Entenda o que está em discussão para reduzir os juros do rotativo do cartão de crédito

Extinção da modalidade está em estudo e pode passar por mudança no parcelamento de compras sem juros

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Brasília

Deixar de pagar o valor integral da fatura do cartão de crédito aciona automaticamente a linha de juros mais cara do mercado: o rotativo, com taxa média de 437,3% ao ano.

Encontrar uma solução para esse problema passa por discussões entre bancos, instituições de pagamentos, empresas de maquininhas de cartão de crédito, governo e até Congresso Nacional.

Apesar dos interesses conflitantes nessa equação, os participantes são unânimes em um ponto: não há bala de prata que sozinha resolva a questão.

Rotativo do cartão é uma modalidade de crédito emergencial - Rubens Cavallari - 21.jun.2019/Folhapress

Entenda o que está em discussão para reduzir os juros do rotativo e como a eventual extinção da modalidade pode passar pelo redesenho do parcelamento de compras sem juros. Há expectativa de que uma proposta consolidada seja finalizada no prazo de 90 dias.

O que é o rotativo do cartão de crédito?
O rotativo é um tipo de crédito acionado quando o cliente não paga o valor integral da fatura do cartão na data de vencimento. É uma linha pré-aprovada e recomendada por especialistas somente para casos emergenciais. O cliente pode passar no máximo 30 dias no rotativo. Desde 2017, as instituições financeiras são obrigadas, após um mês, a migrar essa dívida para um crédito parcelado, que tem juros mais baixos.

Quais são os tipos de parcelamento de compras e qual a diferença entre eles?
As compras podem ser parceladas com ou sem juros. No parcelamento com juros, o financiamento é feito pela instituição financeira, e a taxa adicional cobrada é explícita no valor da prestação e no custo final do produto. Nesse caso, o comerciante recebe de imediato o valor da compra, e o consumidor faz pelo cartão uma linha de crédito com pagamento parcelado.

No parcelamento sem juros, o comerciante não recebe de imediato todo o valor da compra, ele vai sendo pago de acordo com a quantidade de parcelas em que a venda foi feita. Ele tem como alternativa antecipar seus recebíveis futuros das vendas parceladas com uma taxa de desconto junto à credenciadora, ou seja, a empresa que fornece as maquininhas de cartões —como Cielo, Redecard, Stone, PagSeguro e Mercado Pago.

Segundo dados do Banco Central, essa taxa de antecipação gira em torno de 1,4% ao mês (a Selic está
em 1,12% ao mês).

Diante disso, o valor final da mercadoria no parcelamento sem juros carrega juros embutidos —subsidiados inclusive por quem não opta pelo parcelamento. Esse mecanismo fica mais claro quando um estabelecimento oferece ao cliente desconto no pagamento à vista como alternativa à compra parcelada sem juros.

Como a compra do parcelado sem juros é financiada e quem fica com o risco?
As compras podem ser parceladas com ou sem juros. No parcelamento com juros, o financiamento é feito pela instituição financeira, e a taxa adicional cobrada é explícita no valor da prestação e no custo final do produto. Nesse caso, o comerciante recebe de imediato o valor da compra, e o consumidor faz pelo cartão uma linha de crédito.

O financiamento e o número de parcelas que serão ofertados pelo lojista passam por acordo com empresas de cartões de crédito. No acerto, é definida uma tarifa (MDR – Merchant Discount Rate) cobrada sobre as transações realizadas nos cartões de crédito ou de débito para um determinado número de parcelas. Essa taxa sustenta toda a cadeia e serve como garantia se o cliente não honrar o pagamento. O lojista paga o MDR para a empresa de maquininha de cartão, e esta, por sua vez, paga a tarifa de intercâmbio para o banco cujo cartão foi utilizado pelo comprador.

Nas compras na modalidade crediário à vista, essa tarifa de intercâmbio está em torno de 1,5%. No caso de compras parceladas, a tarifa de intercâmbio é mais alta do que a tarifa de compras à vista, podendo chegar a ser mais de 1% superior. O risco sempre é do banco emissor, à vista ou no parcelado sem juros.

Quais outras operações estão envolvidas nessa discussão?
Para ter dinheiro em caixa, os lojistas recorrem à antecipação de recebíveis –recurso de crédito que permite às empresas receberem valores de venda antes do prazo previsto. Esse processo pode ser feito de duas maneiras, no geral.

Na primeira, o comerciante negocia diretamente com a credenciadora para receber antecipadamente os valores futuros transacionados por meio da maquininha de cartão. Como a credenciadora é uma instituição de pagamento, ela não tem autorização para dar crédito ao lojista, pode apenas antecipar o pagamento daquela dívida direta. Diferentemente de um empréstimo, neste caso o dinheiro é da própria empresa.

Em 2021, o Banco Central instituiu nova norma incluindo o modelo de câmara de recebíveis, no qual o lojista pode procurar no mercado a melhor condição para antecipar seus recebíveis futuros de cartão de crédito, gerando competição e simetria de informações.

Alguns especialistas de mercado dizem que esse seria um caminho bastante eficiente para reduzir os juros do rotativo do cartão de crédito. Ou seja, através da portabilidade de
dívida, um cliente poderia procurar melhores condições no mercado e levar (portar) a dívida de um banco para outro, assim como já existe, por exemplo, no crédito consignado.

Atualmente, se um cliente entra no rotativo de um banco, ele não tem outra opção a não ser negociar com esse banco, e obviamente o consumidor não tem nenhum poder de barganha.

Na segunda, o lojista oferece seus recebíveis como garantia para uma instituição financeira —que pode ser o emissor do cartão ou não— antecipar um montante de dinheiro em uma operação de crédito. O risco de inadimplência nesse caso, como em qualquer operação de crédito, fica com o banco.

Há uma relação direta entre o rotativo e o parcelamento de compras sem juros?
Apesar de a discussão estar sendo realizada de maneira conjunta, há questionamentos sobre a relação direta entre o rotativo e o parcelamento de compras sem juros. Diversas teorias estão sendo consideradas.

Há uma linha de argumentação que fala em subsídio cruzado por conta da inadimplência. Na prática, isso quer dizer que um mesmo cliente que efetuou diversas compras parceladas pode eventualmente no futuro enfrentar dificuldades financeiras e, pelo volume acumulado de compras, não conseguir honrar o pagamento integral da fatura de cartão de crédito caindo, assim, no rotativo.

Por outro lado, há quem refute a ideia de que a inadimplência seja maior nos prazos mais longos do que nos pagamentos à vista. Faltam ainda estudos com análises mais aprofundadas sobre o tema para confirmar se há de fato ou não relação de causalidade entre as duas modalidades.

Dados de mercado também do Banco Central mostram que a inadimplência é relacionada ao nível de renda do cliente. Quanto menor a renda, maior a inadimplência.

Por que os dois assuntos estão atrelados à mesma discussão?
Se fizermos um paralelo com uma loja de mercadorias, alguns produtos possuem margem de ganho maior do que outros. Aqueles itens que possuem margem muito baixa ou próxima de zero se tornam economicamente viáveis em meio a um conjunto de artigos de um determinado negócio. Isso significa que mexer em um produto pode afetar o resultado final da cesta.

Os bancos dizem que a lógica deveria ser a mesma para o segmento do crédito. Porém, também há os que refutam esse argumento dizendo que os bancos já são remunerados nas operações de crédito à vista e parcelado através da tarifa de intercâmbio, e que estas são suficientes para manter sua rentabilidade.

Reforçam também que, no caso das vendas parceladas, não ha "desencaixe" de caixa dos bancos. Pelo contrário, os bancos chegam a ter float positivo de alguns dias, pois estes só pagam as empresas de maquininha alguns dias após terem recebido do consumidor.

Rotativo e parcelado são produtos oferecidos por instituições financeiras. A eventual extinção do rotativo passa pelo redesenho do parcelamento sem juros como uma forma de compensação. O objetivo é minimizar o impacto sobre o resultado do conjunto de produtos ofertados.

Campos Neto defende decisão que não impacte as pessoas - Pedro Ladeira/Folhapress

Quais são os possíveis caminhos para o rotativo discutidos até agora?
O fim do rotativo do cartão de crédito é uma das possibilidades. O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmou em 10 de agosto que essa era a solução que estava "se encaminhando" no debate de medidas para reduzir os altos juros da modalidade. Segundo ele, quem não pagasse a fatura integral do cartão seria direcionado automaticamente para o crédito parcelado com taxa ao redor de 9% ao mês.

Qual participante do sistema financeiro seria mais impactado pelo fim do rotativo?
Ainda não é possível confirmar se os bancos seriam os principais afetados com a extinção do rotativo do cartão de crédito e a migração compulsória da dívida para uma modalidade que possui juros menores. Isso porque não é possível prever qual seria a perda financeira em uma equação complexa que envolve prazo, multa e diferentes patamares de juros de cada linha. Com juros menores, espera-se melhora significativa no nível de inadimplência (com juros menores, há mais chance de o cliente conseguir pagar).

Quais são as propostas discutidas para o parcelamento sem juros?
Campos Neto falou também sobre a possibilidade de criar uma tarifa para frear o parcelamento sem juros. Nesse formato, as instituições financeiras poderiam viabilizar a redução dos juros aumentando a tarifa de intercâmbio cobrada dos lojistas.

A tarifa de intercâmbio é o percentual pago a cada transação ao emissor do cartão pelo credenciador do estabelecimento comercial, ou seja, por quem aluga as maquininhas para o comerciante. Um aumento do custo dessa tarifa poderia acabar embutido nos preços dos produtos, sendo, na prática, repassado pelo lojista ao consumidor. Ou seja, no final, o consumidor pagaria a conta.

Outra forma de aplicação seria cobrar essa tarifa diretamente dos consumidores –o que, segundo especialistas, poderia levar a judicialização A tarifa de intercâmbio é o percentual pago a cada transação ao emissor do cartão pelo credenciador do estabelecimento comercial, ou seja, por quem aluga as maquininhas para o comerciante. Um aumento do custo dessa tarifa poderia acabar embutido nos preços dos produtos, sendo, na prática, repassado pelo lojista ao consumidor.

Outro modelo colocado em debate condiciona o parcelamento sem juros ao tipo de bem de consumo –durável, semi ou não durável. A definição do prazo para cada tipo de produto levaria em consideração a duração média dos parcelamentos que são feitos atualmente. Por exemplo, um eletrodoméstico poderia ser vendido em um maior número de parcelas sem juros do que uma peça de roupa.

No entanto, a viabilidade prática do modelo é considerada complexa. Há questionamentos de como seria feita a separação do pagamento de bens de diferentes categorias nos estabelecimentos.

Quais participantes do sistema financeiro seriam os principais impactados pela limitação ao parcelamento de compras sem juros?
Varejistas e credenciadoras de cartões seriam os principais afetados pela limitação do parcelamento sem juros. Os lojistas usam esse modelo de compra para atrair clientes e aumentar o volume de vendas. Já as maquininhas se beneficiam da antecipação de recebíveis demandada pelos comerciantes, com tarifas mais altas para prazos mais longos.

No Brasil, a disputa concorrencial entre os diferentes atores do mercado passa sobretudo pelo número de parcelas oferecidas, não pelas taxas de juros atreladas aos cartões.

O que está em debate no Congresso Nacional?
A discussão está em fase inicial na Câmara dos Deputados. Uma proposta para limitar os juros no rotativo do cartão de crédito foi inserida no projeto de lei sobre o Desenrola, programa de renegociação de dívidas da gestão petista.

De autoria do deputado Elmar Nascimento (União Brasil-BA), aliado do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o projeto determina que o CMN (Conselho Monetário Nacional) irá estabelecer limites para a cobrança desses juros. O relator da proposta, deputado Alencar Santana (PT-SP), discute a possibilidade de as próprias instituições estabelecerem um teto a ser cobrado no rotativo em determinado prazo.

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