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Ruchir Sharma

O que a alta do ouro tem a dizer sobre a queda do dólar

Os EUA vêm transformando sua moeda em arma, mas isso tem um custo

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Ruchir Sharma

Presidente da Rockefeller Internacional

Financial Times

Hoje, os comentaristas concordam por maioria esmagadora que o dólar americano, embora esteja enfraquecendo, não perderá sua posição de moeda dominante no planeta, porque não existe "alternativa alguma" visível no horizonte. Pode ser, mas não diga isso aos muitos países que estão correndo em busca de uma alternativa; esse tipo de complacência só servirá para acelerar sua procura.

O principal exemplo neste momento é o ouro, que acumula alta de mais de 20% em seis meses. A procura crescente não é liderada pelos suspeitos habituais —grandes e pequenos investidores, que procuram cobertura contra a inflação e taxas de juro reais baixas. Em lugar disso, os compradores pesados são bancos centrais, que estão reduzindo drasticamente suas posições em dólares e em busca de uma alternativa segura. Os bancos centrais estão comprando mais toneladas de ouro agora do que em qualquer momento desde que os dados a respeito começaram a ser compilados, em 1950, e respondem no momento por um recorde de 33% da procura mundial mensal de ouro.

Esse boom de compras ajudou a empurrar o preço do ouro para níveis quase recorde e mais de 50% superiores ao que os modelos baseados em taxas de juro reais sugeriam. Claramente, algo de novo está impulsionando os preços do ouro.

Dólar fecha em baixa seguindo tendência global da moeda - Dado Ruvic - 14.fev.2022/Reuters

Se contemplarmos de mais perto os bancos centrais compradores, 9 dos 10 maiores representam países em desenvolvimento, entre os quais Rússia, Índia e China. Não por acaso, esses três países estão em negociações com o Brasil e a África do Sul sobre a criação de uma nova moeda para desafiar o dólar. Seu objetivo imediato: negociar diretamente uns com os outros, em sua própria moeda. "Todas as noites me pergunto por que que todos os países têm de basear o seu comércio no dólar", disse recentemente o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva durante uma visita à China, argumentando que uma alternativa ajudaria a "equilibrar a geopolítica mundial".

Assim, o mais antigo e mais tradicional dos ativos, o ouro, agora é um veículo para a revolta dos bancos centrais contra o dólar. Muitas vezes, no passado, tanto o dólar quanto o ouro eram vistos como portos seguros, mas agora o ouro é visto como muito mais seguro. Durante a curta crise bancária de março, o ouro continuou a subir enquanto o dólar caía. A diferença no movimento dos dois jamais tinha sido tão grande.

E por que as nações emergentes estão se rebelando agora, quando o comércio mundial se baseia no dólar desde o final da Segunda Guerra Mundial? Porque os Estados Unidos e seus aliados se voltam cada vez mais ao uso das sanções financeiras como arma.

Surpreendentemente, 30% de todos os países enfrentam agora alguma forma de sanção dos Estados Unidos, União Europeia, Japão e Reino Unido —ante 10% no início da década de 1990. Até pouco tempo atrás, a maioria dos alvos eram pequenos. Mas em seguida o grupo de países mencionado acima lançou um ataque aberto de sanções contra a Rússia, por sua invasão da Ucrânia, excluindo os bancos russos do sistema de pagamento mundial baseado no dólar. De repente, se tornou claro que qualquer nação podia se tornar alvo.

Confiando demais no dólar indomável, os Estados Unidos viam as sanções como uma forma gratuita de combater a Rússia sem arriscar as vidas de seus soldados. Mas estão pagando o preço em termos de lealdades monetárias perdidas. As nações que estão fechando acordos para negociar sem usar o dólar, hoje, incluem velhos aliados dos Estados Unidos, como as Filipinas e a Tailândia.

O número de países cujos bancos centrais estão estudando maneiras de lançar moedas digitais próprias triplicou de 2020 para cá, para mais de 110, que respondem por 95% do PIB (Produto Interno Bruto) mundial. Muitos deles estão testando essas moedas digitais para uso no comércio bilateral –outro desafio aberto ao dólar.

Embora alguns duvidem que um dólar dominante seja importante para a economia dos Estados Unidos, a elevada procura pela moeda americana em geral tende a reduzir o custo de captação no exterior, um privilégio de que os Estados Unidos necessitam hoje em dia. Entre as 20 principais economias desenvolvidas, o país hoje tem o segundo maior déficit fiscal e de conta corrente, abaixo do Reino Unido, e o segundo maior passivo estrangeiro (tal como reflete sua posição líquida de investimento internacional), abaixo de Portugal.

O risco para os Estados Unidos é que seu excesso de confiança cresça, alimentado pela história de "não existe alternativa". Essa narrativa depende da confiança mundial nas instituições americanas e no Estado de direito, mas foi exatamente isso que a transformação do dólar em arma muito fez para minar. Também depende da confiança na capacidade do país para pagar suas dívidas, mas isso também está começando a ser questionado, já que a dependência americana quanto a financiamento estrangeiro continua a crescer. A última linha de defesa do dólar é a situação da China, a única economia suficientemente grande e centralizada para desafiar a supremacia da moeda americana —mas que está ainda mais profundamente endividada e é disfuncional em termos institucionais.

Quando um gigante vem a depender da fraqueza dos seus rivais, é hora de olhar atentamente no espelho. Quando uma "relíquia bárbara", como o ouro, e novos concorrentes, como as moedas digitais, oferecem desafios, o gigante deveria procurar formas de reforçar a confiança em suas finanças, e jamais presumir que seu status como superpotência financeira é inabalável.

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