Caminho para recuperar grau de investimento é longo, mas Brasil está na rota certa, diz economista

Para Martín Castellano, bonança nas exportações brasileiras pode ser sustentável no longo prazo

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Washington

A revisão de "estável" para "positiva" da perspectiva da economia brasileira pela agência de classificação de risco S&P Global Rating coroa o bom momento da economia brasileira, mas ainda há um longo caminho para o Brasil recuperar o grau de investimento. É o que diz Martín Castellano, diretor de pesquisa para América Latina no IIF (Instituto Internacional de Finanças), associação que reúne 400 representantes do setor financeiro de 60 países.

Martín Castellano, chefe de pesquisas em América Latina do IIF (Instituto Internacional De Finanças) - IIF/Divulgação

Para ele, as políticas econômicas do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estão no caminho certo e as condições estão favoráveis para que a atual bonança de exportações seja sustentável no longo prazo. Em entrevista à Folha, Castellano defende, no entanto, que é preciso manter a política monetária apertada, para controlar a inflação e elogia o trabalho do Banco Central.

Nesta semana, a S&P Global melhorou a perspectiva para o Brasil de "estável" para "positivo". O sr. vê espaço para o Brasil recuperar o grau de investimento? Temos sido muito otimistas em relação ao Brasil já faz um bom tempo no IFF, nossas projeções apontavam previsão de crescimento para este ano maior do que o consenso. Notamos que parte da incerteza após a troca de governo está diminuindo, e isso também aconteceu no mercado, que estava muito ansioso e preocupado com as mudanças na política. Também continuamos muito otimistas em relação às contas externas e destacamos as melhorias estruturais que estão ocorrendo no Brasil, com aumento do superávit em conta corrente e superávit comercial e redução do déficit em conta corrente. Acredito que todos os passos estão na direção certa, as peças estão se juntando.

Há um longo caminho até recuperar o grau de investimento, porque o país ainda está algumas posições abaixo. Mas as políticas estão caminhando nessa direção e algumas das incertezas que o mercado tinha diminuíram, o que é positivo em termos de fluxos de capital. Apesar de algumas condições desafiadoras, acredito que o Brasil se beneficiará do cenário geopolítico. As tensões como a Guerra da Ucrânia e em outras partes do mundo mudaram as preferências dos investidores, e o Brasil aparece muito bem em comparação com outros mercados emergentes em várias frentes. Então está no caminho certo.

E o que é preciso fazer para recuperar o grau de investimento? Manter políticas fiscais e monetárias muito consistentes. Um dos principais objetivos, na política monetária, controlar a inflação, é um desafio em todo o mundo. O Banco Central tem feito um trabalho muito bom em termos de gerenciar as expectativas de inflação, apertando as condições monetárias, e o custo de não atingir as metas é maior agora. O quadro fiscal é mais sensível, é preciso evitar cenários mais adversos, considerando que as finanças públicas ainda são frágeis no Brasil em comparação com outros países. O arcabouço fiscal está mais realista do que o anterior. Ainda é desafiador, mas parece que as autoridades estão comprometidas em aprová-lo e cumpri-lo. Exigirá aumentos de receita, mas as notícias positivas no cenário externo oferecem oportunidades em termos de crescimento de receitas.

Está otimista com a aprovação de reformas mesmo considerando as dificuldades que Lula tem tido com o Congresso? Sim. No início houve incerteza devido aos resultados das eleições, com o Congresso com inclinação de centro-direita. Além disso, há uma coalizão governista muito ampla, na qual diversos partidos com interesses diferentes e às vezes divergentes estão envolvidos, o que criou algum ruído inicialmente. No entanto, acredito que isso tenha se estabilizado pois todos são políticos experientes. Os mercados percebem que o ruído em torno de algumas propostas e da implementação de políticas faz parte do processo de negociação. No fim das contas, todos estão jogando de acordo com as regras, o sistema político está bem estabelecido, as instituições políticas são fortes no Brasil. Quando um novo governo assume, faz propostas que são discutidas, algumas delas são alteradas e ajustadas, mas é parte do processo. Acredito que o sistema esteja funcionando nesse sentido.

O aumento de exportações é sustentável no longo prazo? As condições estão favoráveis. Também dependerá das condições de mercado e do cenário internacional, com os preços das commodities. Mas os ganhos de produtividade que temos visto no setor agrícola são bastante significativos. As exportações brasileiras são muito mais diversificadas do que a maioria dos países da América Latina, por exemplo, onde os principais países dependem principalmente de uma ou duas commodities. No Brasil, temos uma variedade de commodities e também exportações significativas no setor manufatureiro. Essa diversificação de exportações ajuda a tornar mais sustentável.

Então acredita que estamos em um ciclo virtuoso da economia. Sim, com a ressalva de que ainda não é um superciclo, então as condições externas são mais desafiadoras para todos, com taxas de juros mais altas globalmente. Dentro desse contexto, o Brasil parece atrativo para investidores em comparação a outros mercados. Ainda tem uma inflação acima da meta, existem muitos desafios, como na maioria dos países do mundo agora. Mas nessas condições o Brasil parece muito atrativo, assim como outros na América Latina.

O acordo de livre-comércio entre Mercosul e União Europeia foi ameaçado por questões envolvendo o meio ambiente. Como está a imagem do Brasil para o mundo nessa área? Os investidores veem o Brasil com muito potencial nesse aspecto também, com o atual governo disposto a desempenhar um papel proativo. A demanda por ativos verdes e projetos sustentáveis é muito forte globalmente e está crescendo no Brasil. O país possui um enorme potencial e oportunidades nesse sentido quando se olha para commodities, recursos naturais e infraestrutura.

O investidor americano dá a mesma importância que o europeu para o tema? Sim, isso está aumentando gradualmente. Além disso, eu diria que as questões institucionais são mais importantes para os investidores. É um processo gradual também, mas está se tornando cada vez mais importante e uma prioridade.


Raio-X

Martín Castellano Economista e chefe de pesquisas em América Latina do IIF (Instituto Internacional De Finanças), com sede em Washington. É mestre pela Universidade de Chicago e pelo Centro de Estudios Macroeconómicos de Argentina (Cema), de Buenos Aires. Foi também chefe de gabinete, vice-chefe de pesquisa econômica e conselheiro executivo do Banco Central da Argentina.

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