Descrição de chapéu Financial Times mudança climática PIB

Movimento que defende retração do PIB para salvar o clima ganha força

Ideia de 'decrescimento' encontra público mais amplo na União Europeia enquanto mudança climática se intensifica

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Martin Sandbu
Financial Times

É um sinal dos tempos que um livro intitulado "How to Blow Up a Pipeline" (Como explodir um oleoduto), no qual o ativista sueco do clima Andreas Malm defende a sabotagem de instalações, esteja recebendo tanta atenção.

Mesmo com o apoio definitivo das classes política e empresarial na Europa à agenda de descarbonização, a linha mais dura do movimento de combate à mudança climática argumenta de forma cada vez mais ruidosa que isso não é suficiente.

Os defensores do "decrescimento" (degrowth, em inglês) afirmam que enfrentar as mudanças no clima exige nada menos que uma rejeição fundamental ao princípio do crescimento econômico. As preocupações deles têm lenta, mas seguramente, deixado as margens do debate político na Europa para serem ouvidas nas instituições da União Europeia.

No começo do mês, parlamentares europeus organizaram a segunda edição de uma conferência intitulada "Além do Crescimento" (a primeira foi em 2018). Philippe Lamberts, um parlamentar europeu do Partido Verde que participou de ambos os eventos, diz que enfrentou "muita resistência da Comissão [Europeia]" na primeira vez. A visão na época, diz ele, era de que, "se eu não acreditasse em crescimento, deveria procurar outro emprego".

Fumaça emitida pela Central Elétrica de Belchatow, a maior usina de carvão da Europa movida a linhito, em Zlobnica, na Polônia - Kuba Stezycki - 20.out.2022/Reuters

Cinco anos depois, a história é diferente. Agora, "os figurões" —as principais autoridades da União Europeia—"estão participando do jogo" e do debate, diz Lamberts. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e diversos de seus comissários e funcionários públicos de alto escalão discursaram na conferência, assim como a presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola, e Frank Elderson, do conselho executivo do Banco Central Europeu.

O fato de que o parlamentar europeu não tenha, de fato, apelado pelo fim do crescimento pode ajudar. O material de apoio da conferência evitava deliberadamente a palavra "decrescimento". Lamberts diz que prefere falar de "prosperidade compartilhada dentro dos limites do planeta".

Ele argumenta que devemos debater quais desenvolvimentos econômicos são compatíveis com isso e agir de acordo —"discutir essas coisas não é mais visto como sacrilégio". Quanto a von der Leyen, seu discurso enfatizou uma visão de crescimento sustentável e arrancou aplausos ao declarar que "um modelo de crescimento centrado em combustíveis fósseis é simplesmente obsoleto".

Há outros, no entanto, que vão além. Por exemplo, em um artigo publicado na revista científica Nature em dezembro do ano passado, um grupo de ecologistas, cientistas ambientais e economistas escreveu que "as economias ricas devem abandonar o crescimento do produto interno bruto [PIB] como meta, diminuir as formas destrutivas e desnecessárias de produção para reduzir o uso de energia e materiais e concentrar a atividade econômica na garantia das necessidades e do bem-estar humano. O decrescimento é uma estratégia intencional para estabilizar as economias e atingir metas sociais e ecológicas."

Já o economista Dieter Helm, professor de política econômica da Universidade de Oxford, afirma que "uma economia sustentável pode crescer porque o progresso técnico continua". Ele aponta para o fato de que "a demanda por energia e as emissões vêm caindo no Reino Unido, independentemente do nível do PIB".

Essa divergência entre as emissões de carbono e o crescimento econômico é conhecida como "dissociação", e as divergências sobre as políticas climáticas dependem, em grande parte, do grau de dissociação que as pessoas consideram realista esperar.

"Se for possível dissociar o PIB do uso de materiais e energia, então é possível ter crescimento", concorda Lamberts. Mas "caso contrário, quais são as implicações para a política fiscal, a seguridade social, os mercados de trabalho e a política comercial? É sobre isso que queremos iniciar uma discussão".

Opiniões como a de Helm ainda dominam esse debate. A ideia de que talvez tenhamos que reduzir o PIB "ainda é extremamente controversa", diz Diana Urge-Vorsatz, professora de ciências ambientais da Universidade Centro-Europeia, em Viena, e uma das autoras do artigo da Nature. Ainda assim, ela e seus coautores destacam que as menções ao decrescimento e à "suficiência" começaram a ser incluídas nos relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas —o órgão da ONU que avalia o conhecimento científico sobre as mudanças do clima— como possibilidades que merecem ser exploradas.

Na Europa, em especial, o debate foi impulsionado pela Guerra da Ucrânia e pela crise de energia gerada pela transformação do gás natural em arma. Menos de um ano após a invasão russa em grande escala, os grandes países da União Europeia reduziram seu consumo de gás natural em mais de 20% em comparação com a média de cinco anos, sem um aumento correspondente no uso de petróleo e carvão. Sua produção industrial geral, no entanto, se manteve forte.

A experiência de 2022, em outras palavras, mostrou que grandes cortes no uso de energia e nas emissões são possíveis com uma ação política conjunta.

É uma questão em aberto se isso favorece os defensores do decrescimento ou os que acreditam na dissociação, que argumentam que a descarbonização é perfeitamente compatível com o crescimento. O que é certo é que o ano passado terá mudado as expectativas sobre o que a ação política pode alcançar. Há um "enorme potencial para mais eficiência", diz Lamberts. "Os industriais alemães agora admitem para mim que o gás era tão barato que não havia razão para economizá-lo."

Tradução de Paulo Migliacci

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