Chineses cortam gastos e demitem funcionários com país em deflação

Consumidores e empresários dizem se sentir paralisados pelo desespero, e relutância em gastar está alimentando possível ciclo perigoso

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Li Yuan
The New York Times

Quando o governo do país revogou abruptamente suas duras medidas contra a Covid-19, em dezembro, muitos chineses esperavam uma recuperação robusta da demanda reprimida. Oito meses depois, a China está enfrentando um acúmulo de más notícias: desemprego recorde entre os jovens, uma profunda queda no setor imobiliário, consumo estagnado e até mesmo deflação.

Isso é um choque para muitos chineses que estão acostumados a uma economia que não parava de se expandir e a padrões de vida que melhoravam constantemente, por conta disso. Agora, eles estão enfrentando uma desaceleração nos negócios e patrimônios pessoais cada vez menores.

Conversei com mais de uma dúzia de proprietários de empresas e consumidores, como venho fazendo há anos, e posso atestar: sua confiança no futuro da economia e do país está em seu ponto mais baixo. Se eles tinham esperança de uma recuperação, essa esperança se extinguiu. Temem que estejamos vendo o início de algo que não ousam imaginar e temem que o governo não tenha soluções. As más notícias não param de chegar.

"O mais assustador é que todos ao meu redor estão sem saber o que fazer a seguir", disse Richard Li, proprietário de uma empresa atacadista de autopeças. "Eu costumava acreditar que nosso país se tornaria cada vez melhor".

Imagem mostra bandeira da china em frente a prédio espelhado.
Bandeira da China vista em Pequim, capital do país - Thomas Peter - 12.mai.21/Reuters

No primeiro semestre de 2023, a receita da empresa de Li caiu 15% em relação ao período no ano anterior, quando a cidade onde ele mora —com mais de 10 milhões de habitantes— passou por semanas de lockdown.

Ele descobriu que outras empresas parecidas com a dele também estavam passando por dificuldades. Alguns de seus clientes, oficinas de conserto de automóveis, chegaram a fechar as portas porque os proprietários de carros estavam reduzindo os gastos.

Li tinha quatro lojas e fechou duas delas. Dispensou dois terços de seus funcionários e parou de investir em novos produtos. Também reduziu o número de saídas para jantar fora e de noitadas com os amigos. Diante do aperto financeiro, ele tentou vender um apartamento que comprou em 2020 como investimento. Mas não houve muito interesse, mesmo depois que ele reduziu o preço de US$ 500 mil para US$ 400 mil.

Para pessoas como Li, está se tornando cada vez mais difícil confiar no governo chinês para saber o que está acontecendo na economia. Dados que o governo vinha divulgando há anos agora estão sendo retidos. Na semana passada, o governo suspendeu a divulgação do índice de desemprego entre os jovens depois que o indicador atingiu o recorde de 21,3% em junho.

Mas o conjunto de dados oficiais que o governo se dispôs a divulgar sobre o mês de julho já era ruim o suficiente.

Os preços ao consumidor na China caíram no mês passado pela primeira vez em mais de dois anos. Os bancos chineses concederam US$ 47,5 bilhões em novos empréstimos em yuan, o que representa uma queda de 89% com relação a junho —e de 50% ante o total do período um ano atrás. As vendas de moradias caíram 6,5% em termos de área nos primeiros sete meses do ano, depois de encolherem em quase 25% no ano passado. Em um país onde três quintos dos ativos domésticos estão vinculados a imóveis, esse declínio é alarmante.

A ansiedade é tão grande que as pessoas estão usando um site de mídia social chamado Xiaohongshu para postar talismãs que, segundo elas, poderiam ajudá-las a vender casas.

A China entrou em deflação depois que a draconiana política de "Covid zero" adotada pelo governo suprimiu drasticamente o consumo e a atividade comercial, no ano passado. Chenggang Xu, economista da Universidade Stanford, explicou por que a deflação pode ser perniciosa.

"O melhor cenário é que todos antecipem que os preços continuem caindo, e portanto, continuem esperando que os preços caiam ainda mais", ele disse. "O pior cenário é que as pessoas estão muito assustadas e ansiosas". O medo quanto a seus empregos ou à sobrevivência de suas empresas, disse ele, fará com que economizem mais e gastem menos, empurrando a economia ainda mais para a armadilha da deflação.

Com a ansiedade em alta, as pessoas já estão economizando mais e gastando menos.

Cob Liu, fundador de uma startup de educação em uma grande cidade no sudoeste da China, disse que sua receita permaneceu estável neste ano, o que é ruim para uma empresa que costumava crescer 40% ao ano. Liu, que está na faixa dos 30 anos, tem cerca de US$ 1,5 milhão em dinheiro, mas está determinado a manter seus gastos mensais em torno de US$ 800, metade dos quais vai para o aluguel.

Ele manterá seu Toyota Corolla, que tem cinco anos de uso, e não comprará imóveis tão cedo. Liu adquiriu apartamentos em dois complexos em 2019 e os incorporadores de ambos suspenderam a construção porque ficaram sem dinheiro. Esse é um pesadelo pelo qual centenas de milhares, se não milhões, de chineses estão passando desde que o boom imobiliário chegou a um fim repentino.

Liu acredita que o declínio da economia chinesa pode se arrastar por anos. Ele vendeu todas as suas posições em ações da China continental no início deste ano e disse que não tocaria em ações de nenhuma empresa chinesa, mesmo que sejam negociadas em Nova York ou Hong Kong.

Boris Dai, 44, é um consultor de imóveis comerciais em Pequim que ganhou menos de US$ 15 mil nos primeiros seis meses deste ano. Isso representa metade do que ele ganhava durante a pandemia e menos de 15% de seus ganhos anteriores. Sua outra fonte de renda —um escritório que ele aluga— evaporou depois que seu inquilino fechou as portas há seis meses.

"Só posso deitar e esperar", disse Dai, usando uma frase que descreve fazer uma pausa durante o trabalho incansável. "Não tenho expectativas para o futuro". Ele transformou seu utilitário esportivo em um dormitório móvel, para que ele e sua mulher pudessem economizar em hotéis quando viajam.

Mesmo os empreendedores que estão indo bem relutam em tomar empréstimos por causa de suas perspectivas incertas.

Mark Fu, fundador de uma empresa de consultoria financeira com escritórios em Chengdu e Hong Kong, disse que seus negócios estão crescendo este ano. Ele explicou que muitos chineses ricos perceberam, durante a pandemia, que dinheiro não bastaria para lhes dar segurança ou dignidade e procuraram sua ajuda para transferir seus ativos financeiros para fora da China.

Os bancos lhe ofereceram empréstimos comerciais a taxas de juros baixas, mas ele reluta em assumir dívidas. Em vez de expandir, ele reduziu sua equipe de 12 funcionários para dez, optando por não substituir trabalhadores que pediram demissão.

Ele disse que ficou horrorizado com as restrições impostas pelo governo a um setor após o outro durante a pandemia. Disse que costumava acreditar que, se trabalhasse duro, teria sucesso. Agora, teme que a forma pela qual administra seus negócios não seja o mais importante.

"O governo vai acabar com todo mundo de uma vez só?", perguntou ele. "Ou vai permitir que ganhemos algum dinheiro?" Ele também tem um apartamento que não está conseguindo vender.

O clima nas mídias sociais se tornou tão sombrio que um comentário no Securities Daily, uma publicação financeira oficial, pediu a supressão de publicações que especulem sobre problemas futuros. A difusão de boatos provocou flutuações no mercado, dizia o artigo, citando manchetes como "a versão chinesa do Lehman Brothers está chegando!" e "empresa de corretagem vai realizar uma conferência sobre a ‘hora do pavor’".

As pessoas se desesperam porque não conseguem imaginar de que maneira a China pode sair de sua espiral descendente. A raiz dos problemas, segundo eles, é a ideologia de Xi Jinping, líder supremo da China, que parece não gostar do setor privado e desmantelou os elementos da economia de mercado que fizeram da China um sucesso econômico.

Aos 35 anos, Andy Wang deixou seu emprego em um banco no início deste ano a fim de se preparar para fazer uma pós-graduação na Austrália. Ele adiou sua viagem no ano passado quando foi anunciada uma lista de novos líderes do partido, todos protegidos de Xi. "A capacidade de correção deste país foi perdida, depois disso", ele disse.

Seus pais são ricos, mas Wang está pessimista quanto a ter as mesmas oportunidades que eles tiveram no passado. "Não consigo ver maneira alguma de ganhar dinheiro neste país", ele disse. "Não tenho certeza se posso manter meu padrão de vida atual. Só poso batalhar para sobreviver".

Tradução de Paulo Migliacci

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