IA no recrutamento: a sentença de morte do currículo?

Inteligência Artificial não é ferramenta nova na contratação, mas tem mudado a dinâmica das entrevistas de emprego

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Madhumita Murgia Anjli Raval
Financial Times

Os estudantes que se candidataram a empregos de pós-graduação neste verão podem aproveitar um novo treinador de entrevista pessoal. Se eles enviarem uma descrição do trabalho específico, poderão receber perguntas e respostas de entrevistas personalizadas e feedback sobre suas próprias respostas –tudo de graça.

O treinador, oferecido pelo buscador de empregos Adzuna, não é humano, mas um bot de inteligência artificial conhecido como Prepper. Ele pode gerar perguntas de entrevista para mais de 1 milhão de cargos ao vivo em grandes empresas, em setores que vão de tecnologia e serviços financeiros a manufatura e varejo.

Ilustração em vetor de um homem de perfil em frente ao computador. Na tela, imagem de uma cabeça com um cérebro artificial. Balões de fala saem do computador e do homem.
Candidatos a vaga de emprego podem treinar para a entrevista com um robô - artem/Adobe Stock

Para um trabalho de pós-graduação na prática atuarial da PwC, o chatbot gera perguntas como: "Quais habilidades você acha que um consultor atuarial deve ter?" e "Como você explicaria os conceitos atuariais para um cliente que não tem experiência em finanças?". Quando um usuário responde a uma pergunta, o Prepper gera uma pontuação de zero a cem e informa quais partes funcionaram bem e o que faltou.

Prepper faz parte de uma nova onda de chatbots alimentados por IA generativa –do ChatGPT a Bard e Claude. Os chatbots são treinados em grandes trechos de texto extraídos da internet, incluindo livros, jornais, blogs, vídeos e legendas de imagens. Eles podem produzir texto plausível e sofisticado que é geralmente indistinguível da escrita humana.

"Nos últimos 12 a 18 meses, foi uma loucura", disse Andrew Hunter, cofundador da Adzuna. "Claro que está muito na moda no momento, mas existem muitas ferramentas inteligentes [para auxiliar] no recrutamento e ajudar as pessoas a encontrar empregos com mais facilidade."

A IA não é uma ferramenta nova na contratação e na procura de emprego. Na última década, ela foi usada principalmente para tornar os processos mais eficientes e baratos para os empregadores –desde a busca por palavras-chave em currículos até a filtragem de entrevistas de candidatos em vídeo.

Mas as ferramentas generativas de IA estão reequilibrando a dinâmica de poder a favor dos candidatos. "Muitas das melhorias recentes que vimos na IA estão do lado do candidato", diz Tomas Chamorro-Premuzic, psicólogo organizacional e especialista em tecnologias de contratação. "Alguns anos atrás, os contratantes fingiam usar IA para parecerem modernos, mesmo que não usassem. Agora eles fingem não usar IA."

Quando Chamorro-Premuzic recentemente tentou contratar alguém para um cargo, perguntou a um candidato se tinha experimentado a IA generativa. "Ele disse: 'Se não fosse pelo ChatGPT, eu não estaria sentado na sua frente agora'." O currículo, a carta de apresentação e a inscrição foram todos escritos por IA.

Chamorro-Premuzic, que respeitou a honestidade e decidiu que valia a pena aceitar alguém com conhecimento tecnológico, contratou a pessoa. Outros estão menos entusiasmados, alertando que a IA pode sinalizar o fim do processo tradicional de candidatura a empregos.

"A IA generativa pode criar perfis muito bons –pode haver alguns erros, mas apenas o indivíduo os reconhecerá, não o empregador", diz Matt Jones, da empresa de tecnologia de recrutamento Cielo. "Isso levanta a questão sobre a relevância da revisão de currículos, cartas de apresentação e candidaturas, principalmente no início da carreira. Eu me pergunto se esta é a sentença de morte do CV."

Para graduados num mercado de trabalho cada vez mais competitivo, os chatbots são uma forma de lidar com um processo potencialmente avassalador. Ayushman Nath, aluno do segundo ano da Universidade de Cambridge, disse que muitos de seus colegas usaram o ChatGPT, o chatbot público lançado pela OpenAI, apoiada pela Microsoft, pedindo-lhe para escrever cartas de apresentação para empresas específicas. Ele conhece pessoas que avançaram nas primeiras rodadas ou conseguiram estágios usando cartas de apresentação e aplicativos escritos pelo ChatGPT.

"Pela minha experiência, é bom para pular as barreiras iniciais. As rodadas iniciais de filtragem não são personalizadas, parecem muito remotas e não humanas. Tudo é tão automatizado", diz Nath sobre os processos de recrutamento atuais.

Nath e seus colegas também foram submetidos a entrevistas em vídeo automatizadas, realizadas por provedores de tecnologia de recrutamento como a HireVue, que grava candidatos respondendo a perguntas predeterminadas, geralmente com um limite de tempo para cada resposta.

Às vezes as gravações são assistidas pelos gerentes de contratação do empregador; ou os algoritmos de IA da plataforma avaliarão o desempenho de cada candidato procurando palavras-chave na descrição do cargo.

A empresa ainda não lançou nenhum produto generativo de IA, mas sua principal cientista de dados, Lindsey Zuloaga, disse que sua equipe está testando ferramentas como chatbots para preparar entrevistas e extrair informações de entrevistas em vídeo.

"Esses sistemas são poderosos, mas também podem estar errados. Como podemos implementá-los com cuidado e foco ético?", disse ela.

Grace Lordan, economista da London School of Economics e diretora da The Inclusion Initiative, que estuda a diversidade em ambientes corporativos, disse que as empresas, principalmente os grupos de tecnologia, estão experimentando IA generativa para realizar entrevistas iniciais.

"Uma das maiores áreas de viés é, na verdade, a entrevista", afirmou ela. "É aí que entra o viés de afinidade das pessoas, ou viés representativo, que significa escolher pessoas que se parecem com outras na organização."

Entrevistas conduzidas por IA podem ajudar a remover esse viés, diz ela. "A IA generativa é bastante convincente como avatar. Usar a IA como mais um ponto de dados sério permitirá a resistência das máquinas [contra o viés humano]."

Mais empregadores também estão usando novos métodos de avaliação para ampliar o grupo de candidatos dos quais selecionam, em meio à escassez global de capacitação e mão de obra e à medida que pressionam para melhorar a diversidade.

Sistemas automatizados projetados para contratar uma força de trabalho mais diversificada podem encontrar candidatos que, de outra forma, seriam negligenciados devido a problemas de saúde, lacunas no emprego ou porque não possuem um diploma ou são de origem não tradicional.

ChatGPT é ponto de partida, não substituto, dizem especialistas

Mas, embora o ChatGPT seja um ponto de partida útil para uma carta de apresentação ou para conhecer o histórico de um potencial empregador, os recrutadores dizem que não é substituto para você mesmo escrever uma apresentação.

Nath, o estudante de Cambridge, disse: "As empresas estão procurando uma relação com as pessoas de lá, como contatar alguém da empresa ou uma informação que não está no site. E essas coisas só podem ser cultivadas por interações pessoais, não por modelos de IA".

Hunter, da Adzuna, concorda: "A advertência que eu daria aos candidatos a emprego é que a IA pode atuar como um bom copiloto, mas não deixe a tecnologia tentar fazer tudo por você. É uma tecnologia muito nova, vai gerar respostas padronizadas. Se você permitir que as interações iniciais com o empregador sejam totalmente executadas pela IA, não conseguirá fazer o trabalho".

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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