Passagem cancelada pela 123milhas pode custar o dobro com voucher oferecido pela empresa

Especialistas em direito do consumidor afirmam que clientes podem recusar vale-compras

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São Paulo

Consumidores que compraram pacote "Promo" da 123 milhas, cancelado pela empresa na última sexta-feira (18), podem pagar o dobro ao tentar novas passagens para o mesmo destino com o voucher que está sendo oferecido pela companhia.

A 123milhas suspendeu pacotes e emissão de passagens aéreas da linha promocional, que oferecia valores abaixo dos praticados no mercado. A suspensão vale para os meses de setembro a dezembro.

Para compensar quem não vai mais conseguir viajar nas próximas datas, a companhia ofereceu vale-compra, que pode ser usado em seu site. A alternativa, porém, desagradou quem está com viagem agendada.

Fotografia colorida de uma família composta por um pai, dois filhos e uma mãe vistos de costas em um aeroporto, com o logo da 123milhas à frente da imagem e ocupando toda a tela.
Cena de comercial que divulga o programa de fidelidade da 123milhas, o 123fidelidade - Reprodução

A cliente Isabela Soares, 22, conta que comprou passagem flexível para Buenos Aires (Argentina) no dia 30 de maio pelo valor de R$ 893,21. Ela poderia viajar para a capital argentina entre os dias 30 de setembro e 2 de outubro. O retorno estava previsto para 7 a 9 de outubro.

O cancelamento pegou Isabela de surpresa. Com o voucher oferecido, ela tentou refazer a compra nesta segunda-feira (21), mas não conseguiu bilhetes por menos de R$ 1.800 —R$ 1.000 a mais do que pagou. Isabela encontrou opções que chegam a R$ 2.734, com saída do Brasil em 30 de setembro e retorno em 7 de outubro, uma diferença de R$ 1.810,35.

"Considerando a correção de 150% até 1º de agosto de 2023, o voucher a que eu teria direito seria de R$ 923,65, de acordo com com calculadora do Banco Central", diz a jovem. A única combinação mais em conta encontrada, no entanto, era de passagens a R$ 1.871, uma diferença de R$ 947,35.

Procurada, a 123milhas disse que o dinheiro não será devolvido e que a única forma de ressarcimento será por meio do vale-compra. Para Isabela, a opção é inviável e a solução foi comprar passagens para outro destino, por meio de outra agência de viagem.

O mesmo ocorreu com a jornalista Rafaela Cardoso, 34. Com viagem marcada para Orlando, na Flórida (EUA), daqui a 20 dias para levar a filha Alice, 9, aos parques da Disney, ela se viu obrigada a comprar passagens diretamente de uma companhia aérea.

As passagens dela e da filha foram adquiridas em março na 123milhas por R$ 3.700, parceladas em dez vezes. O valor original era R$ 3.100, mas como houve o parcelamento, Rafaela pagou juros. O cancelamento de seus bilhetes não foi informado pela empresa em um primeiro momento, e a jornalista só ficou sabendo ao ler notícias.

"Só depois é que me mandaram um email informando sobre o voucher, que será no valor original, de R$ 3.100, o que para mim é inviável. Comecei imediatamente a pesquisar passagens e, com a proximidade da viagem, elas estavam em R$ 9.500", afirma.

Na manhã desta segunda, ela conseguiu comprar passagens por R$ 6.500, diretamente de uma companhia aérea, e, agora, deve acionar a 123 milhas na Justiça. "Eu não vou aceitar o voucher. Se fosse uma viagem minha, tudo bem. Mas estou com uma criança, e não cancelei por causa dela. Ela vai fazer dez anos em dezembro e será um presente", diz.

Rafaela diz que quer receber ao menos os valores a gastos a mais com a compra das novas passagens e não pretende pedir nenhum outro tipo de indenização que não seja material. No entanto, com os gastos com advogado, calcula que irá sair no prejuízo.

No X (ex-Twitter), vários clientes também se queixaram do valor das passagens, que estão custando o dobro para quem vai viajar em setembro.

Outra crítica nas redes sociais é que o voucher oferecido pela empresa é parcelado.

Associações que representam o setor de turismo levantaram preocupação com o impacto que a suspensão das viagens da 123 milhas terá sobre negócios como hotéis, restaurantes, bares e outros estabelecimentos localizados nos destinos turísticos que dependem da receita trazida pelos viajantes.

Fábio Aguayo, presidente da Feturismo e diretor da CNTur, entidades do setor, afirma que esse tipo de transtorno prejudica o movimento de retomada do turismo no pós-pandemia. Segundo ele, a Feturismo tem sido procurada por vítimas e empresas associadas e estuda medidas judiciais.

Consumidor tem direito de escolher como ser ressarcido

Rodrigo Tritapepe, diretor de atendimento e orientação do Procon-SP (Fundação Proteção e Defesa do Consumidor de São Paulo), afirma que o CDC (Código de Defesa do Consumidor) dá ao cliente três opções em casos como este. É possível pedir uma nova passagem, aceitar o vale-compra ou solicitar a devolução do dinheiro.

Segundo ele, quando a empresa oferta apenas uma opção, sem perguntar se é a vontade do consumidor, descumpre o que diz a legislação, e pode ser alvo de fiscalização do órgão, com multa que pode chegar a R$ 13 milhões ao final do processo.

Desde sexta, as reclamações contra a 123milhas passaram de mil no Procon-SP, que notificou a empresa e pretende intermediar acordos. "O Procon não é um órgão de fiscalização e multas, é um órgão de conciliação, e chega a acordo em 70%, 80% dos casos. O consumidor pode reclamar no site e deve anexar o maior número de documentos possíveis."

O advogado Alexandre Berthe, especialista em defesa do consumidor, orienta os clientes a procurarem diretamente a Justiça, caso não queriam utilizar o voucher por conta do alto valor das passagens ou por ser inviável o parcelamento do vale-compra.

Segundo ele, um outro caminho é reclamar no consumidor.gov.br, mas, assim com o Procon, é uma plataforma que faz o intermédio de acordos, sem poder determinar que a companhia faça o ressarcimento. "A via judicial é mais rápida. Procon, Reclame Aqui e consumidor.gov.br são órgãos administrativos, eles não vão ter o poder de decisão de obrigar", afirma.

Avaliação no Reclame Aqui esconde situação da empresa

O site de queixas Reclame Aqui ainda apresenta um cenário favorável à empresa, com índices como 99% de reclamações respondidas e mais de 93% de solução até esta segunda-feira (21), mesmo com a suspensão do pacote "Promo".

A agência de viagens digital tem até o selo RA1000, concedido pelo Reclame Aqui às companhias que possuem excelentes índices de atendimento no site.

"Empresas que possuem este selo demonstram a seus consumidores o compromisso que possuem com o pós-venda, elevando o grau de confiança em sua marca, produtos e serviços", aponta do site do Reclame. Procurada pela Folha, a plataforma afirma que mede a capacidade de atendimento e solução de problemas de uma empresa por meio das notas das reclamações feitas pelos próprios consumidores e que é através delas que são gerados os indicadores de atendimento e a reputação de uma empresa no site.

"Até sexta-feira (18), os consumidores não haviam identificado nada que pudesse desabonar a 123milhas no seu atendimento e na solução de problemas na plataforma. Entretanto, o anúncio dos cancelamentos feito pela 123milhas, que está levando milhares de consumidores a registrarem suas insatisfações com a empresa, deve reverberar na reputação e nas notas da empresa no próximo mês, quando são realizados os cálculos reputacionais", diz o Reclame em nota.

Neste sábado (19), porém, o Reclame atingiu um pico de 120 mil acessos na página da 123milhas, depois que a suspensão das viagens foi anunciada pela agência de viagens. Foi o maior volume de buscas sobre a empresa desde janeiro de 2022.

Na própria sexta-feira, o Reclame havia registrado 787 queixas, número que subiu para 3.415 no sábado (19) e 1.591 no domingo (20). De janeiro a julho deste ano, em todos os meses, os registros de queixas contra a 123milhas no Reclame Aqui ficavam abaixo dos patamares mensais de 2022.

Há cerca de um ano, a 123milhas ganhou notoriedade na mídia por causa de uma onda de reclamações de clientes que a empresa atribuiu a um problema temporário no sistema. Os relatos mencionavam cancelamentos de viagens, dificuldades no atendimento e falta de emissão de passagens, especialmente nos pacotes em promoção.

123milhas confirma oferta de vouchers

Em nota, a 123milhas confirma que está oferecendo vouchers divididos para "possibilitar ao cliente diferentes tipos de compra", fazendo com que o cliente tenha "mais flexibilidade e liberdade de escolha do que com um só voucher no valor total".

Exemplos enviados pela 123milhas mostram três possibilidades no caso de quem tinha voos ou pacotes entre setembro e dezembro deste ano. Pode ser feito um pedido separado para cada passageiro; um pedido com o trecho da ida e outro pedido com o trecho da volta e um terceiro pedido para hotel separado de passagem aérea.

Além disso, a companhia afirma que vai pagar os vales-compra com correção de 150% do CDI (Certificado de Depósito Interbancário) e diz que eles podem ser usados "por qualquer pessoa para compra de outros produtos da 123milhas".

A empresa não revela o total de clientes afetados, mas diz que a linha "Promo" equivale a 7% das operações.

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