Governo muda sistema de metas de inflação após 24 anos e define alvo contínuo de 3%

Mudança no formato vale a partir de 2025 e substitui medição ao fim de cada ano

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Brasília

Os ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) anunciaram nesta quinta-feira (29) a decisão de mudar o sistema de metas de inflação vigente há 24 anos e estabelecer que o Banco Central deve perseguir seu objetivo de forma contínua, e não mais anual. Além disso, foi determinado que o alvo para a variação de preços será de 3%.

Com a mudança, o BC precisará buscar o patamar de inflação estabelecido sem se vincular ao chamado ano-calendário —como ocorre hoje. A meta será considerada cumprida se o indicador ficar entre 1,5% e 4,5% (considerando o intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou menos).

A mudança no horizonte vai valer a partir de 2025 e, segundo Haddad, foi uma "decisão de governo". O ministro disse que o CMN (Conselho Monetário Nacional) foi apenas comunicado sobre essa nova diretriz. O colegiado é formado por Haddad, Tebet e pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto —alvo preferencial das críticas do Executivo pelo nível atual dos juros.

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BRASÍLIA, DF, 14.04.2023 Fachada do Banco Central, BC. (Foto: Gabriela Biló/Folhapress) - Folhapress

"Essa decisão [sobre o sistema de metas] não cabe ao CMN. O que fiz hoje foi comunicar uma decisão de governo, que é de competência do presidente da República", disse Haddad.

Apesar da declaração, o ministro da Fazenda tentou por diversas vezes demonstrar que há indícios de concordância de Campos Neto com o novo sistema. Haddad citou declarações do presidente do BC de que a meta contínua seria mais "eficiente" do que o formato atual. Tebet disse também que não houve objeção da autoridade monetária. "Os votos foram por unanimidade."

Por outro lado, a escolha de 2025 como prazo inicial de vigência do novo formato coincide com o fim do mandato de Campos Neto (que se encerra em 31 de dezembro de 2024) e o início da gestão de um novo presidente do BC, que será escolhido no futuro pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

"Por que a partir de 2025? É quando começa o mandato de um novo presidente, decidimos alterar o regime para horizonte contínuo a partir dessa data", afirmou Haddad.

Lula ainda precisa editar um decreto para formalizar a mudança, mas o ato ainda não tem data para sair, pois depende de ajustes finais no desenho.

Até lá, o CMN continua assegurando metas anuais de inflação. Nesta quinta, o colegiado também fixou o objetivo a ser perseguido em 2026 —como manda a regra atual. O alvo será uma inflação de 3%, com intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou menos.

Desde o início do ano, Lula defendeu em diversas ocasiões uma revisão da meta para cima, na expectativa de que isso desobrigasse a autoridade monetária a persistir em uma política mais rigorosa de juros. As falas públicas do presidente criaram ruídos nas próprias expectativas para a inflação e alimentaram incertezas.

O anúncio de que a meta permanecerá em 3% mostra que a equipe econômica não atendeu a esses apelos do chefe do Executivo. "O presidente me deu carta branca para tomarmos a decisão que julgássemos mais conveniente para este momento", disse Haddad.

A avaliação, segundo o ministro da Fazenda, é que não teria sentido elevar a meta de inflação num momento em que os próprios agentes do mercado financeiro já projetam uma acomodação da variação de preços em patamar próximo à meta de 3%, transmitindo a mensagem de um país mais leniente com a corrosão do poder de compra da moeda.

A decisão sobre a meta e a futura mudança no sistema foi anunciada pouco depois das 17h, com o mercado financeiro ainda aberto, contrariando o próprio ritual habitual de anúncio dos votos do CMN.

Com foco na reunião do colegiado e na divulgação de dados positivos sobre a inflação, o Ibovespa subiu 1,45% nesta quinta, a 118.382, enquanto o dólar teve queda de 0,04%, praticamente estável cotado a R$ 4,84.

Nos mercados futuros, os juros tiveram forte queda. Os contratos com vencimento em janeiro de 2024 foram de 12,96% para 12,91%, enquanto os para 2025 caíram de 10,97% para 10,87%. Para 2026, a expectativa de juros foi de 10,34% para 10,25%.

"No final das contas, a alteração do regime não mexe na condução da política monetária, e a confirmação do alvo e bandas deverá gerar alívio nas expectativas longas", diz Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos.

Na avaliação de Leandro Petrokas, diretor de pesquisa da Quantzed, os juros ficaram "calmos" pois o risco que existia no mercado —que seria o CMN alterar a meta de inflação— foi eliminado. "Todos [do conselho] entenderam que não era o momento propício para isso. Esse cenário faz com que juros e dólar, que poderiam apresentar um movimento de estresse caso uma alteração fosse feita, fiquem sob controle", afirma.

Ao adotar um horizonte contínuo para cumprimento das metas, o BC deixa de mirar o índice de inflação do ano fechado para perseguir o alvo em um período móvel. Segundo Haddad, ficará a cargo da autoridade monetária definir em qual espaço de tempo ela buscará a convergência da inflação à meta, embora seja usual em outros países adotar o horizonte de 24 meses.

O ministro da Fazenda disse que a regra vigente não é "factível" e que a mudança de substituir o ano-calendário é "fundamental para o país" e uma "modernização necessária".

O sistema de metas para a inflação no Brasil foi instituído em 1999 com o objetivo de dar segurança à sociedade sobre os rumos da economia, evitando o risco de repetir a hiperinflação que atingiu o país na década de 1980 e no início dos anos 1990.

Pelas regras atuais, quando a inflação termina o ano fora do intervalo determinado, o presidente do BC precisa justificar os motivos em uma carta aberta endereçada ao ministro da Fazenda, detalhando como o problema deve ser resolvido. Desde sua criação, já foram escritas sete cartas —duas de autoria de Campos Neto.

No novo modelo, segundo Haddad, a prestação de contas "tende a ser mais frequente", mas o formato exato ainda não está fechado. O ministro prevê definir esse ponto com o BC e disciplinar o tema no decreto.

A norma vigente manda o CMN fixar as metas de inflação a serem buscadas pelo BC com três anos de antecedência. Seguindo o rito habitual, o colegiado anunciou nesta quinta o alvo de 2026. Os objetivos definidos previamente –de 3% para 2024 e 2025, com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos– foram mantidos.

A partir da alteração no sistema de metas, não será mais necessária uma reunião anual do CMN para escolher o alvo central da política monetária no período à frente. "Não tem mais obrigação de [o CMN] se reunir para decidir meta, a não ser que queira mudar", afirmou Haddad.

A meta de inflação serve para balizar as expectativas do mercado financeiro e vinha sendo reduzida a partir de uma decisão tomada pelo governo Michel Temer (MDB) em 2017.

Até então, o alvo era de 4,5% ao ano, com margem de tolerância de 2 pontos percentuais para mais ou menos. Em 2019, o objetivo central começou a cair em 0,25 ponto percentual ao ano até chegar aos 3%, em alinhamento com outras economias emergentes.

O debate sobre a modificação nas metas entrou no radar depois de Lula criticar publicamente os alvos fixados nos últimos anos –considerados por ele como muito baixos. Em abril, o petista chegou a dizer que "se meta de inflação está errada, muda-se a meta".

Diante da repercussão negativa no mercado financeiro, com uma piora nas expectativas e maior pressão sobre os juros–efeito reverso ao pretendido pelo governo petista–, a discussão sobre uma eventual alteração numérica perdeu força, e a possibilidade de uma mudança mais estrutural ganhou terreno.

Entenda o que muda no sistema de inflação

Como funciona hoje o sistema de metas de inflação?
O CMN (Conselho Monetário Nacional) —formado pelos ministros da Fazenda, do Planejamento e pelo presidente do Banco Central—, define uma meta de inflação a ser perseguida a cada ano pelo BC por meio da política de juros. O cumprimento desse objetivo é verificado com base na variação de preços entre janeiro e dezembro de cada ano —ou seja, segue o ano-calendário.

O que muda no sistema de metas de inflação?
A partir de 2025, o Banco Central terá de perseguir uma meta contínua para inflação, ao longo de um horizonte de tempo, sem se vincular a um ano-calendário fechado. Na prática, o BC pode definir um período mais amplo de tempo para buscar a convergência dos preços às metas. Um decreto presidencial ainda precisa ser editado para formalizar a mudança.

Qual será a meta de inflação de 2026?
Enquanto o decreto não é editado, o CMN precisa estabelecer até 30 de junho de cada ano o alvo a ser perseguido pelo BC três anos à frente. O colegiado definiu que, em 2026, a meta será de 3%, com intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos (de 1,5% a 4,5%, na prática).
Na prática, porém, quando o sistema mudar, o objetivo será de 3% de forma contínua, sem necessidade de novas confirmações anuais.

Como ficam as metas de inflação de 2024 e 2025?
Não haverá alteração nas metas de inflação definidas anteriormente. Ou seja, o centro da meta para 2024 e 2025 será de 3%, com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos.

Quem vai determinar o horizonte de cumprimento da meta?
De acordo com o ministro Fernando Haddad (Fazenda), o Banco Central irá definir em qual espaço de tempo buscará a convergência da inflação à meta de 3%. Mas o titular da pasta pondera que o horizonte de 24 meses é o prazo usual adotado em outros países.

Em que momentos o BC terá que se explicar por um eventual descumprimento da meta?
O formato ainda não está fechado e será definido em conjunto com o BC e, depois, formalizado por meio de decreto presidencial. Hoje, quando a inflação termina o ano fora do intervalo determinado, o presidente do BC precisa endereçar uma carta ao ministro da Fazenda no mês de janeiro para justificar o estouro e detalhar medidas para resolver o problema. Segundo Haddad, a prestação de contas "tende a ser mais frequente".

Por que o assunto atraiu tanta atenção?
O tema gerou grande repercussão depois que o presidente Lula (PT) criticou reiteradas vezes o patamar de juros e defendeu uma revisão para cima da meta de inflação na expectativa de que isso desobrigasse o BC de seguir uma política monetária mais rigorosa. Na maior parte do tempo de gestões anteriores de Lula, o centro da meta de inflação era de 4,5%.
Apesar dos apelos do petista, o CMN manteve o alvo central em 3%. Segundo Haddad, não faria sentido elevar o objetivo enquanto as expectativas de inflação convergem para a meta já estabelecida.

Na prática, o que muda?
Com uma atuação desvinculada do ano-calendário fechado, o Banco Central ganha mais flexibilidade no horizonte de tempo para perseguir seus objetivos. Na prática, a autoridade monetária pode definir um período mais amplo de tempo para buscar a convergência dos preços às metas. Há o entendimento de que a mudança apenas formaliza a maneira como o BC já conduz a política monetária atualmente, pois as decisões levam em consideração o comportamento da inflação em um horizonte mais amplo, de 18 a 24 meses.

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