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Trabalhar no setor público pode ser emocionante para geração Z, diz pesquisador austríaco

Professor, que atua em conceituada escola de gestão pública na Alemanha, questiona terceirizações e Estados menores

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Berlim

Por oferecerem carreiras mais flexíveis e autônomas, menos expostas a questões hierárquicas e com bons ambientes de trabalho, governos podem ser atrativos para o trabalho de jovens da geração Z, avalia o pesquisador e professor em gestão pública Gerhard Hammerschmid, 53.

Diretor do Centro de Governança Digital na Hertie School, de Berlim, na Alemanha, uma das mais conceituadas escolas de políticas públicas da Europa, o especialista austríaco puxa debates sobre inovação, qualidade e futuro no setor público em várias partes do mundo.

Um homem branco, de cabelos grisalhos e óculos com armação redonda, sorri para a câmera. Ele usa paletó escuro e camisa azul clara
Gerhard Hammerschmid, 53, professor de gestão pública e financeira e diretor do Centro de Governança Digital na Hertie School, de Berlim, na Alemanha - Divulgação

Hammerschmid discute a relação entre tamanhos dos Estados e os reflexos disso para a população, e diz que não é possível presumir automaticamente que estruturas menores levaram a melhores resultados.

Segundo o professor, em governos locais da Europa há uma tendência de reverter a terceirização de setores do funcionalismo, após a constatação de que terceirizar nem sempre é o mais econômico. Além disso, afirma, é importante manter o conhecimento e a expertise dentro do setor público.

O sr. expõe que países com alta qualidade de vida, como os escandinavos, também dispõem de grande estrutura de serviços públicos. A lógica não são Estados menores?
A pergunta mais importante deveria ser o que o Estado pode contribuir, que tipo de serviços ele pode oferecer. Em segundo lugar, pensar quão grande o Estado precisa ser, em vez de, automaticamente, pensar que ele precisa ser pequeno. Essa é uma percepção muito, muito perigosa.

O serviço público ainda precisa de pessoas para funções como limpeza e conservação?
A partir dos anos 1990, houve a ideia de terceirizar vários setores como uma nova forma moderna de gestão pública, mas estamos vivendo uma espécie de reversão dessa tendência. Nem sempre é automaticamente mais barato terceirizar, como se pensava. Sempre depende do tipo de serviço. Antes, a ordem era terceirizar tudo na área digital; agora, percebemos o quão importante é manter e ter esse conhecimento.

Governos locais aqui na Europa estão começando a reintegrar atividades como gestão de resíduos e a infraestrutura de água. Os Estados não estão se tornando menores, mas sim mantendo o mesmo tamanho, senão crescendo ainda mais. O setor privado não é automaticamente a melhor solução, eles têm que provar isso com base no desempenho. Normalmente, querem obter lucro, mas o governo não precisa de lucro.

Berlim tinha um grande patrimônio imobiliário, muitos prédios e moradias. Venderam tudo, e, agora, percebemos que temos um mercado que está totalmente fora de controle. O governo está recomprando casas para oferecer moradias públicas a um preço justo e acessível novamente.

Países que possuem mais propriedade governamental e uma participação maior do governo estão se saindo muito melhor do que os outros. Os países escandinavos são um exemplo maravilhoso. Eles têm a melhor qualidade de vida e satisfação mais alta de seus cidadãos. Eles estão economicamente bem e possuem setores governamentais muito grandes.

No Brasil, o serviço e os servidores públicos ainda são vistos com muita desconfiança. Como mudar isso?
A percepção sobre os funcionários públicos, geralmente, não é a mais positiva, mas o que também é muito importante é ter mais evidências sobre isso. Muitas vezes, existe um clichê. As pessoas que têm a avaliação mais negativa são aquelas que não conhecem diretamente o serviço público. As pessoas que têm contato direto, seja no hospital ou na administração, porque precisam de algo ou recebem algum tipo de suporte, costumam ter uma avaliação muito mais positiva.

Como o setor público vai conseguir atrair a geração Z, que tem outra forma de entender o trabalho, para os seus quadros?
É um grande debate e também é um dos maiores desafios. Tivemos uma maneira específica de empregar que funcionou nos últimos 20, 50, 100 anos. As pessoas faziam um concurso, entravam muito jovens no serviço público e iam subindo de cargo. Mas as novas demandas da geração atual são muito diferentes. Eles esperam mais flexibilidade e autonomia. Eles não gostam de hierarquias. Eles querem ter a liberdade de experimentar coisas novas. Eles não valorizam tanto o emprego vitalício. Para eles, é mais importante ter impacto, fazer algo significativo. É isso que precisamos oferecer, formatos de trabalho não hierárquicos e flexíveis, onde as pessoas possam ter impacto e realizar um trabalho significativo.

Mas já há algo concreto sendo feito?
Muitos governos têm tido iniciativas para se posicionar melhor em relação aos jovens e para conscientizar o público de que são empregadores interessantes e atrativos. O argumento clássico é o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, a segurança do emprego, um bom ambiente de trabalho, que são coisas que a geração atual, conforme apontam as pesquisas, valoriza mais que as anteriores.

Muitas coisas ainda precisam mudar, como haver menor pressão hierárquica, espaços de debate e de experimentação, flexibilidade para poder experimentar coisas em diferentes áreas. O trabalho precisa ser emocionante e isso pode acontecer dentro do setor público.

Que critérios são importantes para medir a eficiência de um servidor público?
A inter-relação entre supervisor e funcionário é muito importante para ter uma compreensão compartilhada do que é um bom trabalho, um bom desempenho. É necessário ver os supervisores como treinadores, ajudando a realizar um bom trabalho, auxiliando no desenvolvimento de competências e oferecendo treinamento.

As pessoas podem precisar de apoio em algum momento, talvez uma tarefa não seja adequada para determinado funcionário e se deve encontrar algo diferente para ele desenvolver. É muito complexo e difícil avaliar o desempenho individual em um ambiente governamental. É claro que se estivermos lidando com uma tarefa orientada para resultados, é possível ter parâmetros para medir o sucesso e avaliar melhor o desempenho. Mas, se pensarmos em uma função governamental central de assessoria política, como avaliar se foi boa ou ruim?

Pontualidade e assiduidade são indicadores de eficiência?
A taxa de absenteísmo, geralmente, é um indicador de satisfação. Se não há absenteísmo, as pessoas, geralmente, trabalham melhor. Elas estão mais engajadas, mais comprometidas. Se a taxa de absenteísmo for muito alta, isso seria um indicador de alerta, mas precisamos de mais evidências para medir isso.

Já vi ministérios e unidades em organizações onde a liderança era muito boa e a taxa de absenteísmo diminuía significativamente. Em outras, onde a liderança era ruim, o absenteísmo era muito mais alto. É algo que pode ser moldado e a liderança pode influenciar.

Mas também gostaria muito de ter mais pesquisas de satisfação dos funcionários ou pesquisas de engajamento, como são feitas nos Estados Unidos e no Reino Unido, regularmente, para entender como estamos tratando o serviço e o servidor público.


Raio-X

Gerhard Hammerschmid, 53 anos

É professor de gestão pública e financeira e diretor do Centro de Governança Digital na Hertie School, em Berlim, na Alemanha. Pesquisa, entre outros temas, reforma da gestão pública, gestão de desempenho do setor público e digitalização em governos. Também atua como Diretor Acadêmico no Institut für den öffentlichen Sektor e.V. e é coordenador de projetos de pesquisa financiados pela União Europeia sobre inovação no setor público e transformação digital. Hammerschmid coordenou uma reestruturação e reforma administrativa no governo federal da Áustria.

O jornalista Jairo Marques viajou a Berlim a convite da República.org e do Fonacate (Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas do Estado)

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