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Três bancos americanos que quebraram tinham uma coisa em comum: a KPMG

Empresa diz que conduz auditorias de acordo com normas profissionais

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Stephen Foley
Nova York | Financial Times

O trio de quebras de bancos acontecidas de março para cá lançou uma sombra sobre o lucrativo negócio da KPMG como a maior empresa de auditoria do setor bancário nos Estados Unidos.

As dúvidas sobre a qualidade do seu trabalho e sobre sua independência cresceram nos últimos dias, depois da divulgação de um relatório do Federal Reserve (Fed), o banco central dos Estados Unidos, sobre o colapso do Silicon Valley Bank e a venda forçada do First Republic. A empresa de auditoria, uma das chamadas "Quatro Grandes" do setor, auditava ambos os bancos, bem como o Signature, cujo controle foi tomado pelas autoridades regulatórias em março.

Nos três casos, a KPMG conferiu aos relatórios financeiros dos bancos um atestado de boa saúde, até o final de fevereiro.

Logo do KPMG em Paris, França - Benoit Tessier - 15.jun.2022/Reuters

"É um tropeço triplo", disse Francine McKenna, antiga consultora da KPMG e hoje professora na Wharton School, Universidade da Pensilvânia. "É um desempenho dúbio... e precisamos de ações duras para dar peso à retórica dura das autoridades regulatórias".

"Não há como esperar que uma auditoria saiba que uma corrida aos bancos está por começar", disse Kecia Williams Smith, uma antiga auditora e reguladora que agora é professora assistente de contabilidade na Universidade Estadual A&T da Carolina do Norte. "O que é justo é perguntar sobre a avaliação de risco de uma auditoria, e se esta adotou os procedimentos corretos".

É provável que o escrutínio do trabalho da KPMG gire em torno de determinar se os seus funcionários eram suficientemente independentes dos bancos que auditavam, se prestavam a devida atenção aos sinais de alerta e se estavam qualificados para avaliar a qualidade dos relatórios financeiros em um ambiente que mudou significativamente devido à alta das taxas de juro, afirmaram os peritos em contabilidade.

Também podem surgir questões sobre o papel expandido da KPMG no sistema financeiro.

A empresa tem um papel singular como auditora de um número de bancos maior do que de qualquer outra das Quatro Grandes, nos Estados Unidos, e ela audita uma proporção maior do sistema bancário do país, pelo critério de ativos, do que qualquer outra empresa, de acordo com dados da Audit Analytics. Além de ser auditora do Wells Fargo, do Citigroup, do Bank of New York Mellon e de três dúzias de outros bancos cotados em bolsa, a empresa também audita o Fed.

"Isto é algo que se repercute em todo o setor bancário", disse Williams Smith. "Dado o interesse público em torno dessa questão, é de esperar que haja fiscalização mais forte".

Os clientes do setor bancário são particularmente importantes para a KPMG. Bancos de capital aberto pagaram à empresa mais de US$ 325 milhões em honorários em 2021, o último ano para o qual há dados completos disponíveis, e o setor responde por cerca de 14% dos honorários que a KPMG recebe de clientes de capital aberto, em comparação com 8% na PwC, 3% na EY e 2% na Deloitte.

Profissionais egressos da KPMG também desempenharam papéis importantes no setor bancário, o que inclui em empresas que foram clientes do grupo de auditoria. Os presidentes executivos do Signature e do First Republic eram ambos antigos sócios da KPMG.

Professores de contabilidade disseram que as autoridades regulatórias provavelmente prestariam muita atenção à nomeação pelo Signature de Keisha Hutchinson, que era a sócia principal da equipe de auditoria da KPMG no banco, para o posto de diretora de risco da empresa, em 2021, menos de dois meses depois de ela ter assinado o relatório de auditoria sobre o exercício de 2020 no banco.

As regras da Securities and Exchange Commission (SEC), agência federal que regulamenta os mercados de valores mobiliários dos Estados Unidos, exigem um período de pausa de 12 meses antes que um sócio de empresa de auditoria possa ser contratado por uma empresa para uma função que controle a produção de relatórios financeiros, embora a regra seja normalmente interpretada como aplicável às funções de diretoria financeira ou controladoria financeira.

A KPMG já havia declarado anteriormente que confirma suas auditorias no Silicon Valley Bank e no Signature. A empresa se recusou a acrescentar comentários, invocando a confidencialidade dos clientes.

"A KPMG há muito mantém uma prática de auditoria substancial e dinâmica no setor de serviços financeiros", afirmou um porta-voz. "Conduzimos nossas auditorias de acordo com as normas profissionais".

O relatório do Fed divulgado na semana passada revelou a extensão das deficiências nas funções de gestão de risco e de auditoria interna do Silicon Valley Bank, que estão sujeitas a avaliação pelos auditores externos da empresa.

Jeffrey Johanns, antigo sócio da PwC e professor de auditoria na Universidade do Texas em Austin, disse que isso poderia despertar questões sobre se a KPMG deveria ter destacado essas falhas, diante dos investidores, como pontos fracos substantivos e capazes de afetar os resultados financeiros.

"Se existem deficiências significativas na função de risco, como o banco pode afirmar que não existe uma deficiência em seus controles internos? disse Johanns.

Os depositantes fugiram do Silicon Valley Bank devido à preocupação de que o banco teria de vender ativos anteriormente designados como "a manter até o vencimento", o que poderia resultar em prejuízo de até US$ 15 bilhões, já que a alta das taxas de juros tinha reduzido o valor de mercado desses ativos. Os bancos estão autorizados a avaliar esses ativos por preço de custo, desde que tenham a "intenção e a capacidade" de mantê-los até à data de vencimento, e o acordo da KPMG quanto a essa designação vem sendo alvo de críticas, por exemplo em um processo judicial coletivo aberto por investidores do Silicon Valley Bank contra a empresa de auditoria.

A questão traz à memória as consequências da falência da Thornburg Mortgage, que revelou dificuldades financeiras pouco depois de a KPMG ter publicado um parecer que não expressava qualquer reserva sobre os resultados da instituição de crédito hipotecário, em 2007. O Public Company Accounting Oversight Board (PCAOB), que regulamenta a profissão de auditor, decidiu que a auditora principal da KPMG havia sido negligente ao considerar se a Thornburg continuava a ser uma empresa em condições de operar, e sua capacidade para manter os seus ativos até o vencimento, mas a decisão foi revertida pelas autoridades regulatórias superiores.

O PCAOB planeja intensificar novamente a fiscalização no setor de serviços financeiros. No mês passado, declarou que a sua análise das auditorias de 2022 teria por foco saber se os bancos deveriam ter sido obrigados a divulgar mais informações sobre os riscos de liquidez e os acontecimentos ocorridos entre o final do exercício financeiro e a publicação do relatório de auditoria.

O órgão afirmou igualmente que iria examinar se os auditores dispunham dos conhecimentos necessários para fiscalizar instituições complexas.

Williams Smith afirmou que a alta das taxas de juros mudou o ambiente para os bancos e que há questões sobre se a KPMG avaliou corretamente este e outros riscos, ao planejar sua auditoria.

"Este é um sinal de alerta a todos os auditores, para que se certifiquem de que compreendem que o ambiente do cliente está mudando, e que precisam pensar no futuro".

Tradução de Paulo Migliacci

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