Americanas prepara pedido de recuperação judicial de R$ 20 bilhões

Companhia negociou com acionistas de referência injeção de dinheiro novo, mas eles se recusaram a desembolsar montante para salvá-la

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Brasília

A Americanas deverá entrar com um pedido de recuperação na Justiça nos próximos dias no valor de aproximadamente R$ 20 bilhões. Este é o montante estimado que os acionistas de referência teriam de injetar na companhia para salvá-la, mas, segundo pessoas que participaram das discussões, eles não aceitaram.

O valor ainda pode mudar, a depender da avaliação do juiz sobre o pedido de recuperação judicial e da negociação com os credores.

O grupo de acionistas de referência é formado pelo trio de bilionários Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles. Juntos, eles possuem 31% da companhia.

Os advogados Ana Basílio e José Roberto Sampaio, do escritório Basilio Advogados, e Rodrigo Salomão, do escritório Salomão, Kaiuca & Abrahão, foram os escolhidos pela empresa para conduzir o processo pela companhia. A informação foi confirmada por Salomão, que ainda acerta os últimos detalhes antes de aceitar a empreitada.

Loja da Americanas, na rua Direita, no centro de São Paulo - 17.jan.2023-Bruno Santos/ Folhapress

Procurada, a Americanas não respondeu até a publicação da reportagem.

A operação de salvamento da Americanas é resultado de uma inconsistência contábil de R$ 20 bilhões em seus resultados e, para corrigir, a companhia precisa de até R$ 21 bilhões em dinheiro novo para atender seus credores, segundo cálculos feitos pela XP Investimentos.

Os analistas da XP levaram em conta diferentes cenários de endividamento e margem operacional da varejista, ou margem Ebitda (lucro antes do pagamento de juros, impostos, depreciações e amortizações), e verificaram a necessidade de captação de algo entre R$ 12 bilhões e R$ 21 bilhões —recursos que seriam obtidos por meio de oferta de ações.

Pessoas próximas às negociações com o trio de bilionários informam que eles aceitariam colocar, no máximo, R$ 6 bilhões na empresa. Com a recusa, a saída deve ser a recuperação judicial.

Por meio desse processo, um juiz passa a administrar a negociação de dívidas da companhia junto aos credores, enquanto um plano de saneamento é montado, apresentado e votado por uma assembleia de credores.

Durante esse período, a empresa possui salvo-conduto e não precisa pagar nenhuma dívida. A experiência das empresas que já atravessaram esse calvário mostra que, em geral, os credores oferecem desconto da dívida, alongam o prazo de pagamento, em troca da sobrevivência da companhia —garantia de que receberão seu dinheiro de volta.

Já pensando nessa saída, a Americanas tinha solicitado previamente ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro uma espécie de blindagem para que, dentro de um mês, não precisasse pagar dívidas de credores —fundamentalmente os maiores bancos da praça.

Essa medida foi tomada logo após o ex-CEO da empresa Sergio Rial divulgar um comunicado ao mercado relatando as falhas contábeis encontradas no balanço.

O BTG Pactual recorreu da decisão levantando suspeitas de que houve fraude na empresa. A dívida total da Americanas com o banco é de ao menos R$ 2,3 bilhões, segundo informações incluídas na ação cautelar.

O banco também reclamou que o deferimento dessa blindagem já era uma antecipação dos efeitos de uma RJ que ainda não ocorreu.

Hoje, a dívida da empresa é de R$ 19,6 bilhões, mas a Americanas fez operações de crédito para financiar a compra de mercadorias junto a fornecedores ao longo dos últimos anos que não foram devidamente contabilizadas no balanço como dívida.

Essa manobra eleva o endividamento para algo próximo a R$ 30 bilhões, segundo executivos da empresa ouvidos sob anonimato.

No entanto, os advogados e executivos da empresa avaliam que, negociando o pagamento de R$ 20 bilhões com credores na recuperação judicial, será possível devolver a Americanas aos trilhos.

Questionado sobre o caso por jornalistas no Fórum Econômico Mundial nesta terça (17), o ministro Fernando Haddad afirmou que "a CVM está em cima disso".

"Obviamente a preocupação existe. Mas a CVM [está] em cima do caso e é a autoridade competente para dar as respostas aos credores e à sociedade brasileira", disse.

Após a divulgação do plano de entrar com um pedido de recuperação, as ações da empresa voltaram a cair. O papel fechou em queda de 2,06%, cotado a R$ 1,90, depois de subir mais de 20% na máxima do dia.

Além das tentativas do BTG Pactual de receber os valores devidos pela varejista, inclusive com recurso para derrubar a proteção fornecida pela Justiça que impede a cobrança de dívidas, o Bank of America também entrou com um questionamento para liquidar os contratos de derivativos feitos com a Americanas e assim, saber o tamanho da sua exposição.

A S&P Global rebaixou a nota de crédito da Americanas de "B" (na escala global) e de "brA-" (na escala nacional Brasil) para "D", o que significa situação de default (calote), segundo relatório divulgado nesta segunda-feira.

Lucas Serra, analista da Toro Investimentos, afirma que ainda faltam informações mais claras sobre as inconsistências da Americanas. "Existe uma dúvida se esse valor de R$ 40 bilhões ainda sofrerá alguma mudança."

O analista da Toro observa também o início de um movimento especulativo com a ação da Americanas. "Percebemos constantemente pessoas físicas querendo montar alguma posição, mas é algo arriscado face às incertezas e que, inclusive, desaconselhamos."

Colaboraram Luciana Coelho e Renato Carvalho

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