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Daron Acemoglu: 'Quando erros envolvem tecnologias poderosas, você terá problemas'

Professor do MIT fala sobre como a IA pode beneficiar trabalhadores e sobre o mundo na visão dos apoiadores de Trump

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Rana Foroohar
Financial Times

O almoço geralmente não acontece às 11h, mas Daron Acemoglu, professor de economia do MIT, é um homem eficiente. Encontramo-nos cedo e perto de seu escritório em Cambridge, Massachusetts, para que ele pudesse sair logo depois para gravar um podcast sobre seu novo livro. Nosso local, um restaurante chinês chamado Sumiao, é algo raro e maravilhoso para Boston e, na verdade, para grande parte da costa leste –um lugar chinês realmente bom.

"Este abriu antes da pandemia", diz Acemoglu, "e foi como: 'Meu Deus, minha utilidade [jargão da economia para o grau de satisfação] acabou de disparar!'". Falado como um verdadeiro economista.

A utilidade de Acemoglu é tão alta que o restaurante abriu mais cedo só para nós. "Olá professor!", dizem os garçons, cumprimentando Acemoglu e nos levando para uma sala especial nos fundos, de onde temos uma bela vista da cozinha aberta.

O economista Daron Acemoglu, professor do MIT e autor de "Por Que As Nações Fracassam" e "O Corredor Estreito" - Adam Glanzman/MIT

Acemoglu é claramente famoso aqui, mas também é famoso nos círculos de economia política em todo o mundo. Ele ganhou a Medalha John Bates Clark, geralmente uma precursora do Prêmio Nobel, e sua experiência em unir política, economia e tecnologia o coloca na frente e no centro de quase todas as discussões políticas globais atualmente. Seu último livro, "Power and Progress", é uma crítica do último milênio de progresso tecnológico, coescrito com o colega professor do MIT Simon Johnson.

Eu me preparo para uma discussão sobre por que a tecnologia nem sempre é vantajosa para o trabalho, os salários ou o desenvolvimento humano se não houver os incentivos adequados e as salvaguardas regulatórias. Mas imediatamente caímos em outra conversa sobre um tema de interesse comum –a Turquia.

Acemoglu, de etnia armênia, nasceu em Istambul em 1967 e cresceu lá. Meu pai é turco, e meu lado paterno vem de Trabzon, no Mar Negro, onde turcos se misturaram com gregos pônticos, povos do Cáucaso e inúmeras minorias étnicas, um caldeirão que desmente o nacionalismo que assola o país agora.

Pergunto a Acemoglu como foi crescer armênio na Turquia. "Houve vários níveis de discriminação, mas nunca me senti inseguro ou ameaçado", diz ele. Ainda assim, "você é diferente e reconhece isso", acrescenta.

Eu observo que o economista turco Dani Rodrik –que ensina a poucos passos de distância, em Harvard– uma vez me disse que ser da Turquia foi uma das razões pelas quais ele se tornou um dos primeiros a questionar o Consenso de Washington. Essa era a visão de que a globalização neoliberal levantaria todos os barcos, o tempo todo (ela gerou mais riqueza do que nunca, mas também mais desigualdade doméstica).

O lugar influenciou Acemoglu de maneira semelhante? Ele concorda. "Tudo tem a ver com lugar e história. Eu estava na escola [na Turquia] no final do regime militar. Vi que a democracia não funcionava e que a economia estava com problemas. Minha mente não tão sofisticada de 16 anos se perguntava: 'Qual é a conexão entre essas coisas?' Então eu disse 'OK, vou estudar economia para tentar descobrir.'"

Seu livro de 2019, "The Narrow Corridor" [O corredor estreito], examinou o equilíbrio entre a força do Estado e a força da sociedade, medido por coisas como organizações civis, ação coletiva e mídia. "Essas coisas sempre foram muito fracas na Turquia, porque o Império Otomano era um império de cima para baixo", diz Acemoglu, observando que o florescimento da política de baixo para cima que se seguiu ao colapso do império foi rapidamente re-centralizado por Mustafa Kemal Atatürk. Quanto à forte votação em Recep Tayyip Erdogan no primeiro turno nas eleições presidenciais da Turquia, Acemoglu diz simplesmente: "É um dia triste para a Turquia".

Capa de "The Narrow Corridor", em edição da editora americana Viking - Divulgação

Examinando o cardápio, vejo que está cheio de temperos picantes. "Você gosta de comida apimentada?", Acemoglu me pergunta. Sempre, eu digo. Decidimos por porções tamanho família de Porco da Vovó, vagens e berinjela, e o prato favorito do professor –carne do Rio Amarelo. "Vem num caldo com um tipo de pimenta muito interessante, muito saboroso. Na verdade, não queima o estômago, mas entorpece a boca. De repente, lembro-me de uma lição dolorosa que aprendi certa vez com um prato de frango apimentado em Kunming –quando está quente demais, coma arroz, não beba água, que só piora as coisas.

Quando nossa garçonete, Bernadette, chega, garanto de pedirmos uma porção dupla de arroz branco e preto pegajoso. Também pedimos alguns aperitivos sem álcool.

Pergunto a Acemoglu o que o levou a abordar a tecnologia como seu último tema. "Bem, de certa forma, tenho pensado em tecnologia há mais de 30 anos –minha pesquisa de pós-graduação foi sobre os efeitos da tecnologia no emprego e nos salários. Então, uma vez que percebi que também poderia estudar essas questões de política, economia, democracia, conflito e assim por diante, minha pesquisa acadêmica progrediu em dois caminhos um tanto separados."

A pesquisa mostra que grandes disrupções tecnológicas –como a Revolução Industrial– podem nivelar os salários de toda uma classe trabalhadora. Também aponta para o conflito distributivo e a dinâmica de poder inerente a ele. "Sim, você progrediu", diz Acemoglu, "mas também teve custos enormes e duradouros. Cem anos de condições muito mais duras para os trabalhadores, salários reais mais baixos, condições de saúde e de vida muito piores, menos autonomia, maior hierarquia. E a razão pela qual saímos disso não foi uma lei da economia, mas sim uma luta social de base na qual sindicatos, políticas mais progressistas e, em última análise, melhores instituições desempenharam um papel fundamental –e um redirecionamento da mudança tecnológica para longe da pura automação também contribuiu de forma importante."

Digo a ele que me surpreende que tantos economistas ainda não levem suficientemente a sério fatores não relacionados ao mercado, como a sociedade, as instituições e a natureza do poder, quando tiram suas conclusões. A visão dele, que é que o capital pega o que quer na ausência de restrições, e que a tecnologia é uma ferramenta que pode ser usada para o bem ou para o mal, parece óbvia para qualquer pessoa normal.

Ele sorri. "Sim, para mim parece muito razoável também. Então, por que demoramos tanto tempo, como profissão, para chegar a isso?", pergunta ele retoricamente. "Porque, no final das contas, os economistas são condicionados –e por boas razões– a pensar que o mercado funciona. E, em alguns sentidos, isso está certo."

Mas, acrescenta, mesmo os formuladores de políticas econômicas mais inteligentes "vão cometer erros". E quando esses erros "envolvem tecnologias muito poderosas, e algumas pessoas controlam isso, e podem moldá-las de uma forma que os capacite ainda mais ou os torne beneficiários, os tomadores, é aí que você terá muita dificuldade".

A comida chega, fumegante e linda. Nossas bebidas floridas parecem algo que você pediria em um resort de praia, e os montes monocromáticos de arroz servidos numa única tigela me lembram os famosos biscoitos preto e branco de Nova York. "Esses são perigosos", diz Acemoglu, que parece gostar de comida tanto quanto eu.

Começamos uma das melhores refeições chinesas que já comi nos Estados Unidos. As vagens e a berinjela foram perfeitamente refogadas com a quantidade certa de tempero e molho (a comida chinesa nos EUA costuma tender para o pegajoso). A carne de porco também é incrível, servida com fatias finas de pimenta vermelha e alho-poró, mas o Yellow River Beef de Acemoglu é a verdadeira estrela. Tem uma textura esponjosa que absorve o caldo saboroso, que é carregado com cogumelos, couve em conserva, duo jiao (pimenta salgada caseira) e pimenta banana.

Fico feliz que Acemoglu esteja falando mais, porque me dá mais tempo para comer. Ele continua analisando por que a profissão de economista costuma demorar para reconhecer verdades óbvias. "Acho que uma das coisas que você deve fazer como economista é manter duas ideias conflitantes em sua mente ao mesmo tempo", diz ele. No caso de seu trabalho recente, é o fato de que a tecnologia pode gerar crescimento sem enriquecer as massas (pelo menos não por muito tempo). "O progresso tecnológico é o motor mais importante do florescimento humano, mas o que tendemos a esquecer é que o processo não é automático."

Além do mais, modelar matematicamente e compreender quantitativamente a luta entre o capital –que mais se beneficia do avanço tecnológico– e o trabalho não é uma tarefa fácil. Acemoglu hesita com as prescrições políticas convencionais para lidar com a desigualdade baseada na tecnologia, como a renda básica universal, porque "ela deixa a distribuição de poder subjacente inalterada. Ela eleva as pessoas que estão ganhando e dá as migalhas às outras. Isso torna o sistema mais hierárquico em certo sentido".

Por outro lado, ele é um grande fã do governo Biden. "Acho que estão fazendo um ótimo trabalho. Eles podem estar cometendo erros, mas estão enfrentando alguns desafios importantes que não foram enfrentados por pelo menos cinco governos anteriores –clima, globalização, trabalhadores. Eles estão fazendo as coisas certas em todas as frentes? Não sei. Acho que estão apostando muito na China, porque é uma abordagem muito agressiva, mas provavelmente no lugar deles eu teria feito a mesma coisa."

Sobre a mudança climática, ele acredita que eles podem simplesmente ter encontrado uma solução imperfeita, mas "politicamente viável" na Lei de Redução da Inflação, que subsidia a transição verde de maneiras que muitos outros países, incluindo alguns da Europa, consideram problemáticas. "Não existe bala de prata", diz o professor. "Não sei o que fazer, mas existem dois níveis –um é aspirações, o outro são alavancas." No primeiro, pelo menos, ele sente que esta Casa Branca está no caminho certo.

Biden é o presidente mais pró-trabalhador desde Franklin D. Roosevelt, algo que Acemoglu apoia, especialmente num momento em que tecnologias como automação e inteligência artificial (IA) ameaçam empregos muito mais altos na cadeia alimentar do que nunca. Ele acredita que precisamos de um movimento de relações trabalhistas mais forte nos EUA –"Precisamos criar um ambiente no qual os trabalhadores tenham voz"–, embora não necessariamente a atual estrutura sindical. Ele prefere um modelo germânico, no qual os setores público e privado e a mão-de-obra trabalham juntos, em vez do modelo de organização empresa por empresa mais fragmentado dos Estados Unidos.

"Acho que as habilidades de um carpinteiro, jardineiro, eletricista ou escritor são simplesmente as maiores conquistas da humanidade, e acho que devemos tentar elevar essas habilidades e elevar essas contribuições", diz ele. "A tecnologia poderia fazer isso, mas isso significa usar a tecnologia não para substituir essas pessoas, não para automatizar essas tarefas, mas para aumentar sua produtividade, dando-lhes melhores ferramentas, melhores informações e melhor organização."

Ele imagina um dia em que os professores possam usar IA para criar planos de aula individuais para cada aluno, ou os enfermeiros possam assumir papéis muito maiores, por exemplo, no diagnóstico de doenças. "Por que os enfermeiros não podem prescrever medicamentos? Por que tudo deve passar por essa abordagem muito hierárquica em que você tem que chamar um médico [para fazer isso]?" Do modo atual, as pessoas que passam mais tempo com os pacientes –enfermeiros, e não médicos– são as menos pagas e menos valorizadas. O uso da tecnologia para capacitar esses trabalhadores aumentaria a produtividade geral e a qualidade do atendimento, ao mesmo tempo em que aumentaria os salários.

A qualificação também é, em sua opinião, crucial para o futuro da democracia. "Temos que ser capazes de empoderar e aumentar as capacidades entre um grupo diversificado de trabalhadores" –incluindo aqueles deixados para trás por várias décadas de deslocamento de trabalhadores impulsionados pela tecnologia, o tipo de pessoas propensas às "mortes por desespero" sobre as quais escreveram os economistas Angus Deaton e Anne Case. Como muitas elites costeiras instruídas, Acemoglu admite que não levou Donald Trump a sério no início. "Parei de ouvir as notícias durante todo o ano eleitoral de 2016 porque estava convencido de que ele iria embora."

Ele não foi, e agora Trump está de volta. "Eu o odiei tanto e acho que você pode odiar Trump como uma pessoa de centro-esquerda, mas seria um crime flagrante, a meu ver, odiar os apoiadores de Trump" –como ele acredita que fez a mídia de esquerda nos EUA. "As pessoas têm visões muito diferentes, maneiras muito diferentes de expressá-las. Algumas são racistas, algumas são misóginas, mas são pessoas e têm sofrimento real e queixas reais, e temos que aceitá-las. E acho que a esquerda falhou em aceitar isso."

A conversa oferece uma clara transição para a próxima área de investigação do professor: hierarquias. "Você lê psicologia evolutiva ou conversa com muitas pessoas que diriam que querem ser mais ricas do que você, mais poderosas do que as outras pessoas e assim por diante, e você pensa que é assim. Mas então você fala com antropólogos, e eles vão lhe dizer que, durante grande parte da nossa humanidade, vivemos dessa maneira igualitária de caçadores-coletores –então, o que há com isso?"

Acemoglu pretende descobrir. Mas primeiro temos que receber a conta. Meu convidado tenta pegá-la, e eu digo a ele que as duas únicas regras do Almoço com o FT são que nós pagamos e tudo fica registrado. Então, Bernadette volta para nos dizer que o gerente disse que nossa grande refeição é por conta da casa. Digo a ela que sinto muito, mas preciso pagar.

Enquanto esperamos a conta, voltamos a falar sobre a Turquia, ou mais especificamente sobre a comida turca, que ambos adoramos. Qual é o prato fav orito dele, pergunto? "Sou louco por aquele peixe especial que começa no Mar Negro e depois desce o Mármara. Ele passa por condições climáticas muito diferentes e, em consequência, fica muito gordo e saboroso. Você pode ir a qualquer outro lugar, mas não conseguirá o mesmo peixe." Na culinária, como na economia, o lugar e a história são importantes.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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