Servidor público do futuro deve se sentir feliz e ter empatia, afirma pesquisador

Ter espírito público é uma das características consideradas essenciais por especialistas para oferecer o melhor atendimento ao cidadão

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São Paulo

A vocação e o espírito público não são habilidades medidas em concursos públicos, mas são características fundamentais para oferecer à população um serviço de qualidade, ágil e humanizado. O servidor do século 21 deve ser diverso, empático e comprometido com o funcionalismo.

Esta é a 6ª reportagem da série O Profissional Público do Futuro, parceria entre a Folha e a República.org, que debate oito temas em torno da modernização do serviço público no Brasil.

Sentir felicidade e prazer na carreira pública são outras inclinações apontadas por Gustavo Fernandes, professor de administração pública da FGV Eaesp (Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas). Há uma discussão, ele diz, que questiona se nascemos ou adquirimos a vocação para ser servidor.

"Se o aspirante a funcionário público tem a intenção de trabalhar com ações de impacto na vida de muitas pessoas, seja de forma direta ou indireta, estará na retaguarda de uma política pública que muda vidas."

Mulher branca e sorridente está sentada em uma mesa com uma estante cheia de livros infantis e um arco-íris; ela segura com a mão esquerda um objeto redondo e azul, que ela coloca na frente do olho esquerdo
Novata no serviço público, a professora Cintia Bizon, 38, afirma que a palavra de um docente pode mudar os rumos da vida de um aluno - Karime Xavier/Folhapress

A professora Cintia Bizon, 38, foi convocada pela Prefeitura de São Paulo em abril de 2021 para trabalhar com bebês no CEI (Centro de Educação Infantil) Jardim Nove de Julho, no Parque do Carmo, zona leste. Para ela, a palavra do docente pode mudar o rumo da vida de um aluno.

"Trabalhamos com a prospecção de futuro. Não podemos falhar com as crianças. O servidor público da educação respeita as diferentes configurações familiares. Ele abraça, escuta e entende, sem julgamentos, independentemente se está há muito ou há pouco tempo no funcionalismo. Faz a diferença na vida dessas pessoas."

Para Cintia, o servidor do futuro é aquele que se dispõe a aprender todos os dias. "Precisamos nos atualizar para nos reinventarmos."

De acordo com o especialista da FGV, muitos candidatos escolhem o serviço público para ter estabilidade e um bom salário justamente para fugir do que ele chama de precarização do setor privado.

Fernandes afirma que no Brasil "o grosso da população" convive com a informalidade e salários baixos, muitos sem carteira assinada, o que deixa essas pessoas vulneráveis, fazendo prevalecer a insegurança nas relações trabalhistas.

"No país, muitas vezes, o funcionalismo público vira um refúgio para aqueles que procuram melhores condições de trabalho. Há, infelizmente, um movimento de pessoas que buscam um emprego público não porque gostam, tenham espírito público ou se interessem, mas para ter um porto seguro", diz o professor.

Os trabalhadores ingressam no funcionalismo por meio de concurso, que mede o conhecimento geral desses candidatos, bem preparados para a prova, mas que, muitas vezes, não estão ligados ao propósito do serviço público, de acordo com Renata Vilhena, presidente do conselho da República.org e professora associada da Fundação Dom Cabral.

"É algo que a gente busca muito, ter pessoas alinhadas com o propósito de prestar serviço ao cidadão e gerar valor público", diz Renata, que foi funcionária pública por 40 anos.

A professora associada afirma que muito além de ter comprometimento, o setor público procura formas de tornar os servidores mais produtivos, característica que, segundo ela, está ligada à coragem de executar, buscar alternativas, inovar e fazer acontecer.

Foi o que fez Luana Silveira de Faria, 42. Servidora pública federal efetiva há dez anos, ela criou um programa que proporcionou novos modelos de trabalho no governo, o LA-BORA! gov, como projetos cujo propósito é melhorar a experiência dos funcionários públicos.

O programa de gestão, que impactou 140 mil profissionais, é destinado a servidores interessados em trabalhar no laboratório —que aborda temas como inovação e criatividade no setor público, segurança psicológica e lideranças feminina, de times híbridos ou remotos.

"Funcionários de diferentes órgãos [são quase 300] não precisam ser cedidos por sua chefia. Por um período, podem atuar conosco umas duas vezes por semana de forma desburocratizada [atividades também ficam disponíveis no YouTube]. Todos saem ganhando, até porque esse funcionário vai levar novas ideias para aplicar em sua rotina."

Para Luana, é importante atualizar o servidor com um modelo mental e comportamental voltado para o futuro. "Esse trabalhador deve ser mais flexível, maleável e adaptável às realidades desse mundo que muda o tempo todo. Quem se beneficia é o cidadão. Inovação é transformar a realidade."

Encontrar servidores com vocação não é uma tarefa óbvia, porém, já que no Brasil a prova via concurso prevalece como forma de ingresso ao funcionalismo. Entrevistas e análises de currículos, por exemplo, são consideradas subjetivas.

Para descobrir esses perfis ideais, o professor Fernandes afirma que é preciso trabalhar cada vez mais para aprimorar o processo seletivo, já que os concursos têm limitações.

"São muito bons para mensurar as pessoas que têm capacidade de fazer uma prova. Mas não mensuram o espírito público. Não sabemos o quanto aquele indivíduo se engaja e consegue se sentir feliz por estar naquela posição. Se ele for feliz, será engajado e terá empatia, é uma coisa que se autoalimenta."

O especialista afirma que boa parte dos sistemas de gestões no mundo já tentam incorporar um processo seletivo para saber se o candidato realmente se interessa por aquela posição por meio de provas orais e entrevistas.

A representatividade também é fundamental para determinar o profissional público do futuro, segundo Renata. "Não tem mais como imaginar que a área pública não vai olhar para a diversidade."

Renata diz que várias evidências demonstram que quanto maior a variedade dos perfis, melhor vão ser as propostas de políticas públicas. Isso, diz Renata, faz com que o funcionalismo seja mais resiliente.

"Não é [ter diversidade] por modismo ou só por inclusão, mas para ter esse olhar mais amplo e diversificado, uma vez que as políticas públicas são para todos, não só para o branco. Elas são para o preto, para o indígena, para o LGBTQIA+, para todos."

Para Fernandes, o funcionário público do século 21 precisa ter capacidade de dar respostas ao novo. "Porque sabemos que respostas antigas não funcionam."

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