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Na busca do K-pop por crescimento global, fãs coreanos se sentem abandonados

Guerra de lances por gravadora de K-pop leva ouvintes no mercado doméstico a duvidar de sua importância

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John Yoon
The New York Times

Em uma boate em Seul, na Coreia do Sul, a multidão aplaudiu quando Harim Choi tocou alguns dos últimos sucessos da música pop coreana, ou "K-pop". Mas as canções de décadas, como as do 2NE1 e das Wonder Girls, pareciam ter uma ressonância especial para os frequentadores.

"As músicas mais antigas nos levam de volta a uma época em que podíamos simplesmente curtir a música, quando não precisávamos nos preocupar com os negócios por trás de tudo", disse Choi, um DJ de 26 anos.

Nos últimos meses, uma disputa incomumente pública e amarga envolvendo grandes empresas do K-pop cativou os fãs obstinados, ouvintes casuais, artistas e figuras da indústria. No centro dela estava a SM Entertainment, um dos pilares do K-pop cujo time de artistas inclui a Girls' Generation. Em volta dela estavam duas candidatas: a Hybe, empresa por trás do BTS, e Kakao, gigante da tecnologia sul-coreana.

Evento realizado pela Kakao Entertainment, uma das gigantes da indústria do K-pop, para promover uma competição de canto televisionada em Seul - Jun Michael Park - 27.dez.2022/NYT

Ambas viam a aquisição da SM Entertainment como uma oportunidade de expandir seu alcance no exterior.

Após anos de crescimento doméstico, o futuro do K-pop agora está fora da Coreia do Sul. Embora o gênero tenha fãs em quase todos os cantos do mundo, as vendas das maiores gravadoras do pop coreano representam uma pequena fatia do mercado global de música.

Esse esforço para aumentar o apelo global do K-pop excitou alguns fãs coreanos, mas fez com que outros se sentissem alienados, levantando uma questão incômoda: o K-pop ainda precisa dos fãs no país?

"Há uma sensação de que a indústria está visando o Ocidente e deixando os fãs coreanos para trás", disse Kim Yoon Ho, 36, que mora em Seul.

Muitos dos maiores sucessos do K-pop de hoje foram criados para o público americano. Esta semana, "Like Crazy", um single de Jimin, membro do BTS, liderou a parada Billboard Hot 100, mas ficou em posição inferior na Coreia do Sul.

Em um comunicado, a Hybe disse que suas ambições sempre foram globais e que a empresa "continuará comprometida com trazer conteúdo para fãs de todo o mundo, independentemente de cultura, religião, gênero ou geografia". A SM Entertainment disse que presta "atenção" nos fãs de todos os lugares.

Um dos primeiros sinais de comoção surgiu em fevereiro, quando a SM demitiu seu fundador, o produtor Lee Soo-man, considerado o padrinho do K-pop, por acusações de irregularidades financeiras. Lee, 70, negou desvios e vendeu parte de sua participação na empresa para a Hybe, que se tornou a maior acionista da SM Entertainment.

"Houve grandes e pequenas disputas administrativas nos 30 anos do K-pop", disse Lee Dong Yeun, professor da Universidade Nacional de Artes da Coreia. "Mas nenhuma tão grande quanto esta."

Sentindo uma oportunidade de expandir seu plantel alguns meses depois que o BTS anunciou um intervalo, a Hybe se moveu para aumentar sua participação na SM Entertainment, que tem uma grande base de fãs no Japão e no Sudeste Asiático. Mas a SM considerou a oferta hostil e, em vez disso, propôs um acordo com a Kakao, cujos aplicativos de mensagens e pagamento se tornaram uma infraestrutura crucial na Coreia do Sul, mas tiveram pouco sucesso no exterior.

Um acordo ajudaria a Kakao a se firmar no negócio do K-pop e ofereceria uma chance de expansão no exterior, disse Lee. A Kakao está tentando aproveitar a onda da cultura sul-coreana para reforçar seus negócios internacionais com webtoons, jogos e música.

Após levantar quase US$ 1 bilhão de fundos soberanos na Arábia Saudita e em Cingapura, a Kakao ofereceu US$ 962 milhões por uma participação de 35% na SM Entertainment.

A Hybe acusou a SM de "comportamento ilógico" e pediu uma liminar para bloquear um acordo com a Kakao. A SM deu aos funcionários um aumento de 15% para colocá-los na linha de apoio à fusão com a Kakao. Os dissidentes foram expulsos.

No final, os bolsos fundos da Kakao venceram. Na semana passada, anunciou a compra de uma participação de 40% na SM Entertainment, cujas ações dobraram de valor durante a batalha de aquisição. Em um comunicado, a Kakao disse que a SM Entertainment tomará as decisões sobre os artistas.

Para os fãs, a manobra foi uma demonstração de como os motivos financeiros das empresas superaram os interesses dos artistas e apoiadores, com os interesses globais tendo prioridade sobre as vendas de discos e shows locais.

"A luta criou uma situação em que você não pode simplesmente ouvir K-pop confortavelmente", disse o DJ Choi. "É como se os artistas fossem peças de xadrez para eles."

Lee Sangmi, 36, uma antiga fã dos grupos da SM Entertainment, disse que temia que seus grupos favoritos pudessem "ter menos liberdade" após uma fusão. Kwon Yeyoung, 17, estudante do ensino médio que administra um canal de fãs no YouTube, disse estar esperando para ver como as capas dos álbuns, a moda dos artistas, o clima dos shows e o design das mercadorias mudariam. Outros temem que mais canções de K-pop sejam escritas inteiramente em inglês.

Antes que o K-pop se tornasse um rolo compressor cultural multibilionário, as gravadoras eram financiadas por produtores individuais. Lee, um ex-cantor folk, fundou a SM Entertainment na década de 1990 com o equivalente a US$ 38 mil. Outras locomotivas da indústria, como YG e JYP, tiveram origens igualmente humildes.

Nas décadas seguintes, as empresas cortejaram investidores e venderam ações ao público. Por fim, Kakao e Naver, outra grande empresa de tecnologia sul-coreana, também começaram a apoiar empreendimentos de música e vídeo, em parte para alcançar clientes no exterior.

Entre as gravadoras de K-pop, a Hybe tem sido uma das mais bem-sucedidas no exterior. Em 2021, comprou a Ithaca Holdings, que administra Justin Bieber e Ariana Grande, por cerca de US$ 1 bilhão. Em fevereiro, adquiriu o selo de rap Quality Control Music, de Atlanta. Esses acordos ajudaram a Hybe a mais do que dobrar suas vendas, três quartos das quais agora vêm de fora da Coreia do Sul.

Cerca de 90% dos ouvintes de K-pop vivem fora da Coreia do Sul, de acordo com o K-Pop Radar, um rastreador da indústria. E enquanto o setor luta por mais fãs no exterior alguns fãs dizem que as gravadoras não estão mais focando no que tornou o K-pop tão bem-sucedido.

"Um hobby que deveria ser divertido tornou-se mais uma fonte de preocupação", disse Kim Su-yeon, 19, estudante em Seul. "As mudanças me estressaram."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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