Descrição de chapéu The New York Times

Biden e republicanos fecham acordo para aumentar teto da dívida dos EUA

Acordo eleva limite por um período de dois anos em troca de cortes de gastos e exigências mais rigorosas em programas sociais; aprovação no Congresso ainda é dúvida

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

The New York Times

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e o da Câmara, o republicano Kevin McCarthy, chegaram a um acordo preliminar neste sábado (27) para aumentar o teto da dívida por dois anos, e ao mesmo tempo limitar os gastos do governo durante o mesmo período. O anúncio encerra um impasse que deixou o país à beira de dar o seu primeiro calote na história.

O plano, no entanto, ainda precisa ser aprovado pelo Congresso antes de 5 de junho —algo que ainda não é certeza, especialmente na Câmara dos Deputados, onde o acordo deve ser analisado nesta quarta (31). Os republicanos têm maioria na Casa, e deputados de direita que haviam exigido cortes orçamentários significativamente maiores em troca de aumentar o teto da dívida já estão em revolta.

dois homens brancos de terno sentados, com uma lareira por trás
Joe Biden e Kevin McCarthy na Casa Branca - Reuters

Na Câmara, são 222 republicanos e 213 democratas. Já no Senado, há mais democratas —51 a 49. A última vez que o país chegou tão perto de um calote foi em 2011, quando Washington também tinha um presidente democrata e um Senado e uma Câmara liderada por republicanos.

Apesar da divisão, como o acordo —que vai efetivamente congelar os gastos do governo que estavam em uma trajetória de crescimento— teve a bênção tanto de Biden quanto do comando republicando da Câmara, a expectativa é de que ele possa acabar com o impasse fiscal no qual Washington se encontra há semanas, aumentando o risco de uma crise econômica.

A falta de uma solução nas últimas semanas assustou os mercados financeiros, o que forçou os Estados Unidos a pagar taxas de juros recordes em algumas vendas de títulos.

Em nota divulgada pela Casa Branca na noite de sábado, Biden fez um apelo para que a Câmara e o Senado aprovem o acordo, afirmando que ele vai evitar um calote catastrófico.

"[O acordo] é um importante passo à frente que reduz os gastos enquanto protege programas essenciais para trabalhadores e para o crescimento da economia para todos", disse o presidente americano. "O acordo protege as minhas prioridades-chave e conquistas legislativas, assim como a dos democratas no Congresso. O acordo representa um meio-termo, o que significa que nem todo mundo conseguiu o que queria."

O acordo deve suspender o limite de endividamento, hoje em US$ 31,4 trilhões, durante dois anos.

Biden e McCarthy conversaram por telefone na noite de sábado para resolver os pontos finais.

Em uma entrevista a jornalistas que durou apenas 1 minuto, o republicano afirmou que o acordo contém "reduções históricas de gastos, reformas importantes que vão tirar as pessoas da pobreza e colocá-las na força de trabalho, controle dos exageros do governo". Ele disse ainda que não seriam criados novos impostos. No entanto, se recusou a responder perguntas ou fornecer detalhes, prometendo apenas divulgar a peça legislativa neste domingo.

O plano foi estruturado mirando angariar votos dos dois partidos, apesar de ter atraído a ira não apenas de republicanos conservadores, como também de democratas furiosos com o pedido de apoiarem cortes de gastos aos quais eles se opõem.

De todo modo, ele ainda permite que republicanos afirmem que eles tiveram sucesso em reduzir os gastos governamentais —ainda que despesas militares e com programas para veteranos continuem crescendo—, enquanto democratas poderão defender que eles protegeram a maior parte dos programas domésticos de cortes expressivos.

De acordo com uma pessoa familiarizada com a negociação, o texto também impõe novas exigências de trabalho para parte dos beneficiários de programas sociais, como o de compras de alimentos e o de assistência temporária para famílias vulneráveis.

O acordo fechado neste sábado colocaria limites no período de tempo que pessoas com menos de 54 anos e sem filhos podem receber o benefício de compras de alimentos, por exemplo. Mas, ao mesmo tempo, o acesso ao programa seria expandido para veteranos e moradores de rua.

O acordo provisório também recupera parte dos recursos não gastos de uma lei do período da pandemia, e reduz em US$ 10 bilhões (de US$ 80 bilhões para US$ 70 bilhões) o orçamento de fiscalização da Receita Federal americana para combate à sonegação fiscal. Ele inclui ainda medidas para acelerar avaliações de riscos ambientais de alguns projetos de energia e um dispositivo para forçar o presidente a encontrar reservas orçamentárias para compensar custos de ações unilaterais, como perdão de dívidas estudantis. O texto prevê ainda uma medida para evitar uma paralisação do governo no final deste ano.

As exigências de trabalho e as mudanças nas análises ambientais estão entre os últimos detalhes nos quais os dois lados da negociação trabalham no sábado.

A Casa Branca e negociadores do Congresso levaram as conversas quase até o último minuto, aumentado a pressão sobre o Legislativo para aceitar uma solução impopular com radicais da direita e da esquerda. Economistas e analistas de Wall Street alertaram que um calote seria devastador e levaria potencialmente a uma crise global.

Para evitar um calote, a Câmara e o Congresso precisam aprovar o acordo e enviá-lo para Biden assiná-lo. Essa tarefa não deve ser fácil tanto para McCarthy quanto para Hakeem Jeffries, líder democrata, que precisam agora enfrentar uma coalização de deputados dos dois partidos contrários ao texto.

McCarthy já afirmou diversas vezes que ele acredita que a maioria do seu partido vai votar a favor do acordo, mas não está claro ainda quantos republicanos vão apoiar o texto —e nem quantos democratas serão necessários para compensar as traições do lado republicano.

O caminho deve ser turbulento também no Senado, onde conservadores já sinalizaram que não estão dispostos a dar apoio ao texto.

Em uma demonstração de descontentamento, deputados do Freedom Caucus (bancada liberdade) estavam em busca de identificar ferramentais processuais para atrasar a passagem do acordo na Câmara, ou tornar o texto mais conservador.

Republicanos se recusaram por meses a elevar o limite de endividamento a menos que Biden concordasse com cortes de gastos e redução da dívida futura —admitindo nessa estratégia o risco de calote para manter sua vantagem na negociação. O acordo final representa um sucesso modesto da oposição. Uma análise do New York Times dos limites de gastos no centro do acordo sugere que eles reduzirão as despesas em cerca de US$ 650 bilhões ao longo de uma década, se os gastos crescerem no ritmo da inflação projetada após o congelamento de dois anos terminar.

Os cortes no pacote são quase modestos demais para ganhar os votos de conservadores linha-dura, e rigorosos demais para conquistar os democratas progressistas.

Mas especialistas em Orçamento estão apelando para que o texto seja aprovado. "O processo foi tenso, arriscado e feio, mas, no final, nós temos um plano para aumentar a poupança e elevar o teto de dívida, e isso é o que precisamos", disse, Maya MacGuineas, presidente do Comitê por um Orçamento Federal Responsável em Washington.

O acordo imporia limites em gastos discricionários por dois anos, mas essas regras seriam diferentes para despesas militares. Neste caso, os gastos vão crescer no próximo ano, assim como recursos para programas voltados a veteranos devem crescer. Já despesas em outros programas domésticos vão cair ligeiramente, ou permanecer estáveis, em comparação com anos anteriores.

O anúncio de acordo ocorre após meses de teimosia política. Biden e democratas do Congresso inicialmente insistiram para que os deputados republicanos elevassem o teto da dívida sem nenhuma contrapartida, mas cederam depois de McCarthy articular a oposição para aprovar um projeto de lei que elevaria o limite da dívida em troca de um corte de 18%, em média, nos programas governamentais ao longo de uma década. Os republicanos propositalmente evitaram especificar quais programas eles planejavam cortar, mas a aprovação do projeto forçou Biden a fazer o que ele disse que nunca faria: negociar.

Negociações bilaterais entre o presidente americano e o líder republicano começaram a sério só em 16 de maio.

Em uma conversa privada para informar aliados sobre o acordo que se desenhava, McCarthy vendeu o texto como uma vitória, afirmando que poucas coisas no pacote tinham apoio democrata.

No entanto, o deputado republicano Bob Good, afirmou que "tudo pelo qual eles lutaram" no projeto de lei foi omitido do acordo, de acordo com uma pessoa próxima.

Na outra ponta, Lindsay Owens, diretora-executiva da organização liberal Groundwork Collaborative, criticou o texto por forçar cortes em programas domésticos —especialmente por reduzir os recursos para a Receita Federal.

McCarthy prometeu dar aos membros da Câmara 72 horas para ler o projeto de lei antes de levá-la ao plenário para votação. Isso testará se um número suficiente de membros moderados apoia os compromissos do projeto de lei para superar a oposição de republicanos de extrema direita e de democratas progressistas.

Uma preocupação é que, para tornar-se presidente da Câmara, McCarthy havia concordado em permitir que qualquer membro da Casa convoque uma votação para derrubá-lo, o que eventualmente pode levar à sua deposição caso ele busque trabalhar com os democratas.

Caso seja aprovado na Câmara, o projeto precisará passar pelo Senado, onde vai depender de pelo menos nove votos republicanos para ter sucesso. Em ambas as Casas, existem várias formas de postergar a aprovação.

Caso o Congresso falhe e não consiga estender o teto da dívida até o dia 5 de junho, a situação pode desencadear um calote geral.


entenda a discussão

O que é o teto da dívida? É o limite total de dinheiro que o governo dos EUA é autorizado a pegar emprestado via títulos do Tesouro americano para cumprir obrigações financeiras. Como o Orçamento do país é deficitário, ele precisa tomar emprestado volumes enormes de recursos

Os EUA atingiram o teto. E agora? O limite foi alcançado tecnicamente em 19 de janeiro. Desde então, o Tesouro vem usando "medidas extraordinárias" para cumprir suas obrigações. Essas alternativas, porém, se esgotam em junho

O que está em jogo?  Se o governo ficar sem dinheiro, ele não será mais capaz de emitir dívida e pagar suas contas. Ele pode acabar dando calote em suas dívidas se não conseguir fazer pagamentos exigidos por detentores de títulos de dívida. Isso seria devastador para os EUA e para a economia global

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.