Descrição de chapéu The New York Times

O adolescente rico, o hotel cinco estrelas e uma briga insólita por difamação

Compra de bebida alcoólica com identidade falsa termina em confusão

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Liam Stack
Nova York | The New York Times

Os problemas começaram em agosto de 2021, de acordo com a queixa em um processo judicial incomum protocolado em julho, quando Theodore Weintraub tinha 17 anos e tentou uma jogada que serve como rito de passagem para os adolescentes americanos: comprar bebidas alcoólicas com uma identidade falsa.

Ele tentou e fracassou muitas vezes. Mas em vez de ir a uma bodega ou a um bar da região central de Manhattan, escolheu repetidamente o bar de um dos hotéis mais exclusivos da cidade, anexo a um restaurante administrado pelo famoso chef Jean-Georges Vongerichten, no qual um cheeseburger com batatas fritas custa US$ 60 (cerca de R$ 296,40).

Fachada do hotel The Mark, que entrou em disputa judicial com adolescente rico
Fachada do hotel The Mark, que entrou em disputa judicial com adolescente rico - George Etheredge/The New York Times

Os bartenders não costumam ver muitos adolescentes exibindo identidades falsas em estabelecimentos cujo cardápio inclui garrafas de vinho de US$ 14,5 mil (R$ 71,6 mil), e por isso Weintraub despertou atenção. Os funcionários recusaram repetidamente suas tentativas cada vez mais agressivas de comprar uma bebida, de acordo com o processo, até que finalmente, em 2021, o hotel proibiu sua entrada permanentemente.

O que aconteceu em seguida foi inicialmente incômodo, depois perturbador e, por fim, levou a uma série de eventos tão bizarros e perturbadores que o hotel, The Mark, na rua 77 Leste, Upper East Side, abriu um processo contra Weintraub, que agora tem 19 anos, por difamação.

De acordo com documentos judiciais apresentados no final do mês passado, Weintraub retornou ao The Mark nas últimas semanas, dois anos após ser banido, em busca de vingança. Não está claro por que esperou dois anos para retornar, e ele recusou pedidos de comentários.

Weintraub e outro homem, identificado como John Doe [o nome padrão usado pelas autoridades americanas para homens de identidade desconhecida ou protegida] nos autos do processo, se tornaram presença permanente do lado de fora do hotel, de acordo com a queixa, gritando slogans e erguendo cartazes de protesto com os dizeres "The Mark nega o Holocausto", "The Mark espalha doenças" e "The Mark apoia Epstein", em referência a Jeffrey Epstein, milionário condenado por crimes sexuais.

De acordo com o processo judicial, noticiado pela primeira vez no site Patch.com, eles abordavam pessoalmente os hóspedes do hotel até que, por fim, como mostra um vídeo, eclodiu uma briga na calçada. em julho, entre os manifestantes e fãs do astro do rap Drake, que estava hospedado no hotel.

O The Mark fica perto da casa de Weintraub. Mas, além da proximidade, não está claro por que ele decidiu tentar comprar bebidas alcoólicas lá, ou por que continuou tentando depois de ter o serviço recusado diversas vezes. No entanto, o relato do hotel nos documentos judiciais indica que ele guardou rancor por anos, até que este finalmente transbordou.

Abordado pelo jornal The New York Post na semana passada, Weintraub foi taciturno.

"Não posso comentar agora", ele disse. "A verdade surgirá".

Apenas algumas semanas depois de Weintraub ter sido banido do hotel, em 2021, ele estava de volta ao The Mark - dessa vez na companhia de seus pais, que não estavam informados sobre a situação.

Cliente bebe cerveja em bar nos EUA
Uso de identidade falsa por adolescente para comprar bebida alcoólica terminou em processo e muita confusão - Brandon Bell/Getty Images via AFP

A família de Weintraub havia feito uma reserva para jantar no restaurante, mas foi impedida de se acomodar à mesa pelo segurança, que os informou de que seu filho não tinha permissão para entrar no imóvel, de acordo com o processo.

A informação pareceu ser novidade para os pais de Weintraub. O adolescente primeiro pediu perdão ao hotel, segundo o processo, mas logo ficou furioso, gritando que o hotel era antissemita e que seus funcionários cuspiam na comida das pessoas.

O pai do jovem, o cardiologista Philip Weintraub, o acalmou e disse à equipe do hotel que "ele entendia a proibição", de acordo com os documentos judicial.

Philip Weintraub - um colecionador de arte que foi manchete nos jornais sensacionalistas em 2021 por causa de uma disputa de seguros centrada no roubo de obras de arte no valor de US$ 1,5 milhão (equivalente a R$ 7,42 milhões), de sua coleção de cerca de US$ 7 milhões (R$ 34,58 milhões) - entregou aos funcionários do hotel seu cartão de visita e lhes disse para ligar diretamente a ele caso seu filho causasse mais problemas. Ele não respondeu a pedidos de comentários.

Esse parecia ter sido o fim da disputa até algumas semanas atrás, quando os funcionários disseram que encontraram Theodore Weintraub uma vez mais na calçada perto do hotel, onde ele gritou com eles, de acordo com os documentos judiciais.

Não demorou para que Weintraub, 19, e outro homem começassem seus protestos. Em julho, eles também gritaram insultos contra funcionários do hotel, inclusive chamando repetidamente um porteiro de pedófilo e gritando que "a mãe dele é uma prostituta". O processo judicial também os acusa de confrontar hóspedes fisicamente.

Em diversas ocasiões, o hotel ligou para o número de emergência da polícia. O mesmo fizeram Weintraub e o outro manifestante.

Crystal, uma funcionária do hotel que falou sob a condição de ser identificada apenas pelo prenome, porque o The Mark instruiu seus funcionários a não conversar com a mídia, disse que viu Weintraub e outro homem sentados em um utilitário esportivo preto - um Cadillac Escalade, de acordo com os documentos judiciais - do lado de fora do hotel, dando instruções ao manifestante.

Ela disse que gostaria que Weintraub dedicasse seu tempo e dinheiro a outras atividades.

Confusão com comitiva de Drake

Os ânimos se exaltaram quando Drake se hospedou no hotel no mês passado. Em um vídeo postado online pelo The Hollywood Fix, um site de fofocas de celebridades, pode-se ouvir um homem gritando "The Mark ajudou Epstein!" quando Drake e sua comitiva deixam o hotel.

O processo diz que houve um tumulto do lado de fora do hotel quando Weintraub e seu colega manifestante tentaram impedir que uma celebridade, que não foi identificada nos documentos do tribunal, mas que o vídeo mostra ser Drake, voltasse a entrar no estabelecimento. Isso fez com que o outro manifestante "levasse um soco no rosto, dos fãs" da celebridade, de acordo com o processo.

A celebridade, que é judia, mais tarde reclamou com a gerência do hotel que ouvir alguém gritando sobre a negação do Holocausto quando tentava entrar e sair do local o estava incomodando, segundo o processo.

Comitiva do cantor Drake envolveu-se em confusão com adolescente rico em hotel cinco estrelas de Nova York - Eduardo Munoz - 18.set.2022 / Reuters

Edward, o superintendente de um prédio comercial próximo, que pediu para ser identificado apenas pelo primeiro nome por medo de perder o emprego, disse que viu Weintraub e seu companheiro de protesto "discutirem com os guarda-costas de Drake algumas vezes".

Mas o superintendente também disse que via a cruzada de Weintraub mais como uma esquisitice típica da cidade de Nova York do que como uma ameaça genuína.

"No que diz respeito a coisas malucas que já vimos, essa merece nota 2", disse ele. "Vemos muita coisa, por aqui".

Hotel cobrava diária de R$ 370,5 mil

Os dirigentes do hotel estão mais acostumados a hospedar celebridades e pessoas de altíssimo patrimônio - o The Mark chegou a cobrar US$ 75 mil (R$ 370,5 mil) de diária por sua suíte de cobertura - do que a ver brigas de rua em sua calçada. No final de julho, a paciência deles se esgotou.

No final do mês passado, o hotel entrou com um processo contra Weintraub por difamação e, na quinta-feira, solicitou uma ordem de restrição que o impediria, ou qualquer pessoa agindo em seu nome, de fazer piquetes do lado de fora do hotel.

A solicitação de uma ordem de restrição também abordou algumas das afirmações específicas feitas por Weintraub: ela o proibiria de declarar publicamente que o The Mark negou o Holocausto, apoiou Jeffrey Epstein, facilitou agressões sexuais ou foi fonte conhecida de doenças infecciosas.

Em uma declaração juramentada, Etienne Haro, gerente geral do hotel, ficou particularmente irritado com as acusações de Weintraub quanto a negação do Holocausto e conluio com Epstein, que, segundo o executivo, nunca se hospedou no The Mark. (Ele morava a seis quadras dali antes de ser mandado para a prisão, onde morreu por suicídio em 2019.)

"A noção de que negamos o Holocausto é uma tentativa espúria de prejudicar nossa reputação e nossos relacionamentos", escreveu Haro, que disse que a prestigiosa reputação do hotel "pode ser prejudicada, como neste caso, por uma única pessoa que reclame em voz alta sobre nossa integridade nos negócios".

Funcionários do hotel não quiseram comentar.

Alex Weisenberger, 40, que trabalha no setor de arte, no mesmo quarteirão do hotel, e usa pronomes neutros, disse que viu Weintraub protestando do lado de fora do hotel e presumiu que se tratava de uma brincadeira. Weisenberger disse que demais pessoas da vizinhança não pareciam se incomodar.

"Eu o vi andando de um lado para o outro em frente ao The Mark, gritando: ‘O The Mark tem ratos’", disse Weisenberger.

"Era estranho, mas as pessoas não pareciam realmente incomodadas", acrescentou. "Obviamente, a equipe do hotel se reuniu para falar sobre o que fazer. Mas havia pessoas sentadas do lado de fora, comendo em mesas, e elas continuaram comendo".

Tradução de Paulo Migliacci

Erramos: o texto foi alterado

Versão anterior deste texto afirmava erroneamente que US$ 60 equivalia a R$ 296,4 milhões.

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