Fitch melhora nota de crédito do Brasil e cita desempenho econômico acima do esperado

País fica a dois passos de voltar a ter grau de investimento, perdido em 2015

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São Paulo

A agência de classificação de risco Fitch elevou a nota de crédito soberano do Brasil de BB- para BB nesta quarta-feira (26), mantendo a perspectiva do rating estável.

Segundo a Fitch, a decisão reflete um desempenho macroeconômico e fiscal melhor que o esperado, além da agenda de reformas colocada em prática durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT ), com o avanço da Reforma Tributária e do arcabouço fiscal no Congresso. Também pesaram na reavaliação da agência a reforma da Previdência e a independência do BC (Banco Central).

"O Brasil alcançou progresso em importantes reformas para enfrentar os desafios econômicos e fiscais", diz a Fitch em relatório.

Logo da agência Fitch em seu escritório em Londres, Reino Unido - Reinhard Krause - 3.mar.2016/Reuters

O texto avalia que, embora o governo Lula defenda uma mudança na agenda econômica liberal dos governos anteriores, o presidente adotará uma abordagem pragmática em vez de intervencionista, com uma agenda que inclui iniciativas para impulsionar o investimento privado.

A agência diz ver como improvável grandes reversões de reformas liberais dos últimos anos, como a trabalhista e a privatização da Eletrobras, até por causa dos freios impostos pelo Congresso.

De acordo com a Fitch, a Petrobras e o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) estão adotando mudanças moderadas em suas estratégias corporativas, que provavelmente não reacenderão as distorções que prejudicaram o desempenho econômico no passado.

Segundo o relatório, o presidente Lula tem conseguido garantir a governabilidade e avançar em sua agenda política. "As tensões políticas persistem, mas não culminaram em resultados econômicos ou políticos adversos e refletem o funcionamento eficaz dos freios e contrapesos".

Ex-presidente do Goldman Sachs no Brasil e atualmente sócio sênior da Seneca Evercore, Daniel Wainstein analisa que a mudança de nota mostra que o governo Lula está conseguindo "aproveitar a 'lua de mel' que governos possuem em início de mandato com o Congresso para aprovar medidas importantes".

Em 2018, durante o governo de Michel Temer (MDB), a Fitch tinha rebaixado a nota de crédito do Brasil para BB-, num momento em que o país passava por déficit fiscal, crise nas contas públicas e fracasso em aprovar a reforma da Previdência.

Na decisão desta quarta, a agência citou medidas como o avanço do novo arcabouço fiscal e da Reforma Tributária no Congresso como um desdobramento positivo para a nota de crédito do Brasil.

Na avaliação da agência, a Reforma Tributária aborda um dos maiores gargalos do Brasil no que se refere à competitividade da economia. "[A Reforma Tributária] visa simplificar o sistema altamente complexo e eliminar as distorções que alimentam a má alocação de capital."

O Ministério da Fazenda disse que a decisão da agência corrobora os esforços empreendidos pelo governo para fortalecer o ambiente econômico e promover a consolidação fiscal.

A pasta reiterou o compromisso com a agenda de reformas em curso para levar ainda à redução das taxas de juros e à melhoria das condições de crédito e assegurar a estabilidade dos preços.

Para Luiz Fernando Figueiredo, presidente do conselho de administração da gestora Jive Investments e ex-diretor do BC, a decisão da Fitch vem na esteira de um esforço grande do governo, capitaneado pelo Ministério da Fazenda, de ampliar as receitas e reduzir o déficit fiscal.

"É todo um ambiente que está melhorando por conta de várias coisas", diz, citando, além da Reforma Tributária e do arcabouço fiscal, as projeções mais otimistas dos investidores para o desempenho da atividade econômica e da inflação.

Segundo ele, o receio que havia entre os agentes financeiros de uma reversão da política de reformas dos governos anteriores diminuiu ao longo do primeiro semestre.

A elevação do rating do Brasil pela Fitch vem pouco mais de um mês depois que outra agência de classificação de risco, a S&P, mudou a perspectiva para a nota de crédito do Brasil, atualmente BB-, de estável para positiva, também citando sinais de maior certeza sobre a estabilidade da política fiscal.

Já a Moody´s tem nota Ba2 com perspectiva estável para o Brasil. Todas as notas, no entanto, seguem abaixo do chamado grau de investimento, que indica baixo risco de calote.

Para o economista-chefe do Banco Master, Paulo Gala, as melhoras nas notas de crédito do Brasil já eram de certa forma esperadas. "Isso já estava no radar. Os preços de mercado já mostravam isso, com a Bolsa na máxima do ano, a 122 mil pontos, o dólar na mínima do ano, a R$ 4,74, e as taxas de juros futuros longos também na mínima", diz.

Segundo ele, as agências de classificação de risco costumam ficar "atrás da curva", apenas sancionando o que já está explícito nos preços de mercado, ou seja, na forma como os investidores estão enxergando a política econômica e a organização das contas públicas dos países.

Além do ambiente doméstico, Gala chama atenção para a influência do mercado externo no Brasil. "O cenário internacional deu uma bela aliviada, com as bolsas americanas na máxima, o dólar perdendo valor lá fora também. Então, é um contexto bem mais propício para os países emergentes", explica.

Com a elevação desta quarta pela Fitch, o Brasil está a dois degraus para alcançar novamente o selo de grau de investimento, que perdeu em 2015.

Para o investidor internacional, a nova nota ainda significa que o Brasil tem um grau especulativo de investimento. "Mas sintetiza um pouco da melhora que a gente tem em relação ao compromisso do Brasil com relação às suas contas", afirma Pedro Wilson Domingues, sócio da Nexgen Capital.

Na visão de analistas do Goldman Sachs, para retomar o grau de investimento, o Brasil precisaria passar por mais reformas estruturantes, além de adotar políticas macro e microeconômicas, bem como mudanças regulatórias que apoiem os investimentos, fomentem o crescimento da produtividade e estabilizem a dinâmica da dívida pública.

A Fitch afirmou que a posição fiscal do país está se deteriorando, mas espera que as novas regras fiscais e as medidas tributárias ancorem uma consolidação gradual. A agência ainda projeta uma alta da relação entre dívida e PIB, porém, a um ritmo mais lento e partindo de um ponto inicial muito melhor do que estimado anteriormente.

Fitch também aumenta perspectiva do PIB

A agência também elevou a perspectiva para o crescimento econômico do Brasil neste ano para 2,3%, forte melhora ante a expansão de 0,7% prevista antes.

A avaliação é de que o consumo esfriou com a política monetária apertada, mas continua sustentado por um mercado de trabalho forte, gastos fiscais e crescimento contínuo do crédito.

Para 2024, espera uma desaceleração para 1,3%, com uma normalização da produção agrícola.

Segundo o economista André Perfeito, a melhora da nota pela Fitch, a desaceleração da inflação e os avanços da Reforma Tributária e do arcabouço fiscal abrem espaço para que o BC inicie o ciclo de redução dos juros com uma queda de 0,50 ponto percentual no próximo dia 2 de agosto.

A expectativa do mercado até alguns dias atrás era de uma redução de 0,25 ponto percentual na semana que vem, mas os dados de inflação do IPCA-15 divulgados nesta terça (25) contribuíram para que aumentassem as apostas por um corte mais agressivo dos juros.

No mercado de juros futuros, que embute a expectativa dos agentes financeiros para os rumos da política monetária, o dia foi de queda para os contratos de curto prazo. O título com vencimento em janeiro de 2024 recuou de 12,64% na véspera para 12,61%, enquanto o papel para 2025 cedeu de 10,64% para 10,60%.

Já o dólar fechou o pregão em queda e renovou as mínimas em mais de um ano. A moeda norte-americana encerrou os negócios em baixa de 0,44%, a R$ 4,7280 na venda, no menor patamar desde 20 de abril de 2022 (R$ 4,619).

Na Bolsa de Valores, o Ibovespa engatou a quinta alta seguida e subiu 0,45%, aos 122.560 pontos, no maior patamar desde 9 de agosto de 2021 (123.019 pontos).

ENTENDA O QUE SÃO AS CLASSIFICAÇÕES DE RISCO E O QUE É GRAU DE INVESTIMENTO

Grau de investimento é uma condição atribuída por agências internacionais de classificação de risco a papéis, empresas ou países para definir que se trata de um investimento seguro —ou seja, com baixo risco de calote.

As três agências risco de maior visibilidade no mundo são a Standard & Poor's, a Moody's e a Fitch Ratings.

As notas de crédito têm impacto sobre o custo da dívida de empresas e países. Quanto melhor a classificação, menor tende a ser o desembolso com os juros dos financiamentos, e vice-versa.

Para investidores estrangeiros, a avaliação das agências serve como termômetro para saber se a remuneração de um papel está adequada ao risco do investimento.

As notas de crédito também são importantes para os fundos: muitos deles são impedidos de aplicar em papéis sem grau de investimento. Se um emissor de dívida (país ou empresa) é rebaixado, esses fundos são obrigados a tirar os títulos com grau especulativo da carteira.

As empresas de avaliação de risco são contratadas para fazer essa análise, que é uma opinião.

Apesar disso, argumentam que, mesmo sendo atribuída mediante encomenda de agentes financeiros, a nota de risco é uma avaliação independente e confiável porque há preocupação com a credibilidade da própria agência.

Vale destacar, porém, que, na quebra do mercado imobiliário americano que esteve no epicentro da crise global desencadeada em 2008, papéis do setor que se mostraram "ativos podres" tinham nota máxima das agências de classificação de risco com grau de investimento.

Com Reuters

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