Descrição de chapéu refugiados mercado de trabalho

Refugiados viram empreendedores e aprendem profissões em busca de recomeço no Brasil

Palestino realizou sonho de abrir restaurante, venezuelano busca emprego e refugiada do Zimbábue quer voltar a cozinhar

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São Paulo

Quando chegou ao Brasil há quase dez anos, fugindo da guerra na Síria, o chef de cozinha Mazen Zwawe, 31, não sabia o que esperar. Primeiro, viajou para a Tailândia, mas sem conseguir entrar no país, teve de morar no aeroporto por oito dias; em seguida, tentou o Líbano, mas também não conseguiu ficar.

A cidadania palestina dificultava a entrada, até ele descobrir que o Brasil tinha aberto para refugiados. "No começo foi difícil aprender português, aprendi a falar sozinho, coloquei na cabeça que precisava e sem isso não ia realizar meu sonho, de abrir um restaurante", afirma Zwawe, que começou vendendo água em semáforos por alguns meses e também vendia pratos que cozinhava em casa.

O palestino Mazen Zwawe, em seu restaurante na Vila Madalena, com as bandeiras no salão do Brasil e Palestina (ao fundo).  Mazen é refugiado da Síria e veio para o Brasil há dez anos, foi vendedor ambulante e dono de barracas de comida árabe, ate conseguir abrir seu restaurante antes da pandemia
O palestino Mazen Zwawe, em seu restaurante na Vila Madalena - Eduardo Knapp/Folhapress

Em seguida, Zwawe montou barracas de venda de comida árabe na zona oeste de São Paulo, até realizar o sonho de abrir um restaurante, o Al Mazen, na Vila Madalena, onde emprega seis pessoas. Chegou a ensinar a fazer pratos regionais em um programa na TV Gazeta.

"Foi em 2019, logo depois veio a pandemia, que acabou atrapalhando os nossos planos. Montamos um delivery, mas não cobria toda a despesa. Agora, estou tentando recuperar o tempo perdido e honrar os empréstimos que ainda estou pagando, confio que tudo irá melhorar."

Após trazer o irmão para o Brasil, ele conseguiu a cidadania do país e chegou a visitar os pais na Síria duas vezes. "Penso em ficar no Brasil de vez, é o país que me recebeu e onde reconstruí a minha vida. Muita gente pensa na Europa, mas investi dez anos aqui e agora estou colhendo os frutos."

O dia 20 de junho foi designado pela ONU (Organização das Nações Unidas) como o Dia do Refugiado. O objetivo da data é relembrar a importância de incluir os refugiados nas comunidades onde eles encontraram segurança. "É a maneira mais eficaz de apoiá-los no recomeço de suas vidas e permitir que contribuam para os países que os acolhem", diz a Acnur, braço das Nações Unidas que cuida do tema.

De acordo com o relatório "Refúgio em Números 2022", do OBMigra (Observatório das Migrações Internacionais), a maior parte das pessoas que solicitou reconhecimento da condição de refugiado no Brasil em 2021 tinha nacionalidade venezuelana ou tinha a Venezuela como país de residência habitual.

Naquele ano, foram 22.856 solicitações do país vizinho (78,5%), em seguida, vêm as pessoas de nacionalidade angolana (1.952), do Haiti (794), Cuba (529) e China (345). A maior parte das solicitações vinha de homens (53,7%, ante 46,3% de mulheres) e sobretudo de pessoas com até 40 anos.

O venezuelano Larry Alexander de la Rosa, 49, veio viver no Brasil há quatro anos. "Nunca tinha pensado em morar aqui. Vim para cá sozinho, deixando minha mulher e minhas filhas lá, primeiro tinha tentado a vida no Peru e ainda não falava português."

Formado em publicidade, ele chegou a trabalhar em uma padaria e também como vendedor em uma loja de perfumes no Brasil. Atualmente, vive na zona leste de São Paulo, após conseguir trazer a mulher e a filha mais nova para o país. Sem emprego, de la Rosa faz um curso de agente de aeroporto, enquanto a filha se prepara para o vestibular. "Se ela passar para uma universidade pública, não vamos voltar."

A crise de 2015 e 2016 —e seus reflexos negativos sobre o mercado de trabalho— e o fechamento de empresas causado pela pandemia dificultaram o recomeço dos refugiados no Brasil.

Agora, o mercado de trabalho está relativamente estável, com a taxa de desemprego fechando o trimestre até abril em 8,5%, de acordo com a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua.

Para tentar minorar os efeitos das últimas crises, uma parceria entre a Acnur e a empresa de tecnologia para recrutamento e seleção Vagas auxilia pessoas refugiadas a elaborarem um currículo na plataforma.

Segundo a empresa, desde outubro passado, cerca de 150 pessoas vindas principalmente da Venezuela e do Afeganistão passaram pelo programa. Foram promovidas versões online e presenciais nas cidades de Boa Vista, Porto Alegre e São Paulo.

A construtora Tenda também mantém um programa de acolhida e empregabilidade de pessoas em situação de refúgio, em parceria com a AVSI Brasil (Associação Voluntários para o Serviço Internacional).

Segundo a construtora, são cerca de 70 colaboradores nessa condição. "Além da acolhida e vaga de trabalho, a empresa ajuda a pessoa culturalmente e socialmente, incentivando-a a estudar e crescer em carreira", diz a empresa, que planeja ter 250 acolhidos entre os colaboradores até 2025.

No período de 2011 a 2021, as principais nacionalidades que tiveram a condição de refugiado reconhecidas foram a venezuelana (48.789), a síria (3.682) e a das pessoas refugiadas com origem na República Democrática do Congo (1.078), segundo o relatório da OBMigra.

Aos 42 anos, Sibil (nome fictício) afirma que precisou deixar o Zimbábue e busca uma segunda chance. Ela diz que perdeu as contas de quantos conhecidos e vizinhos desapareceram por questões políticas e, por isso, decidiu deixar o país. Está no Brasil há cerca de três anos. "Fugir pela estrada para um país vizinho era bem difícil em 2020, escutávamos histórias de pessoas que eram violentadas e depois jogadas no rio. A vida era muito dura."

No país africano, ela diz que trabalhou como cozinheira em redes de hotéis e pretende fazer um curso de culinária brasileira, para voltar a atuar na área. Enquanto isso, trabalha como diarista e vendedora de roupas em uma calçada no Brás (região central de São Paulo).

Ela exibe com orgulho dois certificados, de corte e costura e de operadora de caixa, enquanto busca um emprego fixo. "Ainda não sou fluente em português, mas consigo entender bem. Eu me apaixonei pela comida brasileira, sua fartura e seus temperos, tenho muita esperança no futuro aqui."

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