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Servidor público se sente mais feliz na aposentadoria, aponta estudo

Melhora na satisfação com a vida vem com o fim da sobrecarga no trabalho

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São Paulo

O professor de educação física Mario Moraes Júnior, 63, trabalhou mais da metade de sua vida lecionando na rede municipal de ensino de São Paulo, até que, em 2020, veio a aposentadoria e a busca por mais satisfação e a possibilidade de melhorar a qualidade de vida.

"Não tenha dúvida [na melhor qualidade de vida]. Só de não ter aquele compromisso diário, ainda mais na área de educação, que é muito desgastante. Não tem uma estrutura adequada, não tem um apoio adequado, as famílias também não colaboram. Então, quando você se aposenta, realmente diminui bem o seu ritmo. Acaba tendo uma qualidade de vida bem melhor", diz Moraes, que trabalhou 35 anos no serviço público e hoje leciona duas vezes por semana na rede privada.

Moraes corrobora estudo realizado em programa de doutorado da UFMG (Universidade de Minas Gerais), que apontou que o servidor público sente uma maior satisfação com a vida quando se aposenta.

Imagem colorida mostra um homem de 63 anos, branco, de óculos e cabelos grisalhos. Ele está sentado, com os braços cruzados em cima de uma mesa.
O professor de educação física Mario Moraes Júnior, 63, que trabalhou durante 35 anos na rede municipal de ensino de São Paulo e está aposentado há dois - Adriano Vizoni/Folhapress

A tese de doutorado foi apresentada pela pesquisadora Jôsi Fernandes, 38. Ela envolve dados de um estudo que ocorre no país com servidores que compõem o Elsa Brasil (Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto), programa composto por 15 mil funcionários de seis instituições de ensino superior das regiões Sul, Sudeste e Nordeste.

A tese envolveu 13 mil servidores, entre ativos e aposentados, que foram avaliados pelo Elsa de 2012 a 2014, por meio de entrevistas. As opções de respostas variaram de "discordo totalmente" até "concordo totalmente". O score total da escala de satisfação com a vida variou de 5 até 35 —quanto maior o score, maior a satisfação com a vida.

No geral, de acordo com o estudo, a média de satisfação com a vida foi maior para aqueles servidores que haviam se aposentado em comparação com aqueles que continuavam na ativa.

O que chamou a atenção na pesquisa foi o fato de haver um hiato durante a aposentadoria. Nos primeiros três anos, existe uma "lua de mel", quando a satisfação de ter deixado o trabalho é maior. Após esse tempo, há um declínio nesse quesito, que volta a subir no oitavo ano.

"Essa diminuição pode ter relação com fatores de trocas sociais e também de diminuição da renda que acontece com a aposentadoria", diz Fernandes.

Para Luana Giatti, professora do Departamento de Medicina Preventiva e Social e uma das orientadoras da tese, esse hiato é um fenômeno que pode estar associado ao processo de adaptação à aposentadoria, quando a pessoa sente uma falta momentânea depois de uma fase de maior entusiasmo.

"Em uma aposentadoria em condições favoráveis, com a manutenção dos ganhos, como os aposentados que a gente estudou, as pessoas vão ter outros ganhos, vão poder buscar outras realizações e evidenciar outras etapas da vida."

Imagem colorida mostra um homem de 63 anos, branco, de óculos e cabelos grisalhos. Ele veste uma blusa cinza, está sentado, com os braços cruzados em cima de uma mesa.
Com a aposentadoria na prefeitura, Moraes passou a se dedicar apenas às aulas em uma escola particular, com um ritmo bem menor - Adriano Vizoni/Folhapress

Com relação à aposentadoria no serviço público, a manutenção dos ganhos citada pela professora depende do setor do servidor e dos estados. Mas, em geral, as perdas são menores que a dos trabalhadores do serviço privado.

Maria Adelaide de Magalhães Camargo, 76, se aposentou em dezembro de 2021, após 27 anos na rede estadual de ensino de São Paulo. Hoje ela está nessa fase de lua de mel com o momento.

"Eu me sinto satisfeita, fazendo coisas que antes eu não fazia, como atividade física. Faço lian gong [prática corporal oriental], ginástica. Também estou fazendo cursos e participo de um clube de leitura. São coisas que me dão muito prazer", diz Adelaide.

A psicóloga Carla Sabrina Antloga, professora associada do departamento de psicologia clínica da UNB (Universidade de Brasília), trabalha há 20 anos com pesquisas na qualidade de vida e saúde mental no serviço público. Para ela, a satisfação encontrada pelo servidor ao se aposentar é o alívio pelo fim da sobrecarga em um cenário de precarização no trabalho.

"As evidências nas pesquisas que a gente tem realizado nesses últimos anos apontam para um cenário de muita precarização no trabalho, principalmente no que se refere à forma como ele está organizado, prazos, metas, fluxos, resultados esperados, se trabalha sob pressão, se tem pausa para descanso, como é a intensidade na carga mental e na carga afetiva nesse trabalho."

De acordo com levantamentos de órgãos de gestão pública, há uma grande demanda de servidores no funcionalismo. A falta de profissionais sobrecarrega quem está em atividade, segundo a psicóloga.

"As pessoas experimentam sim uma sensação de alívio em função da sobrecarga de trabalho que elas experimentavam enquanto trabalhavam. Tem gente trabalhando muito mais e com atividades mais complexas, principalmente depois da pandemia. Os setores foram tomados por novas tecnologias de informação e comunicação. As pessoas não estavam preparadas", diz Antloga.

"Tem muita pressão por resultados, há muita cobrança da sociedade, tem o estereótipo de que o servidor público não faz nada e vive nas tetas do governo. Sou servidora pública e escuto isso frequentemente. Isso não reflete a realidade, pois a gente trabalha pra caramba."

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