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Aluguel caro força europeu a dormir na casa dos pais e em van

Mercado aquecido é agravado pelo aumento do custo das hipotecas, que afasta os compradores

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Akila Quinio
Londres | Financial Times

Marianne B. e seu parceiro eram proprietários de um apartamento em Paris havia sete anos, mas decidiram comprar um maior quando seu segundo filho nasceu. Eles descobriram o apartamento perfeito por um preço que cabia em seu orçamento.

Mas então eles falaram com os credores –e decidiram mergulhar novamente no mercado de locação. A razão: o custo do crédito.

"Um empréstimo de 800 mil euros nos custaria 500 mil euros [em juros], em comparação com 50 mil euros para 500 mil euros em 2019", disse Marianne, que não quis divulgar seu nome completo. "Simplesmente não faz sentido. Teremos que recorrer a um aluguel novamente."

Quatro prédios prédios residenciais em Lisboa, cidade onde o preço dos imóveis disparou nos últimos cinco anos, vistos através de uma grade. O céu está azul e os edifícios são coloridos.
Prédios residenciais em Lisboa, cidade onde o preço dos imóveis disparou nos últimos cinco anos - Pedro Nunes/Reuters

Assim como a família de Marianne, muitos europeus estão sendo forçados a alugar casas, uma vez que os elevados custos dos empréstimos, os requisitos de renda e a necessidade de grandes depósitos tornam inviável comprar casas. Mas eles estão ingressando num mercado já aquecido.

Os aluguéis em cidades europeias como Londres, Paris e Berlim estão no nível mais alto já registrado; os locatários estão sentindo o aperto, desde as ilhas gregas até Talin, na Estônia. À medida que mais compradores da classe média são forçados a permanecer em casas alugadas, essa pressão extra no mercado aumenta os custos para os inquilinos com renda mais baixa nos locais procurados.

Alguns foram levados a soluções que vão de morar em vans até desenvolver plug-ins de internet para ajudar a encontrar casas desejáveis. No entanto, existem poucas soluções alternativas; a superlotação está piorando, e a escassez de habitações mantém milhões de jovens na casa dos pais, moldando suas vidas até à idade de terem seus próprios filhos, ou mais.

A alta dos preços em Londres levou Emily, uma artista visual de 29 anos, a dormir no sofá da irmã todas as semanas, de segunda a quinta-feira. Nos finais de semana ela dorme num quarto que é alugado para outra pessoa no resto dos dias.

"Não consigo bancar o pagamento de mais de 1.000 libras [por mês] por um quarto, especialmente se não for para uma hipoteca", disse ela. "Você está apenas pagando para existir, e nem mesmo pode aproveitar totalmente o que a cidade tem a oferecer, porque está só tentando manter um teto sobre sua cabeça."

Paul Tostevin, chefe de pesquisa mundial da agência imobiliária Savills, afirmou: "Os aluguéis estão aumentando em toda a Europa diante da oferta limitada e da forte procura por parte dos locatários nacionais, dos inquilinos internacionais que se deslocam para trabalhar e estudar e dos potenciais compradores que recorreram ao mercado de locação devido às altas taxas de juros".

O aumento das taxas aumentou os custos para os que sobem na escala da habitação, tornando essa transição ainda mais difícil.

Embora as rendas médias em alguns países europeus tenham caído nos últimos anos, o custo da habitação nos centros de emprego e nos centros turísticos continua a atingir novos picos. Mas a escassez de moradias está deixando essas áreas incapazes de satisfazer a procura; no final, isso significa que o número de pessoas sem-teto está aumentando.

"Se eu tiver que dar uma explicação sobre isso em uma palavra, é esta: oferta", disse Boris Cournède, chefe interino de economia pública da OCDE. Yolande Barnes, professora do Bartlett Real Estate Institute do UCL (University College London), disse: "Essas cidades são vítimas de seu próprio sucesso".

As populações estão se urbanizando em longo prazo, uma tendência crítica subjacente, mas a pandemia criou bolsos localizados de procura insaciável em cidades e bairros específicos. Rennes e Marselha, na França, estão entre os lugares que registraram um maior interesse desde o início da pandemia, à medida que os inquilinos procuram viver mais perto de espaços verdes ou à beira-mar para melhorar sua qualidade de vida.

"Durante a pandemia, todos ficaram muito conscientes de que o lar não para nas quatro paredes", disse Barnes.

Os governos têm procurado conter as despesas básicas de suas populações, depois do aumento dos custos de energia, alimentação e outros custos essenciais nos últimos anos, juntamente com os custos da habitação. Mas as tentativas de controlar estes últimos podem ser contraproducentes.

Lisboa registrou um dos aumentos mais rápidos nas rendas nos seis meses até junho, mostram os dados da Savills, em parte porque as políticas anunciadas de controle dos aluguéis levaram alguns proprietários a aumentá-los preventivamente. Em Berlim, o limite máximo dos aluguéis foi derrubado judicialmente há dois anos, mas outros controles de locação em algumas propriedades significam que seus residentes se beneficiam de preços baixos para casas espaçosas, enquanto os recém-chegados são excluídos de muitos bairros da cidade e os proprietários exercem um enorme poder.

Sarah Coupechoux, responsável pela Europa na Fundação Abbé Pierre, instituição beneficente habitacional, disse que a escassez de moradias a preços acessíveis desencadeou um processo de "seleção natural" de inquilinos que está afetando particularmente os jovens europeus.

"As pessoas com menos recursos financeiros têm dificuldade para conseguir acomodações de boa qualidade", disse ela. "Isto inclui os jovens que têm maior probabilidade de ter empregos precários sem um rendimento estável, especialmente se forem estudantes."

O aumento dos aluguéis significa que o espaço acessível para os jovens está diminuindo. As pessoas com idades entre 15 e 29 anos têm maior probabilidade de viver em moradias superlotadas, definidas como casas que não têm quartos suficientes para acomodar razoavelmente todos os membros da família.

Eles também estão tendo que morar com os pais por mais tempo. Em países como Irlanda, Portugal e Polônia, a pandemia contribuiu para o "efeito bumerangue", em que os jovens adultos voltaram a viver com os pais, uma vez que não tinham mais dinheiro para pagar aluguéis enquanto a economia esteve suspensa.

Rodrigo Martinez, professor assistente de mercado imobiliário do UCL que investiga esse fenômeno, alertou que morar por mais tempo com os pais pode afetar as trajetórias socioeconômicas dos jovens em longo prazo.

Permanecer em suas cidades natais pode levar os jovens a perder empregos que seriam adequados e levar a um ciclo vicioso de redução de oportunidades econômicas. Entretanto, as economias nacionais e os mercados de trabalho correm o risco de permanecer estáticos devido à falta de mobilidade geográfica, disse ele.

"Morar com os pais por mais alguns anos significa que você terá um emprego com salário mais baixo, será difícil encontrar uma família, será menos provável formar um casal, se casar e ter filhos", disse Martinez. "O efeito cascata vai muito além de apenas passar mais alguns anos em casa."

Os mercados de aluguéis em toda a Europa são moldados por suas histórias e seus governos. A Romênia tem a porcentagem mais elevada de proprietários de casas na Europa, um legado da transição do país para a economia de mercado no início da década de 1990.

A queda do comunismo levou muitos romenos a comprar por baixo custo os apartamentos onde viviam, enquanto o país passava por uma onda de privatizações e desvalorização monetária. Algumas outras antigas nações comunistas, como Eslováquia, Hungria, Croácia, Lituânia e Polônia, mostram um padrão semelhante. Na Europa Ocidental, os níveis de propriedade da habitação tendem a ser muito mais baixos.

Alguns países utilizaram instrumentos políticos para favorecer a aquisição de casas próprias; o alívio fiscal sobre o reembolso de hipotecas, por exemplo, tornou o empréstimo uma opção atraente nos Países Baixos, afirmou Cournède, da OCDE. Isso contrasta com a Itália, onde não existem tais incentivos fiscais e os bancos são mais cautelosos em relação aos empréstimos e às tolerâncias nos empréstimos hipotecários, acrescentou.

No entanto, em cidades com um elevado nível de habitação social, as famílias de renda média podem se sentir mais pressionadas do que aquelas com rendas mais baixas, disse Barnes, da UCL. "Se você tiver a sorte de conseguir uma moradia social, então a acessibilidade não será um grande problema", acrescentou ela.

Prevê-se que o mercado de aluguéis europeu permaneça apertado. "Vários fatores, incluindo o aumento dos custos de construção, os desafios do desenvolvimento e o aumento dos custos da dívida [continuam a] contribuir para a disponibilidade limitada de inventário de primeira qualidade e a pressão ascendente sobre os preços dos aluguéis", disse Savills.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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