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Lula não foi hostilizado em visita a polo automotivo de Goiana nem dentro da Bahia Farm Show

São enganosos dois vídeos que associam imagens do presidente a um áudio com gritos de 'vergonha' e 'ladrão'

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São Paulo

São enganosos dois vídeos que usam áudio com gritos de "vergonha" e "ladrão" sobre imagens do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na feira Bahia Farm Show e em polo automotivo em Pernambuco. Os dois vídeos circulam com o mesmo áudio, que não é o original em nenhum dos casos: tratam-se de montagens.

O evento na Bahia, realizado em junho, que contou com a participação do presidente na abertura, teve, de fato, manifestação contra o petista, como verificado pelo Projeto Comprova, mas ela aconteceu do lado de fora da feira, distante cerca de 500 metros de onde estavam Lula e sua comitiva. A informação foi confirmada pelo diretor-executivo da feira, que acompanhou a comitiva na ocasião, pela assessoria de imprensa do Bahia Farm Show e por três jornalistas que trabalharam na cobertura do evento.

Também é corroborada por vídeos publicados pela imprensa da visita do presidente à feira (SBT News) e por registros do protesto do lado de fora (Poder360). A partir de elementos comuns identificados nas imagens, o Comprova conseguiu mapear os locais dos acontecimentos e constatar, por meio do mapa da feira, que o ponto em que Lula aparece no vídeo enganoso não corresponde ao local onde foi registrado o coro de "ladrão".

Lula, de paletó azul e boné, está em palco falando para público em local fechado
O presidente Lula na Bahia Farm Show; protesto contra ele foi do lado de fora do evento - Ricardo Stuckert - 6.jun.2023/PR

É o que informa também a Folha em reportagem: "Não houve protestos ou hostilidades contra o petista dentro da feira. Do lado de fora, contudo, apoiadores de Bolsonaro se reuniram e fizeram coro de ‘ladrão’, mas não cruzaram com o presidente".

Em relação ao segundo vídeo, as imagens foram gravadas durante visita de Lula ao Polo Automotivo Stellantis de Goiana, em Pernambuco, na mesma data da abertura da feira. Ao contrário do que leva a crer a montagem, em vez de ser hostilizado, Lula foi ovacionado por funcionários da fábrica, que gritavam "Olê, olê, olê, olá, Lula, Lula".

Para chegar a essa conclusão, o Comprova comparou o vídeo investigado com outros do mesmo momento gravados pelo prefeito de Recife (PE), João Campos (PSB), e pelo deputado federal Túlio Gadêlha (Rede), que acompanhavam o presidente na visita. O evento também foi acompanhado pela TV Brasil, que fez, inclusive, uma transmissão ao vivo.

Em nota enviada ao Comprova, a assessoria de imprensa da Stellantis reforça que "em momento algum houve vaias ou manifestações agressivas ao presidente. Ao contrário: as manifestações foram extremamente afetuosas" e acrescenta: "O vídeo, portanto, sofreu edição de áudio que o alterou sua essência, manipulando a realidade dos fatos".

A Secretaria de Comunicação Social do Presidente da República também desmentiu o conteúdo do vídeo.

Enganoso, para o Comprova, é todo conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance

O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 13 de junho, o tuíte com o primeiro vídeo acumulava 296,8 mil visualizações; já o tuíte com o segundo vídeo alcançava 556,4 mil visualizações.

Como verificamos

Primeiramente, buscamos identificar o local em que o primeiro vídeo — no qual Lula aparece de boné em frente ao banner sobre agricultura familiar— havia sido gravado. A partir das pistas apresentadas pelo próprio vídeo, fizemos uma pesquisa no Google pelos termos "Lula", "agricultura familiar e inovação" e "boné do Banco do Brasil". Ao clicar na seção "imagens", encontramos uma notícia publicada pela Folha a respeito da presença do presidente no Bahia Farm Show. Procuramos, então, outras notícias a respeito.

Nesta reportagem do SBT News, é possível acompanhar imagens de Lula no evento no mesmo ponto em que o vídeo investigado foi gravado. Para identificar o local exato em que o presidente estava no momento da gravação do vídeo editado, procuramos novas pistas nas imagens feitas pela emissora.

O banner que aparece no vídeo enganoso atrás de Lula com a frase "Agricultura familiar e inovação" também pode ser encontrado na gravação feita pelo SBT. Como o ângulo é mais aberto, é possível observar que a tenda sob a qual está o presidente fica posicionada entre o espaço na feira destinado à Iropel e ao Centro de Treinamento da Abapa.

Depois, fizemos uma busca no Google e no Twitter por "Lula Bahia Farm Show" e "ladrão" na tentativa de encontrar imagens de protestos contra o presidente na ocasião. Deparamo-nos com outros vídeos publicados em redes sociais, nos quais o presidente não aparece, mas com gritos de "ladrão", como sendo no mesmo evento. Alguns chegaram a ser publicados pela imprensa (Poder 360) como sendo autênticos, sendo que um deles leva o mesmo áudio usado nos dois vídeos aqui verificados, com os termos "vergonha" e "ladrão".

Nesses outros vídeos, é possível constatar que o protesto ocorreu em outro espaço, junto a uma das bilheterias do evento, ao lado do Centro Administrativo do Expositor – Caex.

Com essas pistas, buscamos pelo mapa da feira, disponibilizado no site oficial do evento, para conferir se o local em que estava o presidente era próximo ao local onde houve a manifestação.

O quadrado para o qual a seta está apontada no mapa abaixo representa o estande em que o presidente Lula foi filmado, já a bilheteria onde aconteceu a manifestação contra ele fica do lado de fora do evento, junto ao Caex.

Em seguida, fizemos contato com três jornalistas que cobriram o evento. Também procuramos a assessoria de imprensa do Bahia Farm Show para confirmar o que constatamos na verificação do vídeo, além do responsável pela publicação do post enganoso.

Depois, partimos para a investigação do segundo vídeo, em que Lula aparece visitando uma fábrica de automóveis.

Uma busca nas redes sociais por vídeos postados entre os dias 6 e 7 de junho com as palavras "Stellantis", "Goiana", "Jeep", "Lula" resultou em publicações feitas de outros ângulos que mostram que, ao contrário do que o vídeo investigado faz parecer, a reação dos funcionários à presença de Lula na fábrica foi de exaltação.

Nas gravações do fotógrafo de Lula Ricardo Stuckert, do prefeito de Recife (PE), João Campos (PSB), do deputado federal Túlio Gadêlha (Rede) e nas que foram postadas por usuários do Twitter e Facebook (aqui e aqui), é possível ouvir as pessoas gritando "Olê, olê, olê, olá, Lula, Lula". Isso fez com que a equipe do Comprova desconfiasse que a versão original do vídeo era aquela que encontramos em postagens do Twitter (aqui e aqui) que não viralizaram, mas que continham no áudio a mesma frase.

Conseguimos provar essa hipótese ao comparar o vídeo investigado com um dos feitos por João Campos e por outro feito por Túlio Gadêlha. As gravações ocorreram no mesmo momento, mas de diferentes ângulos.

Também fizemos contato com a assessoria de imprensa do Polo Stellantis de Goiana, com a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República e com o responsável pela publicação do post enganoso.

Do lado de fora

O primeiro vídeo verificado pelo Comprova foi gravado no dia 6 de junho de 2023, na 17ª edição da feira de tecnologia agrícola e negócios Bahia Farm Show, realizada na cidade de Luís Eduardo Magalhães. Na ocasião, o presidente Lula esteve no evento pela manhã para participar da abertura da feira.

Segundo reportagem do portal G1, Lula chegou à Bahia às 9h50, no aeródromo da cidade, acompanhado da primeira dama, Janja Lula da Silva, e de seis ministros. Depois, seguiu para a feira. Um vídeo da comitiva, ao lado de outras autoridades e organizadores do evento, foi gravado sob uma tenda montada no Bahia Farm Show, ao lado do Centro de Treinamento da Abapa (Associação Baiana dos Produtores de Algodão).

Um áudio falso foi inserido sobre as imagens para sugerir que, durante a visita, manifestantes teriam gritado "vergonha" e "ladrão" diante do presidente, mas isso não é verdade. O diretor-executivo do evento, Alan Malinski, afirma ter acompanhado a comitiva de Lula e garante que o áudio é falso. "Não tinha público próximo."

A assessoria de imprensa do Bahia Farm Show confirmou que a feira ficou fechada durante todo o evento de abertura, por uma questão de segurança, por determinação do governo federal – o que também ocorreu na edição anterior durante a visita do então presidente Jair Bolsonaro.

Segundo a assessoria, houve, sim, uma "pequena manifestação" na data, mas ela aconteceu do lado de fora da feira, no acesso do Caex —entrada exclusiva para expositores—, a cerca de 500 metros da área onde ocorreu a abertura oficial do evento. "Portanto, as pessoas que estavam na entrada do Caex não tiveram nenhum contato com a comitiva do presidente ou com o local de abertura", diz a nota.

A informação também foi checada pelo Comprova a partir da comparação de vídeos nas redes sociais com imagens da cobertura jornalística da feira e o mapa do Bahia Farm Show, conforme informado acima.

Três jornalistas que trabalharam na cobertura da visita de Lula à feira negaram ter presenciado qualquer protesto diante do presidente dentro do Bahia Farm Show. Eles confirmam que houve manifestação do lado de fora do evento.

Um dos profissionais estava na sala de imprensa, montada perto do acesso dos expositores, e diz ter ouvido os gritos de "ladrão". "Por conta da chegada do presidente da República ao evento, a organização da feira demorou para abrir os portões de acesso aos expositores", relata. "Foi na entrada dos expositores que esse áudio (inserido em vídeo de Lula na feira) foi registrado. Existia uma aglomeração, eles estavam um pouco irritados porque estavam demorando para entrar na feira. Foi quando alguém gritou ‘Bolsonaro’ e depois vieram os gritos de ‘Lula ladrão’", afirma Vinicius Ramos, repórter do Canal Rural Bahia.

O mesmo relato foi publicado pela Folha nesta reportagem. "Não houve protestos ou hostilidades contra o petista dentro da feira. Do lado de fora, contudo, apoiadores de Bolsonaro se reuniram e fizeram coro de ‘ladrão’, mas não cruzaram com o presidente."

Ainda conforme reportagem do G1, Lula deixou Luís Eduardo Magalhães por volta das 13h30 com destino ao Recife, para visitar as instalações do Polo Automotivo de Goiana.

Visita a polo automotivo

O segundo vídeo de Lula, que circula com gritos de "ladrão", também foi feito no dia 6 de junho, no Polo Automotivo Stellantis, em Goiana, durante visita do presidente ao local. Trata-se do mesmo áudio usado na montagem anterior sobre as imagens do presidente na feira Bahia Farm Show.

Na verdade, os funcionários da fábrica estavam gritando "Olê, olê, olê, olá, Lula Lula". Isso fica evidente ao comparar o vídeo investigado com um dos vídeos gravados por João Campos. O prefeito de Recife estava no terceiro e Lula no primeiro carrinho do cortejo das autoridades dentro da fábrica, como mostra este vídeo

O momento do vídeo investigado foi capturado por Campos, no entanto, de outro ângulo, visto que ele estava mais atrás. Portanto, o coro de exaltação ao presidente que se escuta no vídeo do prefeito prova que a versão original do vídeo investigado é aquela na qual se ouve as pessoas gritando "Olê, olê, olê, olá, Lula Lula" (aqui e aqui) e que a versão que viralizou nas redes sociais, na qual os funcionários supostamente chamaram lula de ladrão, teve áudio inserido posteriormente, de forma enganosa.

As comparações feitas a seguir mostram que o vídeo investigado e o de João Campos capturaram o mesmo momento.

A reportagem também solicitou ao deputado federal Túlio Gadêlha, que, no vídeo enganoso, aparece sentado na parte de trás do mesmo veículo do presidente com o celular em mãos, a gravação feita por ele naquele momento.

Comparando as imagens enviadas pela assessoria de imprensa do parlamentar, foi possível constatar objetos em comum na cena, o que nos permite afirmar que as gravações, de ângulos diferentes, foram feitas no mesmo momento.

A própria assessoria de imprensa da Stellantis desmentiu o áudio do vídeo enganoso, assim como a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República.

O que diz o responsável pela publicação

A reportagem mandou uma mensagem privada no Twitter para o perfil que obteve milhares de visualizações nas postagens dos vídeos enganosos, mas não obteve retorno até a publicação desta checagem.

O que podemos aprender com esta verificação

Algumas pistas no próprio vídeo podem indicar quando um conteúdo sofreu esse tipo de manipulação. Procure observar com atenção. Por exemplo, nos vídeos verificados, Lula agia naturalmente e estava sorrindo, reação diferente da esperada caso o presidente estivesse mesmo sendo alvo de xingamentos.

Ao suspeitar do vídeo compartilhado, busque informações sobre o evento em questão, caso ele seja citado no post. Confira a cobertura feita pela imprensa e acesse os canais oficiais do governo ou dos políticos que aparecem na cena.

Por que investigamos

O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984. Sugestões e dúvidas relacionadas a conteúdos duvidosos também podem ser enviadas para a Folha pelo WhatsApp 11 99486-0293.

Outras checagens sobre o tema

O Aos Fatos a AFP também constataram que Lula não foi hostilizado durante visita à fábrica automotiva em Pernambuco.

O Comprova já checou outros conteúdos que viralizaram nas redes sociais envolvendo o presidente. Recentemente, mostrou ser falso que Biden tenha convocado Congresso por falas de Lula em apoio à Venezuela e que o petista tenha reconduzido Nestor Cerveró a cargo na Petrobras.

A investigação desse conteúdo foi feita por Grupo Sinos e Estadão publicada em 14 de junho pelo Projeto Comprova, coalizão que reúne 41 veículos na checagem de conteúdos virais. Foi verificada por Folha, O Popular, AFP e Plural Curitiba.

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