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João Prates Romero

Os números do desalinhamento do Banco Central

Autarquia aceita custo mais elevado que demais países para manter a inflação controlada

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João Prates Romero

Professor de economia do Cedeplar-UFMG (Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Universidade Federal de Minas Gerais)

O Banco Central (BC) tem mantido o juro real brasileiro como o mais elevado do mundo desde 2022. A comparação dos dados de juros reais e de inflação do Brasil com os de outros países sugere um claro desalinhamento da atuação do BC brasileiro.

Os BCs têm como objetivo central controlar a inflação, se utilizando da taxa de juros para isso. No Brasil, a meta de inflação para 2023 é de 3,25%. A inflação acumulada nos últimos 12 meses vem caindo e em abril ficou em 4,65%. A inflação acima da meta é de 1,4%. Com a Selic em 13,75%, a taxa de juros real é de 9,1%.

Numa amostra de 32 países, quatro têm inflação acima da meta em nível similar à do Brasil: 1,2% no Japão, 1,3% na Indonésia e 1,7% na Índia e na Coreia do Sul. Todos esses países têm juros reais bem mais baixos que o Brasil (-3,3%, 1,4%, 0,8% e -0,2%).

Nos vizinhos sul-americanos a inflação desvia mais da meta do que aqui: 8,1% no Chile, 10,3% na Colômbia e 6% no Peru. Mesmo assim os BCs desses países têm mantido juros reais próximos de zero.

O contraste com a atuação dos BCs de países desenvolvidos, que têm maior solidez técnica e institucional, é ainda mais gritante. Na Zona do Euro a inflação acima da meta está em 5%; 5,2% acima na Alemanha, 6,3% na Itália e 8,6% na Suécia. Já os juros reais estão negativos (-3,4%, -4,5% e -7,1%, respectivamente). Outros países desenvolvidos seguem o mesmo padrão, com maior inflação acima da meta (8,1% no Reino Unido, 5% na Austrália e 3% nos EUA) e juro real bem abaixo do brasileiro (-5,8%, -2,1% e 0,2%).

Estas comparações sugerem um forte desalinhamento do BC brasileiro em relação à atuação dos BCs do resto do mundo. A situação muda pouco tomando a inflação projetada para 2024 pelo FMI. Juros reais se tornam positivos e as diferenças entre inflação e meta caem na maioria dos casos. Seguimos com o maior juro real, mas entre os mais elevados diferenciais de inflação, em parte pela redução da meta em 2024. Isso sugere que os juros altos têm contribuído pouco para reduzir a inflação. Conforme ressaltou há pouco o Prêmio Nobel de Economia, Joseph Stiglitz, juros elevados desincentivam investimentos e prejudicam a redução de gargalos de oferta.

Em suma, nosso BC está aceitando um custo bem mais elevado que os demais para manter a inflação atual mais controlada que a média mundial, dadas as metas. O fato dos demais BCs estarem permitindo inflação muito acima da meta indica o entendimento de que a inflação atual é passageira e resultante, em boa medida, de choques de oferta (pandemia, guerra e preços de petróleo). Os juros baixos sugerem a interpretação de que o custo de os manterem elevados supera os benefícios esperados.

No caso do Brasil, que tem desemprego próximo a 9%, informalidade de quase 40%, investimento baixo, e que busca um ajuste fiscal, o custo do juro alto é considerável. Os benefícios da política de juros do BC brasileiro em termos de controle da inflação superam mesmo os custos? A julgar pela atuação dos BCs do resto do mundo, não. Por que o caso do Brasil seria tão diferente? Ainda não está clara a justificativa do BC brasileiro para tamanho desalinhamento.

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Fachada do Banco Central do Brasil, em Brasília - Gabriela Biló/Folhapress
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