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Entenda o que é recuperação judicial e outros processos que afetam empresas em crise

Medida protege empresa contra execução de dívidas até que ela apresente um plano de pagamentos

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São Paulo

A 123milhas, plataforma de turismo, entrou com pedido de recuperação judicial, nesta terça-feira (29), na 1ª Vara Empresarial de Belo Horizonte. Na ação, a empresa declara dívidas de R$ 2,308 bilhões.

Se um pedido de recuperação judicial é aceito, a companhia consegue evitar a cobrança de dívidas e ganha tempo para organizar um plano de pagamento. A empresa pede a suspensão pelo prazo de 180 dias de ações de credores e consumidores que tenham ido à Justiça após a interrupção de serviços.

Com isso, os consumidores podem ser os últimos a receber, segundo o Ibraci (Instituto Brasileiro de Cidadania).

Entenda:

Carrinho de malas com anúncio da 123milhas
Anúncio da 123milhas no aeroporto de Congonhas - Danilo Verpa - 28.ago.2023/Folhapress

O que é recuperação judicial?

A recuperação judicial, como a que foi pedida pela 123milhas e a que foi concedida a Americanas, Oi e Odebrecht (hoje Novonor), é uma decisão da Justiça que, na prática, impede que dívidas sejam cobradas, até que a empresa apresente um plano para pagar seus credores. Isso permite que a companhia possa continuar operando.

Segundo a FIA (escola de negócios fundada por professores de administração da Universidade de São Paulo), a recuperação judicial é uma medida extrema. Ou seja, é o recurso final que uma empresa lança mão para evitar a falência.

Um segundo objetivo é recuperar a empresa do ponto de vista econômico e financeiro para que ela volte a gerar valor e mantenha empregos e serviços.

Como funciona a recuperação judicial?

O pedido de recuperação judicial deve ser protocolado em uma Vara de Falências.

Como empresas que pedem recuperação judicial já estão com suas contas muito comprometidas, o processo todo envolve decisões rápidas para protegê-la e prazos mais longos para sua reorganização.

O objetivo é dar condições para que ela pague suas dívidas e mantenha sua atividade. O processo é dividido em três etapas, segundo a FIA.

Postulatória

Nessa fase preliminar, a empresa faz à Justiça o pedido de recuperação. Para isso, ela terá que informar:

  • Os motivos que a levaram a entrar em crise
  • Seus resultados contábeis de pelo menos três anos
  • O montante total das dívidas em aberto
  • A relação dos bens de proprietários e sócios.

Também terá que apresentar vários documentos exigidos para comprovar a real situação da empresa, como:

  • Relação completa de credores que ainda não estão com dívidas vencidas, com a natureza de cada débito e a classificação deles com valores atualizados.
  • Endereços dos credores, além dos registros contábeis relativos a cada débito informado.
  • Relação dos empregados, com funções e atividades exercidas, salários, benefícios e gratificações a que tenham direito
  • Para cada débito, a empresa deverá informar também os meses de referência, discriminando os valores para cada funcionário listado.
  • Atas de nomeação dos atuais administradores
  • Extratos atualizados das contas bancárias em nome da empresa e comprovantes de aplicações financeiras de todos os tipos
  • Relação de ações judiciais, em especial as movidas na Justiça Trabalhista, com projeção dos valores pleiteados pela parte autora.

Deliberativa

Feito o pedido, cabe à Justiça avaliar se a empresa tem direito a essa proteção.

Para isso, o órgão do Judiciário vai avaliar se a postulante preenche pré-requisitos indispensáveis para a recuperação, com base nas informações prestadas no pedido.

Estes requisitos são:

  • Não estar falido
  • Se já teve falência decretada anteriormente, todas as responsabilidades deverão estar extintas por sentença que não caiba recurso, ou seja, transitada em julgado
  • Não ter, nos últimos cinco anos, ingressado com outro processo de recuperação judicial
  • Estar ativa por, no mínimo, dois anos
  • Não ter sido condenada por crimes previstos na Lei de Falências
  • Não ter registrada concessão de plano especial de recuperação judicial nos últimos oito anos.

Satisfeitas todas as exigências, o juiz nomeia um administrador judicial, que pode ser uma consultoria ou escritório especializado. Nessa fase, ficam suspensas as ações em todas as esferas contra a empresa em recuperação.

Após a concessão da recuperação judicial, o prazo legal para que uma empresa apresente o plano de pagamentos é de 60 dias da publicação da decisão.

O plano de pagamentos precisa conter:

  • discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a ser empregados
  • demonstração de sua viabilidade econômica
  • laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos do devedor, subscrito por profissional legalmente habilitado ou empresa especializada.

Segundo advogados, geralmente este plano é muito preliminar, e um plano mais elaborado pode sair em quatro meses ou mais, a depender das negociações entre as partes.

Os credores da empresa serão chamados para uma assembleia em que vão analisar o plano de recuperação apresentado. Para sua aprovação, é exigida votação por unanimidade.

Caso ela seja obtida, o juiz concede a recuperação. Do contrário, a empresa terá sua falência decretada.

Execução

Depois da concessão pela Justiça da recuperação, o plano aprovado começa a ser executado. A empresa precisará cumprir todas as obrigações previstas.

Segundo a FIA, atendidas as exigências nos prazos estipulados, a Justiça poderá encerrar o processo de recuperação. Se qualquer ação prevista no plano for descumprida, a empresa pode ter sua falência decretada.

Quais as classes de credores?

Existem diferentes tipos de credores, com diferentes privilégios e prioridades de pagamento, segundo a advogada Camila Crespi, especialista em reestruturação empresarial e advogada na Luchesi Advogados.

Alessandro Guimarães, sócio-fundador do escritório Alessandro Guimarães Advogados. relaciona os seguintes tipos principais.

  • Credor trabalhista – trabalhadores que têm a receber salários, férias e outros direitos trabalhistas.

  • Credor com garantia real – como imóvel dado em hipoteca ou veículo dado em garantia de um empréstimo.

  • Credor público – os que têm a receber tributos.

  • Credor com garantia flutuante – possuem garantias sobre bens móveis da empresa, como estoques, máquinas e equipamentos, que podem ser vendidos.

  • Credor quirografário – não possuem garantias reais ou pessoais de pagamento, como fornecedores, prestadores de serviço, instituições financeiras, entre outros.

Além disso, alguns créditos podem ser considerados extraconcursais, o que significa que possuem prioridade de pagamento sobre todos os demais credores. Entram nesse grupo, por exemplo, os honorários dos administradores judiciais, as despesas com a realização da assembleia geral de credores, os impostos devidos pela empresa em razão da decretação da falência ou recuperação judicial.

Qual dos credores recebe primeiro?

Inicialmente, pagam-se os créditos extraconcursais e depois os créditos concursais.

De acordo com o advogado Alessandro Guimarães, sócio-fundador do escritório Alessandro Guimarães Advogados, "somente se avança para a categoria seguinte, se a anterior estiver totalmente satisfeita". Se não houver ativos suficientes para pagamento total da categoria, faz-se o rateio proporcional.

Camila Crespi, especialista em reestruturação empresarial e advogada na Luchesi Advogados, afirma que dentro de cada classe de credor é possível formar grupos diferentes. Por exemplo, entre os créditos quirografários, pode haver um grupo de fornecedores, outro de detentores de debêntures (papéis vendidos a investidores, com a promessa de devolver o investido mais juros), outro de clientes que esperam ser ressarcidos pelo serviço não prestado.

No caso da 123milhas, por exemplo, que tem entre os credores um grande número de clientes pessoas físicas, com dívidas de valor menor, é possível criar uma subclasse apenas para eles e oferecer-lhes condições mais favoráveis de pagamento.

O plano de pagamento pode prever dar grandes descontos no valor que cada credor tem a receber —quando essa oferta é aceita pelo credor, isso pode significar receber mais cedo o pagamento, ainda que com uma grande redução em relação ao valor da dívida.

O pagamento das dívidas segue uma ordem de preferência:

  1. Credores extraconcursais
  2. Créditos trabalhistas – com limite de 150 salários-mínimos por credor e os decorrentes de acidentes de trabalho;
  3. Créditos com garantia real – limitados ao valor do bem gravado na garantia; podem não receber integralmente o crédito se a venda dos bens não for suficiente.
  4. Créditos tributários – independentemente da sua natureza e do tempo de constituição, exceto os créditos extraconcursais e multas;
  5. Créditos quirografários – créditos originários de obrigações simples, sem garantia real, e os saldos dos créditos trabalhistas que excederem o limite estabelecido;

Quem pode pedir recuperação judicial?

A lei 11.101/2005, que estipula as regras de recuperação judicial, exclui os seguintes entes:

  • empresa pública e sociedade de economia mista;
  • instituição financeira pública ou privada, cooperativa de crédito, consórcio, entidade de previdência complementar, sociedade operadora de plano de assistência à saúde, sociedade seguradora, sociedade de capitalização e outras entidades legalmente equiparadas às anteriores.

As outras empresas podem fazer o pedido.

Qual a diferença entre recuperação judicial e falência?

A primeira tem como objetivo justamente evitar a segunda.

Quando uma empresa decreta falência, é obrigada a liquidar todo o seu patrimônio para honrar os compromissos em aberto.

Já a recuperação é uma proteção para que ela possa pagar essas dívidas e, ao mesmo tempo, manter-se ativa para preservar empregos e gerar valor.

O que é arbitragem?

A arbitragem é uma alternativa de negociação que pode estar prevista em contratos com credores, em caso de problemas verificados por uma das partes.

A arbitragem conta sempre com representantes das duas partes e pode ter um ou três árbitros durante as negociações, que serão responsáveis pela decisão final.

No caso da relação entre BTG Pactual e Americanas, por exemplo, havia um contrato prevendo inclusive o local onde seria realizada a arbitragem, se necessária: no Centro de Arbitragem e Mediação Brasil-Canadá, localizado em São Paulo.

A CVM sempre atua em casos de crises de empresas?

A CVM (Comissão de Valores Mobiliários) é o órgão que regula o mercado de capitais e a atuação das empresas de capital aberto —aquelas que possuem ações negociadas em Bolsa.

No caso da Americanas, por exemplo, ela abriu processos para averiguar a atuação dos maiores acionistas, administradores e diretores da varejista. Uma das apurações a serem feitas é a venda de ações por parte de diretores durante o segundo semestre de 2022.

Caso seja comprovada má-fé no caso, podem ser punidas a empresa e pessoas envolvidas. Em geral, os executivos, se considerados culpados, são multados, mas podem haver até o banimento de atuação em companhias de capital aberto, em caso de indícios de venda de ações por informação privilegiada.

O que significa tutela cautelar, como a que foi apresentada pela Americanas?

A tutela cautelar é uma medida de proteção contra uma possível execução antecipada de dívidas pelos credores, por conta de alguma irregularidade na empresa. No caso da Americanas, a inconsistência contábil poderia motivar esse movimento.

Um advogado que falou sobre o assunto em condição de anonimato disse que, provavelmente, a medida cautelar apresentada pela Americanas na última sexta-feira (13) já estava pronta, pois a varejista já sabia que o BTG Pactual pediria a antecipação de vencimentos.

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