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Bom demais para ser verdade? Os falsos recrutadores que aplicam golpes em candidatos a empregos

Os golpes complicados estão em alta, colocando em risco candidatos a emprego e empregadores respeitáveis

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Ian Johnston Emma Jacobs
Financial Times

Mia* ficou desconfiada quando lhe fizeram perguntas básicas em uma entrevista pelo Zoom para um cargo em recursos humanos. Suas dúvidas se confirmaram quando o suposto possível empregador pediu que ela desembolsasse £275 (R$1.680) antecipadamente para treinamento em recrutamento. Suspeitando que fosse fraude, ela desistiu.

"Quando você pensa em golpes, talvez pense em batedores de carteira ou em alguém que lhe manda um link corrompido online. Não numa coisa tão complexa, e não no mercado de empregos", ela disse. "Ainda bem que fiquei desconfiada desde o começo."

Mia se deparou com golpistas pela primeira vez quando se mudou da Austrália para Londres. Ela se candidatou a um emprego de administradora de RH junto a uma entidade chamada Inglemoss Consultants. Não conseguiu a vaga, que fora anunciada no site de empregos Indeed. Uma semana mais tarde, foi contatada e lhe disseram que ela havia sido pré-selecionada para um cargo diferente em RH.

Especialistas em recrutamento disseram que os golpistas foram beneficiados pelo fato de muitos processos de contratação terem começado a ser realizados online durante a pandemia de Covid - Catarina Pignato

Ela tinha razão em ficar precavida. Três outras pessoas contaram ao FT que foram vítimas de golpe por parte da Inglemoss Consultants. Um deles, Jamie Glover, 23 anos, formado pela Universidade de Sussex, disse que aceitou um cargo na organização no ano passado e pagou £275 pelo pacote de treinamento. Depois de um dia de treinamento, foi encarregado de recrutar mais candidatos. Mas encontrou pouco trabalho e nunca chegou a ser pago.

"Me pareceu um esquema de pirâmide pura e simplesmente", ele comentou. "Não havia outra função."

No site de recrutamento Glassdoor, sete resenhistas anônimos disseram que representantes da Inglemoss Consultants mentiram sobre a natureza de uma vaga, que não pagam seus funcionários e não respondem a telefonemas e emails. O site disse que removeu a conta da organização em novembro do ano passado, depois de uma investigação por fraude e de receber denúncias de candidatos a emprego.

A Inglemoss Consultants não aparece na Companies House (a Junta Comercial britânica). Mensagens enviadas aos endereços de email citados em seu website voltaram, e a empresa, incluindo um dos gerentes das vítimas de golpe, não atendeu telefonemas.

Especialistas em recrutamento disseram que os golpistas foram beneficiados pelo fato de muitos processos de contratação terem começado a ser realizados online durante a pandemia de Covid. Disseram também que candidatos a emprego estão tomando mais conhecimento dos esquemas sofisticados usados pelos golpistas.

"Assistimos diariamente a um volume assustador de golpes", disse Steve Sully, diretor regional para o Reino Unido da firma de recrutamento Robert Half. "Estamos vendo candidatos frequentemente encaminhando mensagens de WhatsApp que recebem de indivíduos que se dizem consultores nossos." Com tanto trabalho sendo feito à distância, "ficou muito mais fácil para golpistas se aproveitarem de pessoas vulneráveis".

As fraudes ligadas ao trabalho são mais do que simplesmente um incômodo que rouba tempo de empresas e candidatos a empregos. Os golpistas podem levar dinheiro e dados pessoais de suas vítimas, e empresas podem ter sua reputação seriamente prejudicada.

Em fevereiro o LinkedIn reconheceu um aumento no número e grau de sofisticação de golpes cometidos em sua plataforma. A tendência atinge uma série de sites de empregos, firmas de recrutamento e outras.

Cifras da Comissão Federal de Comércio americana mostram que houve mais de 92 mil golpes ligados a empregos e empresas em 2022, com a perda de US$ 367 milhões (R$ 1,78 bilhão), uma soma consideravelmente mais alta que os US$ 209 milhões (R$ 1,01 bilhão) do ano anterior.

A JobsAware, organização britânica sem fins lucrativos à qual Mia denunciou a Inglemoss Consultants, compila queixas sobre golpes de emprego e práticas de trabalho injustas e aconselha funcionários. Seu diretor, Keith Rosser, disse que mais pessoas "estão procurando trabalho adicional devido à crise do custo de vida. Isso está colocando muitas pessoas no mercado de trabalho e as deixando expostas."

Ben King, diretor de confiança do consumidor na Okta, especialista em identidade digital, disse que o perigo está se intensificando. "Prevejo que os golpes de falso emprego só vão aumentar com o acesso às ferramentas de aprendizagem lógica e da IA generativa online, que criam emails e anúncios falsos de criminosos, voltadas a vítimas de setores específicos da população, mais realistas."

Os ataques já estão ficando mais elaborados. Os golpistas muitas vezes montam websites falsos, fazem entrevistas por Skype e, em alguns casos, demonstram um conhecimento impressionante da indústria na qual alegam trabalhar.

Jonathan Waterman-Smith, consultor de recrutamento na TRG Recruitment, disse que sua experiência revela como os golpistas andam abordando seus alvos com sofisticação crescente, usando terminologia específica de cada indústria que revela um alto nível de pesquisa.

Ele foi contatado no LinkedIn por uma pessoa que se fez passar por "líder da equipe de aquisição de talentos" de uma empresa manufatureira que queria ajuda para contratar trabalhadores.

Waterman-Smith falou com o golpista pelo telefone e explicou como trabalha e os honorários cobrados. Em um primeiro momento, acreditou que o golpista fosse genuíno.

"Ele não era novato", disse Waterman-Smith. "O cara conhecia a terminologia que usamos no setor de recrutamento. Ou ele tinha muita experiência nisso, ou conhecia o jargão de recrutamento e talvez já tivesse trabalhado na indústria no passado."

Recrutadores como Waterman-Smith geralmente identificam potenciais candidatos para seus clientes. Quando esse suposto cliente sugeriu três potenciais candidatos a ser entrevistados, ele percebeu que algo estranho estava acontecendo.

Ele telefonou para a empresa em questão e ouviu que ela não tinha nenhuma informação sobre a pessoa já ter sido funcionária da companhia. Se o golpe tivesse sido completado, Waterman-Smith disse que sua empresa teria pago aos candidatos —provavelmente comparsas do golpista— e enviado uma fatura a este. E a conta nunca teria sido paga.

"Tive muita sorte", falou Waterman-Smith. "Saí relativamente ileso, tirando ter desperdiçado meia hora do meu tempo para falar com o sujeito."

Os golpistas atacam alvos que identificaram como vulneráveis —por exemplo, pessoas que perderam o emprego recentemente ou que desconhecem as práticas de emprego. "Eu poderia ser considerada um alvo fácil", falou Mia. "Eles podem certamente visar profissionais de outros países, porque eles não estão tão a par das normas e leis de emprego britânicas."

Em dezembro Alex Ellis, o alto comissário britânico para a Índia, avisou que golpistas estavam usando seu nome para persuadir pessoas a entregar informações e dinheiro para obter vistos de trabalho para o Reino Unido.

Para Mohammed Yasar Farath, técnico residente em Hyderabad, no sul da Índia, um link em um site de postagem de empregos no Instagram o levou a uma suposta oferta de emprego em uma empresa de energia no Reino Unido. Só havia um porém: ele teria que pagar £500 por um pedido de visto. Quando ele se recusou a entregar o dinheiro, "o suposto advogado ficou muito irritado". Farath entendeu que a oferta de trabalho não existia e que o visto seria falso. Ele desistiu da empreitada e considera que teve muita sorte.

Segundo Sully, os golpistas representam um risco não apenas aos candidatos, mas também à reputação de recrutadores e empresas empregadoras. Muitas empresas estão postando conselhos sobre como evitar golpes em seus sites na internet e seus canais de mídia social.

No verão passado, Amanda Chilcott, diretora global de recursos humanos na Neptune Energy, foi alertada para um aumento grande no número de golpistas fazendo-se passar por empregadores dela, quando vítimas potenciais ligaram à recepção para falar de emails fraudulentos. A companhia contratou uma firma de cibersegurança para impedir domínios não autorizados de usar seu nome.

Isso é mais difícil para firmas menores, disse King, que "não possuem os recursos para monitorar e controlar esse risco adequadamente".

Enquanto as ferramentas de IA cada vez mais avançadas podem tornar os golpes mais frequentes e plausíveis, também "serão instrumentos valiosos para organizações monitorarem e controlarem conteúdos numa velocidade que revisão humana alguma pode alcançar", disse King. "Pesquisas importantes estão sendo feitas para detectar conteúdos gerados por máquina em grandes conjuntos de dados. O simples fato de um cargo ou anúncio de emprego ser marcado como ‘suspeito’ pode salvar muitas pessoas de virar vítimas de golpe, em primeiro lugar, ou levá-las a pesquisar melhor antes de seguir adiante com uma candidatura de emprego."

Também os empregadores são vulneráveis a candidatos desonestos. Satish Kumar, executivo-chefe da Glider AI, plataforma tech que oferece avaliações virtuais e video-entrevistas para recrutamento que fazem uma triagem para filtrar atividades suspeitas, disse que o aumento da contratação à distância levou a um aumento das fraudes entre candidatos de empregos, que podem, por exemplo, ser ajudados por amigos que lhes dão as respostas a perguntas.

Uma vez que um candidato tenha passado pelo processo de recrutamento, pode levar pelo menos um mês para a firma descobrir que ele não está capacitado a exercer o cargo. Contratar outra pessoa pode custar caro. "A empresa perde muito tempo e tem que reiniciar o processo", disse Kumar.

Os golpes podem ser traumatizantes para suas vítimas. Fatima, que apresentou uma queixa contra a Inglemoss Consultants em um tribunal de emprego, sendo que a organização não respondeu, comentou: "Isso me causou muita ansiedade. Eles manipulam pessoas vulneráveis. É difícil perceber que se trata de golpe até você já estar envolvido."

*Alguns nomes foram modificados.

Tradução de Clara Allain

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