Descrição de chapéu Financial Times

Redes hoteleiras promovem viagens de alto luxo em trens e navios

Grupos incluindo Accor e Marriott lançam trechos para super-ricos

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Oliver Barnes
Londres | Financial Times

Em pátios ferroviários perto de Florença e Milão, centenas de profissionais especializados vão começar a trabalhar neste ano na restauração de 17 dos vagões originais do trem Expresso do Oriente, que representou o auge do turismo de luxo quando entrou em serviço, cerca de um século atrás.

A partir de novembro, turistas com alto poder aquisitivo poderão reservar um espaço no trem, imortalizado em "Assassinato no Expresso Oriente" (1934), de Agatha Christie, para sua primeira viagem em mais de três décadas no trajeto histórico entre Paris e Istambul. O trem está previsto para começar a funcionar em 2026, e a expectativa é que as suítes saiam por entre 3.000 e 6.000 euros por noite.

Organizado por sua empresa-matriz, a francesa Accor, o revival do Expresso do Oriente faz parte de uma transformação profunda pela qual estão passando conglomerados hoteleiros à medida que se aventuram em viagens de tipo mais seleto, como de trens e cruzeiros, apostando na demanda forte por luxo e na atração que seus programas de fidelidade oferecem para os clientes com alto poder aquisitivo.

O trem de luxo Venice Simplon Orient-Express chega a Istambul - Yasin Akgul - 31.ago.2022/AFP

O mercado global de viagens de luxo deve crescer 45% nos próximos cinco anos, chegando a US$ 2 trilhões, segundo pesquisa de mercado citada pela consultoria Deloitte em reportagem recente. As viagens de luxo se recuperaram da pandemia ainda mais rapidamente que o turismo do setor intermediário porque a desaceleração econômica tem freado os gastos da classe média, segundo analistas.

Cerca de 58% do público de alto poder aquisitivo, desde os ultrarricos até pessoas com salários superiores a 120 mil euros anuais, pretende passar mais tempo em viagens internacionais nos próximos 12 meses do que fez em 2019, contra uma média de 36% dos viajantes de todos os níveis salariais. Os dados são de uma pesquisa com 4.500 pessoas feita pela firma de tecnologia de viagens Amadeus.

As operadoras de resorts hoteleiros de luxo Aman e Four Seasons anunciaram as datas de lançamento de seus navios de cruzeiro de luxo próprios. Um navio de luxo pertencente ao Ritz-Carlton, do grupo Marriott, zarpou em sua viagem inaugural em outubro do ano passado, e duas outras embarcações devem partir até 2025.

Para Scott Rosenberger, sócio da Deloitte especializado em viagens e hospitalidade, o prognóstico para o mercado de viagens de luxo ainda é muito favorável.

Financiado por um investimento de US$ 1 bilhão da Accor e, em grande parte, seus parceiros, a Orient Express também pretende lançar seis outros trens em trajetos que atravessam a Itália, em parceria com o grupo italiano de hospitalidade de luxo Arsenale. O grupo também está construindo o maior veleiro do mundo, batizado de Silenseas, onde as cabines custarão até 20 mil euros por viagem.

O executivo-chefe do Accor, Sébastien Bazin, diz que dos 300 milhões de clientes que se hospedam nos hotéis da empresa todo ano, 3% são "super-ricos", e isso abre uma oportunidade grande. "São aproximadamente 9 milhões de clientes, e preciso de 110 pessoas a bordo do navio", ele disse. Bazin prevê que o iate de 720 pés quadrados e suas 56 suítes serão alugados para uso privado por um terço de cada ano.

"Durante 40 anos nós só queríamos uma coisa: ‘sequestrar’ o cliente pelo maior tempo possível no espaço do hotel, para garantir que ele tomasse o café da manhã, almoço, jantar e coquetéis conosco", disse Bazin. Mas agora, segundo ele, a Accor "quer ser curadora, e, se for preciso, proprietária e operadora dessas atividades quando ele sai de nossos recintos".

Oferecer experiências mais diversificadas também é uma maneira de os grupos hoteleiros conservarem seus clientes mais ricos vinculados a programas de fidelidade. Para Clayton Reid, diretor-executivo da agência de marketing de hospitalidade MMGY Global, os empreendimentos de cruzeiro de luxo são "mais uma jogada de marketing de fidelidade à marca que jogada de receita".

Amir Eylon, executivo-chefe da consultoria de viagens Longwoods International, disse que a aposta em cruzeiros é "a maneira que esses grupos encontraram de garantir a fidelidade de seus viajantes de luxo".

Cerca de metade dos quase 300 passageiros da viagem inaugural do superiate Evrima, do grupo Ritz-Carlton, no ano passado, eram membros do programa de fidelidade "Bonvoy" do Marriott –um dos maiores do mundo.

Jim Murren, executivo-chefe do Ritz-Carlton Yacht Collection, disse que as viagens oferecem aos membros do Bonvoy "mais uma oportunidade ímpar de ganhar e resgatar pontos", destacando que os passageiros a bordo são em média dez anos mais jovens que os de um cruzeiro de luxo típico.

Segundo Murren, o "interesse crescente de várias operadoras hoteleiras pela categoria dos cruzeiros de ultraluxo ressalta a demanda crescente" por viagens mais personalizadas e de alto padrão.

Mas ingressar no setor dos cruzeiros encerra riscos. O primeiro barco do Ritz-Carlton foi lançado dois anos e meio após o previsto, devido aos atrasos na construção decorrentes da pandemia.

"O setor já mostrou que é bastante lucrativo, mas ocorrem desastres, como vimos nos últimos anos, por exemplo quando um navio encalhou ao largo da costa da Itália", disse Rosenberger. "Isto é um empreendimento de alto risco, você precisa saber o que está fazendo."

E é um empreendimento caro. Vlad Doronin, executivo-chefe da Aman Resorts, que em conjunto com a Cruise Saudi, pertencente à PIF, está investindo US$ 600 milhões em um navio de cruzeiro previsto para ser lançado em 2027, disse que o gasto de capital "é muito maior por chave de quarto do que em nossos hotéis e resorts em terra".

O grupo de hotéis de luxo Belmond, pertencente à LVMH, é um modelo que muitos de seus rivais maiores estão tentando replicar, segundo seu executivo-chefe Dan Ruff. Fundado como o grupo Orient Express Hotels, seu nome foi mudado em 2014. Pouco depois de sua criação, em 1976, a empresa começou a oferecer viagens em trens-leito de luxo e cruzeiros fluviais.

"Fomos pioneiros nesse tipo de atividade", disse Ruff. "Os grandes grupos hoteleiros veem o que nós temos feito como uma oportunidade." O próprio Belmond vai lançar no inverno europeu deste ano uma nova viagem para os Alpes franceses, com um pernoite, em seu trem Venice Simplon Orient Express. No ano que vem, após um longo hiato, vai trazer de volta um trajeto histórico que atravessa Singapura, Malásia e Tailândia. As duas viagens custam a partir de US$ 3.000.

A capacidade de passageiros em suas embarcações foi reduzida. "O que temos feito nos últimos dois ou três anos é construir suítes cada vez maiores", falou Ruff. "Reduzir o número de passageiros eleva a experiência dos hóspedes, a torna mais íntima."

Mas Manfredi Lefebvre d’Ovidio, um veterano do setor que está supervisionando o relançamento da linha de cruzeiros de luxo Crystal Cruises, disse que a investida dos grupos hoteleiros no setor não deve representar uma concorrência importante para os operadores tradicionais, pelos quais viajam pouco mais de 1 milhão de passageiros por ano em cruzeiros de luxo.

"Não vejo isso como ameaça", ele disse. "Esses grupos hoteleiros não estão ingressando no setor no nível de luxo, estão entrando no nível de ultraluxo."

O teste para os hoteleiros será ver se a iniciativa será lucrativa, mesmo com preços altíssimos. "O número de pessoas que vão se interessar é limitado", alertou Rosenberger.

Mas Bazin, do grupo Accor, argumentou que a história tem muitos exemplos da atração exercida pelas viagens de luxo em trens ou iates. Os vagões originais foram encontrados em trilhas ferroviárias inativas na fronteira entre Polônia e Belarus, em 2015. "Estamos fazendo algo que é tão ousado que nunca foi oferecido realmente até agora, exceto por, estranhamente, cem anos atrás", ele disse. "Estamos trazendo de volta a época áurea das viagens de luxo."

Tradução de Clara Allain

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