da Purdue Pharma, fabricante do analgésico com ação semelhante à da morfina, o OxyContin, apontado como um dos responsáveis pela epidemia.

Um farmacêutico segura o analgésico prescrito OxyContin, comprimidos de 40 mg, fabricados pela Purdue Pharma L.D. em uma farmácia local, em Provo, Utah, EUA - George Frey/REUTERS

Embora vários livros e artigos já tenham sido escritos sobre o tema, a força da obra de Keefe está na revelação de vários documentos, como e-mails e memorandos internos da empresa, que eram mantidos sob sigilo e só recentemente se tornaram públicos. Ele entrevistou mais de 200 pessoas durante cinco anos de investigação.

A primeira parte do livro se dedica a Arthur Sackler, o primogênito de três irmãos nascidos no início dos anos 1900 de pais imigrantes judeus. Psiquiatra, ele fez a primeira fortuna da família com o marketing dos sedativos Librium e Valium para os médicos, omitindo o risco de dependência dos medicamentos. Lançado em 1960, o Valium se tornaria uma substância controlada só em 1973.

Arthur, que era proprietário de um terço da farmacêutica até sua morte, em 1987, teve pouca ou nenhuma conexão com a moderna Purdue Pharma, mas Keefe justifica o espaço dado a ele (um terço da obra) com o argumento de que o médico foi o "inventor" do manual de promoção usado no marketing do OxyContin.

Entre as táticas usadas estavam pagamentos a médicos e profissionais da saúde para promover o medicamento, relações conflituosas com órgãos públicos reguladores e menosprezo do risco de dependência da droga.

Benemérito de museus e institutos americanos de prestígio, Artur pode ter ultrapassado bem os limites entre a medicina e o comércio, mas seus pecados parecem menores em comparação aos do seu sobrinho Richard Sackler, presidente da Purdue Pharma entre 1999 e 2003, e que continuou por anos a exercer forte influência nos negócios.

Foi Richard, por exemplo, quem pressionou para o desenvolvimento do OxyContin na década de 1990 e quem liderou a iniciativa de comercializá-lo para dores de rotina quando o FDA (órgão regulador americano) o aprovou em 1995. Em um evento da empresa, ele chegou a conclamar os representantes de vendas da Purdue a desencadear uma "nevasca de prescrições".

Naquela época, já era sabido que analgésicos mais eficazes tendiam a causar dependência. Mas o discurso adotado pelos vendedores era o de que o OxyContin, uma pílula de casca dura, liberava sua medicação de forma lenta e constante, evitando assim os altos e baixos do alívio da dor que podem levar ao vício.

Muitos usuários, porém, descobriram rapidamente como extrair a substância opioide, esmagando a casca da pílula. Em seguida, eles a ingeriam ou cheiravam-na, ficando chapados rapidamente.

Um dos episódios mais reveladores do livro ocorreu em 1999, quando as primeiras histórias de dependência de OxyContin estavam se espalhando. Keefe relata que um executivo da Purdue pediu a um assistente jurídico que entrasse em salas de bate-papo online sob um pseudônimo e descobrisse como as pessoas podiam estar abusando da droga.

Ela soube, então, das histórias de esmagamento da pílula e das fungadas. Colocou tudo em um memorando que a Purdue, mais tarde, negou ter. Mas uma investigação do Departamento de Justiça americano acabou confirmando a existência do documento.

Na época, a empresa seguiu com a propaganda enganosa. Afirmava que menos de 1% dos pacientes se tornavam viciados. O OxyContin gerou uma receita de cerca de US$ 35 bilhões e colocou a Purdue Pharma entre as empresas farmacêuticas mais lucrativas do mundo.

Keefe mostra que a família Sackler e a Purdue Pharma estavam cientes do potencial de escrutínio regulatório e das ações legais. Mas, em vez de ajustar condutas corporativas, adotou uma série de táticas, como lobby para enfraquecer normas, acordos judiciais fora dos tribunais e até mesmo atividades ilegais como suborno e fraude.

Isso permitiu que a Purdue Pharma continuasse vendendo OxyContin por anos, apesar das crescentes evidências de seus efeitos nocivos. A empresa criou teorias de "pseudodependência" (para a qual a cura seria mais opioides) e alegava que os médicos que apontavam o risco da substância sofriam de "opiofobia".

Reguladores também endossaram as alegações da farmacêutica sobre a segurança da droga. Por trás disso, havia o empenho de advogados e de lobistas bancados pela empresa. Ações judiciais foram arquivadas.

Quando o OxyContin foi reformulado em 2010, para dificultar o abuso, muitos americanos que já estavam viciados recorreram a outras alternativas, como a heroína e o fentanil, opioide sintético cerca de cem vezes mais potente do que a morfina.

A Purdue é agora objeto de muitos processos movidos por governos estaduais e municipais. A empresa acabou se declarando culpada de várias acusações federais em novembro de 2020, mas nenhum Sackler ou executivo foi obrigado a reconhecer a culpa. "É como se a corporação tivesse agido de forma autônoma, como um carro sem motorista", observa Keefe em um trecho do livro.

Hoje, o nome Sackler caiu em desgraça. Museus e universidades que, no passado, recebiam vultosas doações da família, agora recusam o dinheiro. A Purdue está falida. Há esforços legais para recuperar parte da fortuna tirada da empresa pelos proprietários, mas, na opinião de Keefe, parece improvável que sejam bem-sucedidos.

A dependência é um fenômeno complexo, multifatorial. O OxyContin, que ainda é prescrito e considerado eficaz quando indicado corretamente, não foi o único medicamento a se tornar o responsável pela epidemia. Mas, de acordo com as inúmeras investigações e depoimentos trazidos na obra, ocupou um papel único na praga que ainda está em curso.

"IMPÉRIO DA DOR"

Preço: R$ 99,90

Autor: Patrick Radden Keefe

Editora: Intrínseca

Páginas: 544

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