Descrição de chapéu Financial Times

Por que americanos ricos estão controlando os gastos supérfluos

Famílias de alta renda cortam despesas à medida que a inflação e um mercado imobiliário fraco cobram seu preço

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Silin Chen Andrew Edgecliffe-Johnson
Financial Times

Gene Gau sentou com seu notebook no final de uma longa mesa na loja Herman Miller, no Meatpacking District de Manhattan, numa tarde desta semana. Durante meia hora, o designer da marca de móveis de luxo não viu clientes, exceto por um homem que ocupou brevemente uma de suas espreguiçadeiras mais vendidas, de US$ 8 mil (R$ 37,8 mil), e depois foi embora.

Do outro lado da rua, a mesma história acontecia no loja de mobiliário RH, de 8 mil metros quadrados. Apenas uma dúzia de compradores podiam ser encontrados navegando pelos caros artigos espalhados por cinco andares do imóvel comercial de luxo.

Em todos os Estados Unidos, empresas que atendem a famílias que podem pagar US$ 12 mil (R$ 56,7 mil) por um sofá ou US$ 4 mil (R$ 18,9 mil) por uma mesa de centro estão relatando um fenômeno semelhante: os americanos mais ricos estão controlando seus gastos supérfluos.

Shopping de luxo em Hudson Yards, em Manhattan, Nova York - Spencer Platt - Getty Images via AFP

A MillerKnoll, empresa controladora da Herman Miller, alertou este mês sobre os desafios econômicos, incluindo taxas de juros mais altas, baixos níveis de confiança do CEO e do consumidor e "complicações" da crise bancária regional no início do ano. Mas a preocupação vai além dos móveis.

As ações da Leslie's caíram mais de 40% na semana passada, depois que a maior vendedora de suprimentos para piscinas e banheiras de hidromassagem do país citou clientes cada vez mais sensíveis aos preços como um fator que arrasta suas vendas para muito aquém das expectativas. As remessas de veículos recreativos caíram quase 50% nos primeiros cinco meses de 2023.

Tais relatos parecem se chocar com a imagem de um consumidor americano mais confiante que surge de relatórios neste verão. Em julho, a confiança do consumidor dos EUA aumentou pelo segundo mês consecutivo, saltando para seu nível mais alto desde setembro de 2021, enquanto as políticas de aumento de juros do Federal Reserve esfriavam a inflação.

Os americanos mais ricos também estão impulsionando uma recuperação nos gastos do consumidor. Uma análise da empresa de dados Morning Consult descobriu que os gastos dos assalariados de renda média e alta aumentaram 23% e 31%, respectivamente, desde seu ponto mais baixo em março.

"No início do ano, quando tivemos demissões em tecnologia e preocupações com a estabilidade do setor bancário, foi o grupo de alta renda que se retraiu um pouco mais", disse Kayla Bruun, economista sênior da Morning Consult. Seus gastos se recuperaram rapidamente, disse ela, mas foram em férias, e não em roupas.

Uma realocação dos gastos de bens para serviços esteve visível na maioria das faixas de renda conforme os Estados Unidos emergiam das restrições da pandemia. Mas, para os americanos mais ricos, essa mudança significou que parte de seus gastos mudou das butiques de Manhattan para as de cidades europeias como Milão, disse Federica Levato, sócia sênior da consultoria Bain & Company.

"A Europa agora está cheia de turistas americanos", disse ela. "O consumidor americano está comprando em outro lugar."

As despesas dos americanos de renda mais alta com hotéis e passagens aéreas dispararam nos últimos meses, constatou a Morning Consult, superando seus gastos com outras coisas.

Os ricos podem pagar passagens aéreas mais caras, "mas mesmo os ricos, até certo ponto, têm orçamentos limitados", disse Neil Saunders, diretor administrativo da GlobalData Retail: "A inflação está começando a cobrar seu preço" em uma faixa de consumidores antes resilientes.

As famílias que ganham mais de US$ 100 mil por ano estão mais protegidas da inflação do que a maioria, observou Bruun, "mas ainda precisam comprar gasolina". As pesquisas da Morning Consult mostraram que, mesmo nessa faixa de renda, o número de americanos que dizem ser capazes de aumentar suas poupanças vem caindo desde meados de 2021.

Supermercado em Nova York - Andrew Kelly - 10.jun.2022/Reuters

Empresas como a RH apontaram para um mercado imobiliário de luxo enfraquecido pelo aumento das taxas de juros. As vendas de itens como banheiras de hidromassagem "estão ligadas à atividade imobiliária e à construção de moradias, e vimos uma retração nos EUA", observou Lydia Boussour, economista sênior da EY-Parthenon. A construção de novas moradias caiu 8% em junho em relação ao mês anterior.

O impacto está sendo sentido desde os varejistas de eletrônicos de ponta até as principais lojas de departamentos. A Bang & Olufsen, cujos sistemas de alto-falantes podem custar até US$ 120 mil (cerca de R$ 570 mil), disse este mês que a incerteza econômica está tornando seus revendedores mais cautelosos ao reabastecer seus estoques.

Essa cautela era visível nas lojas de departamentos, disse Saunders. "Elas estão comprando um bom nível de estoque, mas estão realmente sendo cuidadosas sobre onde fazem suas apostas."

Varejistas sofisticados, como Coach e Nordstrom, relutam em comprometer suas marcas com descontos muito agressivos, acrescentou Saunders, mas estão se certificando de disponibilizar itens mais acessíveis "para que, quando as pessoas entrarem na loja, talvez comprem uma carteira ou algo razoavelmente pequeno, em vez de uma bolsa".

As empresas que se saíram bem no início da pandemia agora acham difícil superar seu sucesso anterior. As vendas de artigos para o lar "tiveram um boom fantástico nos anos de pandemia, e parte da demanda se manteve", disse Saunders, à medida que os consumidores gastavam suas economias extras atualizando as propriedades onde muitos deles começaram a trabalhar pela primeira vez.

A mudança pandêmica em direção ao trabalho remoto gerou um salto de 60% nas receitas da MillerKnoll para o ano até maio de 2022, por exemplo. Mas "desde 2022, as vendas vêm caindo em comparação", disse Gau na silenciosa loja Herman Miller em Manhattan. "Os últimos trimestres foram lentos, e este verão está menos movimentado do que o anterior", acrescentou.

Esse fator, juntamente com taxas mais altas, custos elevados de empréstimos e acesso mais limitado ao crédito, leva Boussour a acreditar que a retração nos gastos supérfluos dos americanos mais ricos vai perdurar até 2024.

"São bens duráveis", disse ela. "Você só pode ter uma piscina no seu quintal."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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