Cliente da 123milhas poderá ser o último a receber, diz instituto

Empresa pediu recuperação judicial alegando dívida de R$ 2,3 bilhões; em comunicado, companhia informa que não haverá pagamentos e pede desculpas

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São Paulo

Os consumidores afetados pela crise da 123milhas, que suspendeu em 18 de agosto pacotes e passagens comprados pela linha Promo123, poderão ser os últimos a receber, caso o pedido de recuperação judicial da empresa seja aceito na Justiça, diz o Ibraci (Instituto Brasileiro de Cidadania).

Nesta terça (29), a companhia de turismo online entrou com pedido de recuperação judicial na 1ª Vara Empresarial da Comarca de Belo Horizonte. Na solicitação, alega que tem dívidas de R$ 2,3 bilhões. Em seu site, publicou mensagem informando que está "impedida temporariamente, sob penalidades da lei", de realizar qualquer tipo de pagamentos.

"Com a recuperação judicial, há a transferência integral do risco do negócio para os consumidores, que serão os últimos a receber se algum dinheiro existir", afirma Gabriel de Britto Silva, advogado especializado em direito do consumidor e diretor jurídico do instituto.

Movimentação no aeroporto de Congonhas, na capital paulista; empresa 123milhas passa por crise, pede recuperação judicial e deixa de pagar clientes - Danilo Verpa/Folhapress

Segundo especialistas, a ordem de pagamento dos credores vai depender do plano proposto pela empresa e da aprovação deste plano, com a ordem de pagamento por categoria. Na recuperação judicial, diferentemente da falência, a ordem não é rígida, ela é negociável.

Na falência, recebem primeiro os credores trabalhistas, depois os tributários e, em seguida, os quirografários, onde se inserem os consumidores afetados pela crise da agência de turismo online.

Além disso, pelas regras, só se avança para o pagamento da categoria seguinte se a anterior estiver totalmente satisfeita. E, caso não existam ativos suficientes para pagamento total da categoria, faz-se o rateio proporcional, o que significa que os consumidores, além de esperarem por sua vez para ser ressarcidos, podem receber menos do que pagaram.

"O pedido de recuperação judicial era mais do que esperado. Claramente, a 123milhas passou a ofertar o produto relativo às passagens flexíveis Promo que, a toda evidência, não se sustentava economicamente. [...] Em verdade, quem pagava as passagens dos que hoje viajariam, seria o volume de consumidores que pagavam suas passagens para viajar daqui há dois ou três anos. O negócio ruiria e era uma questão de tempo", diz Silva.

No pedido de recuperação judicial, a empresa afirma que a linha Promo corresponde a 5% dos 5 milhões de clientes anuais, o que dá cerca de 250 mil consumidores. No entanto, não informa o total de lesados com a suspensão.

Filipe Denki, da Lara Martins Advogados, especialista em recuperação judicial, afirma que os consumidores lesados precisam estar muito atentos à aprovação do plano de recuperação judicial da empresa. Isso porque a dívida de cada consumidor precisa constar na lista de credores, senão, o cliente pode não receber.

Quem não estiver na lista precisará pedir a habilitação administrativa em até 15 dias. Caso contrário, terá de entrar na Justiça para solicitar o ingresso nesta lista e irá pagar advogado para isso. "Depois que a empresa abrir a RJ, vai enviar uma carta informando que tem um crédito, se o cliente não receber, precisa providenciar a habilitação", afirma.

Camila Crespi, especialista em reestruturação empresarial e advogada na Luchesi Advogados, acredita que, como o caso envolve um grande número de consumidores, que são credores de valores menores, a empresa possa criar uma subclasse especial para eles e oferecer condições melhores no seu plano de pagamentos das dívidas.

Site da 123milhas informa que não pagará clientes
Site da 123milhas informa que empresa não pagara clientes após pedido de recuperação, sob "penalidades da lei" - Reprodução

Rodrigo Macedo, especialista em recuperação e falência no Andrade Silva Advogados, afirma que ao contrário do pedido de falência, onde existe uma ordem rígida para receber créditos, a recuperação judicial é mais flexível, o que pode ser bom ou ruim para o consumidor, dependendo da proposta a ser feita na Justiça. No entanto, antes de qualquer decisão judicial, quem comprou pacotes ou passagens não recebe.

"A recuperação judicial é uma tentativa da empresa de lidar com esta crise e a enxurrada de ações judiciais, permitindo uma gestão ordenada das dívidas, ajustando as obrigações à sua capacidade de cumprir", afirma.

Em nota no seu site, a 123 milhas confirma o protocolo de pedido de recuperação judicial com "o objetivo de superar esse momento e propor uma saída de viabilidade financeira". No entanto, a empresa afirma que está impedida de realizar pagamentos e que o voucher oferecido não poderá ser solicitado.

"A 123milhas está fazendo todos os esforços para apresentar o plano de recuperação judicial que busca viabilizar a preservação da empresa e a quitação dos compromissos com seus clientes. Mais uma vez, pedimos desculpas pelos transtornos", diz a nota.

Nadime Meinberg Geraige, especialista em recuperação e falência do Maluf Geraigire Advogados, afirma que os consumidores deverão receber somente após aprovado o plano de recuperação judicial a ser proposto pela empresa. Há prazo de até 60 dias para isso. "Ainda não é possível saber, mas a empresa em recuperação judicial poderá apresentar algum desafio sobre esses créditos ou prazo para pagamento."

Consumidor deve ir à Justiça, diz advogado

Para o advogado Alexandre Berthe, especialista em direito do consumidor, o cliente lesado deve acionar a Justiça, mesmo com o pedido de recuperação judicial da empresa, para tentar receber o que gastou na empresa. "A orientação que eu tenho dando para todo mundo que me procura é ir direto para a Justiça", afirma.

Para ressarcir os consumidores lesados, que segundo a empresa representam 5% dos 5 milhões de clientes anuais, foram oferecidos vouchers, que são parcelados em três a cinco vales-compras.

Berthe acredita que aceitar o voucher não traz segurança ao consumidor. "É como se fosse um cheque e, quando a pessoa vai eventualmente trocar esse cheque no mercado, o mercado sabe que o emissor desse cheque hoje em dia é uma empresa que já está 'ruim das pernas'", afirma.

O advogado afirma, no entanto, que é preciso ainda esperar para saber se a Justiça vai aceitar ou não a recuperação judicial, chamado por ele de "salvo-conduto".

Já Silva, do Ibraci, vê na atitude da empresa uso indevido da recuperação judicial. "Nestes casos, se faz um uso indevido do nobre instituto da recuperação, havendo abuso de direito e tentativa de legitimação da lesão aos credores pelo poder Judiciário, via recuperação."

Segundo o Ministério da Justiça, a Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor) continuará tomando as medidas que forem cabíveis no caso da 123milhas para garantir os direitos dos consumidores. No entanto, com o pedido de recuperação judicial, ficam suspensos, por 180 dias, qualquer outro processo contra a empresa.

"O pedido de recuperação judicial é um artifício legal para que as empresas consigam se reestruturar e apresentar um plano à Justiça que evite sua falência", diz o ministério.

"Desse modo, a Senacon, que tem, dentro de suas competências, o poder de aplicação de multas, sanções e gerir acordos, fica limitada ao que for determinado no âmbito do poder Judiciário, enquanto valer o prazo do pedido de recuperação. Os consumidores que têm créditos a receber da empresa também são considerados credores e podem estar sujeitos às decisões tomadas no âmbito do processo', afirma, em nota.

Quais os direitos dos consumidores lesados pela 123milhas?

O Código de Defesa do Consumidor traz três opções em casos como o da 123milhas: o cliente pode exigir o cumprimento do serviço a que tinha direito, como uma obrigação de fazer; pode aceitar o voucher oferecido pela empresa; ou pode solicitar os valores em dinheiro.

Para Silva, há o direito à restituição integral do valor pago, com juros e correção monetária, desde a data do pagamento já que a negociação foi em dinheiro, mesmo que parcelado em cartão, e não em voucher.

Não quero o voucher. O que faço?

Alexandre Ricco, especialista em direito do consumidor, diz que o consumidor poderá aceitar o voucher se for conveniente para ele, pois não há obrigação legal para a aceitação. "Contrariamente à posição da empresa, o Código de Defesa do Consumidor garante o direito de pedir o dinheiro de volta, insistir na prestação do serviço, ou solicitar ou uma prestação de serviço equivalente", diz.

Devo reclamar no Procon antes de entrar na Justiça?

Os clientes podem acionar o Procon e a plataforma consumidor.gov.br antes de ir ao Judiciário. "O problema é que a resposta pode demorar um tempo, o que é benéfico para a empresa, mas pode não ser para o cliente. Além disso, órgãos como Procon, Reclame Aqui e consumidor.gov.br não têm o poder de obrigar a empresa a fazer", explica Berthe.

Como reclamar no consumidor.gov.br?

Qual a orientação do Procon?

Procurado pela Folha, o Procon-SP (Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor de São Paulo) afirma que mantém as orientações dadas anteriormente aos consumidores, enquanto a Justiça não se manifesta em relação ao pedido de recuperação judicial.

O órgão afirma que os consumidores devem entrar em contato direto com a empresa e tentar uma solução, dentre as opções estabelecidas no Código de Defesa do Consumidor, como o cumprimento da oferta, a transformação em crédito ou a devolução do valor pago. O Procon reforça que "a escolha final deve ser sempre do consumidor, sem qualquer condicionante por parte da empresa".

Se não houver acordos, a entidade diz que é possível registrar a reclamação nos órgãos de defesa do consumidor e também há a possibilidade de buscar a Justiça, especial para serviços que estavam contratados para acontecer no prazo inferior a 30 dias.

Como entrar com ação na Justiça?

Por se tratar de causa de até 40 salários mínimos, em geral, o consumidor lesado deve procurar o JEC Juizado Especial Cível). Causas de até 20 salários mínimos, o que dá R$ 26,4 mil neste ano, não precisam de advogado.

Para entrar com uma ação no JEC, é necessário que o consumidor tenha os documentos necessários que provem o dano material. A advogada Raquel Castilho, do Mauro Menezes & Advogados, afirma que, em geral, os casos da empresa devem ser de até 20 salários mínimos. Segundo ela, a vantagem a ação judicial é que a Justiça pode obrigar a 123milhas a devolver o dinheiro e ressarcir quaisquer outros prejuízos.

Quais documentos necessários para entrar com ação?

Segundo o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), todos os comprovantes dos pagamento que foram feitos, trocas de emails com a empresa, recibos que foram emitidos e demais comprovantes de gastos extras devem ser anexados ao processo judicial. Quanto mais documentos tiver, melhor para comprovação dos danos materiais.

Maria Inês Dolci, advogada especialista em defesa do consumidor, completa dizendo que o consumidor precisa fazer uma reclamação por escrito e, se possível, gravar o que for falado por telefone. Caso não consiga contato nem por telefone ou email, ela também indica enviar uma carta registrada e anexar essa tentativa de comunicação ao processo.

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