Descrição de chapéu Folha ESG

Relembre artigos de Ignacy Sachs, especialista em ecodesenvolvimento

Economista de origem polonesa estudou no Brasil e foi um dos maiores pensadores da economia ecológica

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São Paulo

O socioeconomista Ignacy Sachs, um dos maiores pensadores da economia ecológica, morreu na quarta-feira (2), em Paris, aos 96 anos. De origem polonesa e naturalizado francês, nasceu na Polônia em 1927. Sua família se refugiou no Brasil durante a Segunda Guerra Mundial e ele concluiu a graduação em economia na Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas do Rio de Janeiro.

Um dos acadêmicos que ajudou a elaborar a declaração final da Conferência das Nações Unidas de Estocolmo, de 1972, Sachs é conhecido por cunhar o termo "ecodesenvolvimento", que prevê a integração das dimensões econômicas, sociais e ambientais no planejamento do desenvolvimento.

Entre suas obras, destacam-se os livros "Estratégias de Transição para o Século 21" (1993) e "A Terceira Margem" (2009), no qual reuniu suas memórias. Foi professor e diretor da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (École des Hautes Études en Sciences Sociales, EHESS).

Leia abaixo um artigo e duas entrevistas de Ignacy Sachs publicadas na Folha.

O economista francês Ignacy Sachs durante conferência na USP - Matuiti Mayezo/Folhapress

Crescimento tem que ser reorientado (3.mar.1996)

Ignacy Sachs

O progresso técnico é sempre irreversível, a não ser que uma catástrofe venha a destruir a memória social. Não se esquece aquilo que foi inventado.

Isso não quer dizer que seja impossível pilotar o progresso técnico e modular sua aplicação, desde que se criem meios de regulação da economia.

Em uma economia desregulada e aberta, funcionando apenas à mercê das forças do mercado, é grande o risco de que o progresso técnico se faça sem nenhum respeito pelos custos sociais e ambientais.

Aí está porque, à época da mundialização, o Estado nacional tem uma função essencial a preencher enquanto regulador de mercados.

Na fase atual, o progresso técnico é fortemente destruidor de empregos industriais e, cada vez mais, de empregos terciários submetidos à concorrência dos computadores. Não creio que essa tendência possa ser estancada.

Em compensação, é possível e necessário diminuir seu impacto por uma dupla manobra: é preciso acelerar o crescimento, o que demanda um forte aumento da poupança e dos investimentos.

Ao mesmo tempo, é preciso redirecionar esse crescimento, dando prioridade aos setores da economia que são ainda capazes de absorver muita mão-de-obra.

O que fazer

Uma política de emprego digna deste nome deve passar o pente-fino em todos os setores da economia a fim de identificar os lugares de trabalho disponíveis.

Os setores seguintes me parecem merecer uma atenção prioritária:

  1. A agricultura, principalmente a agricultura familiar convenientemente modernizada —é a ideia central do Pronaf (Programa Nacional de Apoio à Agricultura Familiar);
  2. As agroindústrias, em particular as pequenas e médias empresas que trabalham frequentemente para o mercado local;
  3. As indústrias de bens de consumo corrente (com a condição de não permitir que elas desapareçam sob o impacto da concorrência estrangeira);
  4. As bioenergias e as indústrias transformadoras da biomassa; cada vez que um barril de petróleo é substituído pela energia de biomassa, aciona-se um multiplicador de empregos para produzir esta biomassa;
  5. As atividades ligadas à redução do desperdício da energia e da água, à reciclagem de dejetos e à reutilização de materiais, bem como à conservação das infraestruturas, dos equipamentos e do parque imobiliário (uma maneira de economizar o capital de reposição), estes empregos se financiando, ao menos parcialmente, pela poupança das fontes que trazem;
  6. Enfim, os serviços sociais, no sentido amplo do termo, cujo custo para o Estado poderia ser diminuído por meio da pesquisa de parcerias com as organizações da sociedade civil (o privado sem fim lucrativo) e os usuários.

Brasil ainda é a terra prometida, diz Sachs (5.jan.1992)


João Batista Magalhães, de Paris

O economista polonês Ignacy Sachs afirma que o "Brasil ainda é uma terra prometida, que está virando rapidamente um paraíso perdido para uns e um purgatório imerecido para a maioria". Segundo ele, os problemas estruturais brasileiros estão se agravando com a especulação financeira.

Sachs critica a política de juros altos adotada pelo governo brasileiro, que "paralisa qualquer negócio de investimento honesto na produção". Ele acha que a conta do ajuste deveria ser paga pelo setor financeiro. As afirmações foram feitas em entrevista exclusiva à Folha em seu escritório em Paris.

Leia a seguir trechos da entrevista.

O que o sr. achou da reportagem publicada pela revista inglesa "The Economist" sobre o Brasil?
Eles sempre são maldosos. Estou em desacordo total com o título "Drunk not sick" ("Bêbado, não doente"). É uma citação de um artigo do professor Dornbusch com o qual não concordo. Não sei se a economia brasileira está bêbada ou não, mas certamente está doente. É uma análise que critica a atual administração brasileira, mas subestima os problemas estruturais que se acumulam há décadas.

O sr. inocentaria o atual governo brasileiro?
A alternativa está mal colocada. Acho que propor soluções de natureza neoliberal desvia o debate sobre os problemas estruturais de um Brasil que cresceu de uma maneira extraordinária dentro de um modelo de crescimento pela desigualdade e na desigualdade.

Como o sr. analisa a situação brasileira atual?
O Brasil ainda é uma terra prometida que está virando rapidamente o paraíso perdido para uns e um purgatório imerecido para os excluídos, que são a maioria. Sem atacar os problemas fundamentais da repartição da riqueza e da renda, sem definir claramente quem paga a conta do ajuste, estamos cada vez mais diminuindo a margem de liberdade que ainda resta para endireitar um país que tem possibilidades extraordinárias.

Quem está pagando a conta atualmente?
Acho que o primeiro Plano Collor tinha um elemento extremamente positivo; a tentativa de se acabar com a ciranda financeira. Infelizmente isso não durou muito. É o setor financeiro que deveria estar bancando a conta. O que acontece é o contrário. A política de juros estratosféricos acaba dando ao setor financeiro oportunidades que nenhum outro setor tem e praticamente paralisa qualquer negócio de investimento honesto na produção. Esse é um problema mundial, agravado no Brasil pela especulação.

Que soluções o sr. proporia para o Brasil?
Não creio que a solução consista em deprimir o consumo. O país precisa aproveitar seu maior trunfo: o potencial de seu mercado interno. Os juros afetam terrivelmente os custos de produção e criam uma pressão inflacionária. Um segundo ponto é a questão da abertura da economia. A questão é saber se se faz uma abertura seletiva, subordinada a uma política industrial, que por sua vez tem que ser subordinada a uma política social, que coloca o risco de sucateamento ou se se faz uma abertura total, que coloca o risco de sucateamento industrial do país

Acho que o Brasil deveria assumir a liderança mundial para uma redefinição das regras do jogo nas relações Norte-Sul. A solução passa pela resolução do déficit americano, que acaba absorvendo todos os excessos de capital que poderiam se dirigir para o Sul. E o Brasil deveria aproveitar melhor seus recursos materiais.

O salto do PIB pode ser "perverso" (21.nov.1982)

Nesta segunda parte da mesa-redonda, o professor Ignacy Sachs discute com seus debatedores o esgotamento do ciclo econômico iniciado nos anos 1950, durante o governo Juscelino Kubitschek, e que teve como principal característica o crescimento não seletivo.

Para Sachs, as escolas de pensamento descobriram que, ao contrário do que pensavam antes, não basta ter uma alta taxa de crescimento para que o desenvolvimento venha automaticamente. Num caso extremo, uma alta taxa de crescimento pode levar ao que o professor denomina de "crescimento perverso".

Sachs sugere alternativas de crescimento e condena o que Schumpter denominava de "a destruição criadora". "Devemos frear, ao invés de acelerar, a obsolescência tecnológica."

Na edição de amanhã, o Dossiê Folha analisa os efeitos do crescimento perverso.

A seguir, trechos de debate sobre o modelo de crescimento.

Custo ecológico é imperceptível

Tudo indica que o ciclo econômico iniciado nos anos 1950, durante o governo Juscelino, está encerrado. Como o sr. vê este ciclo, que teve o crescimento econômico não-seletivo como principal indicador?
Pensava-se que para chegar ao desenvolvimento bastava assegurar uma alta taxa de crescimento, e o resto viria quase automaticamente. Neoclássicos, marxistas, todas as escolas de pensamento estavam voltadas para o problema da taxa de crescimento. Hoje sabemos que a coisa é muito mais complicada, inclusive pode haver situações onde uma alta taxa de crescimento ao invés de trazer desenvolvimento no seu bojo, traz uma série de elementos estruturais negativos a tal ponto que se pode falar de mau desenvolvimento. Ou seja, há um elemento qualitativo e estrutural a introduzir na análise que a manipulação das taxas de crescimento não permite ver.

Num caso-limite se poderia falar em crescimento perverso. Crescimento perverso porque, a curto prazo, todos os indicadores são extremamente positivos. A renda cresce, o emprego aumenta. Mas se essa renda e esse emprego aumentam a partir de uma hipertrofia no setor de produção de bens de luxo, que canalizam os recursos escassos, necessários para o desenvolvimento dos demais setores da economia, no momento em que essa demanda pelos bens de luxo estancar, a economia vai estancar também. Quer dizer, o crescimento terá sido um crescimento perverso, terá levado para um beco sem saída.

Devo dizer, com toda honestidade, que essa análise, feita no começo dos anos 1970, antecipava um estancamento muito mais rápido do que ocorreu. Isso por ter subestimado dois fatores: a capacidade de incorporação predatória de recursos naturais no sistema, por um lado, e, por outro, a capacidade de manipular a distribuição da renda num sentido regressivo, o que cria um pulmão de oxigênio para a demanda de bens de luxo. De uma maneira geral, fica a preocupação de não se deixar prender pelas taxas de crescimento, de ir a uma análise estrutural, tanto da estrutura da demanda como da estrutura da renda, para compreender melhor que distorções ocorrem no processo.

Num segundo nível de análise, pode-se dizer que os economistas se preocuparam muito mais com as externalidades positivas do que com as negativas. Quando se deixa a dinâmica do processo ao empresário, ele vai tentar obter lucros no curto e médio prazos e externalizar os custos para a sociedade. Ele vai, evidentemente, reclamar as externalidades positivas para ele, ou seja, ele vai reclamar estradas, infraestrutura, mas ele não vai cuidar dos custos sociais e ecológicos que o processo acarreta.

No seguimento, a acumulação desses custos sociais e ecológicos é que se torna muitas vezes o detonador do estancamento. De qualquer maneira, uma debilidade evidente da análise econômica, tal como praticamos hoje em todas as escolas, é a nossa incapacidade de integrar na análise os custos sociais e ecológicos. Eu diria que integrar ou não integrar esses custos sociais e ecológicos é a diferença entre uma racionalidade microeconômica e empresarial e a racionalidade macrossocial. E aí portanto estamos. Esses custos podem ser absolutamente exorbitantes e outra vez estamos numa situação, eu diria, perversa, porque eles não são percebidos imediatamente.

Em particular os custos ecológicos se acumulam de uma maneira muitas vezes imperceptível. Há um efeito cumulativo e depois uma explosão, mas uma explosão que não foi vista a tempo. A partir daqui se pode vislumbrar duas lógicas de crescimento. Uma que eu chamaria de imediatista, que considera que a lógica microempresarial, a racionalidade microempresarial reflete os interesses macrossociais e que, frente às crises externas, procura fugir às dificuldades naquilo que em francês se chama "fuga para a frente". No jargão dos tecnocratas brasileiros, diz-se "empurrar com a barriga para frente". Ou seja, acentuando as características do crescimento anterior, incorporando ainda mais recursos, cortando as despesas, cujo objetivo seria minimizar os custos sociais e ecológicos do processo, sob o pretexto de que a única coisa importante é recuperar a competitividade internacional e correr para a frente.

A essa lógica imediatista e que acentua, portanto, as características negativas da falta de consideração com os custos sociais e ecológicos, a gente poderia opor uma segunda lógica, que procura a saída da crise. Tomando como primeiro objetivo a eliminação do desperdício que caracteriza o processo anterior, ou seja, ao invés de incorporar ainda mais recursos, ao invés de acelerar ainda mais a rotação das máquinas e do aparelho de produção, ao invés de acentuar aquilo que Shumpeter chamava na sua teoria "a destruição criadora", na qual ele via o mecanismo central do capitalismo, eu diria que a gente deveria tomar uma atitude bem diferente, tentando, ao contrário, ser muito mais seletivo na incorporação de novas tecnologias.

Frear, ao invés de acelerar, a obsolescência tecnológica. E fazer uma análise muito cuidadosa de todos os desperdícios a nível dos recursos naturais, da não utilização dos resíduos e da dispersão espacial das atividades que acarretam custos altos de transporte.

Vivemos uma época em que o capital era barato, durante muitos anos as taxas reais eram negativas, portanto era fácil transferir as coisas no tempo, e, com o transporte barato, era fácil mover as coisas no espaço.

Bom, entramos numa fase estruturalmente nova, onde o capital é muito caro e onde o transporte reflete o encarecimento do petróleo. Então torna-se cada vez mais difícil jogar as coisas para a frente ou jogar as coisas no espaço. Temos que reanalisar todo o problema da articulação das estratégias de crescimento com as estratégias de ocupação espacial.

Essas são as características principais, a meu ver, dessa situação. Isso provavelmente vai nos forçar, cada vez mais, a uma atitude que busca soluções locais para os problemas, ao invés de tentar impingir, de cima para baixo, soluções universais. O problema será exatamente o contrário, ou seja, identificar problemas gerais e depois tentar solucioná-los a partir de uma análise extremamente cuidadosa do contexto específico, ecológico, cultural, socioeconômico local, o que leva, evidentemente, a enfatizar o problema de planejamento participativo ao contrário de uma visão tecnocrática de planejamento.

Uma última ressalva, não se deve levar esse argumento a um extremo que seria perigoso e que consistiria em pensar que a complexidade do mundo contemporâneo pode ser solucionada através da criação de um arquipélago de comunidades autossuficientes. Evidentemente, para que o nível local possa funcionar de uma maneira satisfatória, impõe-se um respaldo do nível central. Não vai haver planejamento local e participativo eficiente sem um planejamento central voltado ao apoio a esses espaços de autonomia local.

Levar o debate à praça pública

Após esta visão global, seria interessante procurar detalhar um pouco o diagnóstico do processo de desenvolvimento brasileiro nos últimos trinta anos e que nos levou a uma situação de extrema gravidade. A questão do modelo de desenvolvimento está muito ligada à forma de organização social, que por sua vez está ligada a uma forma de organização política. O crescimento perverso não surge do nada, ele surge em função de certas afinidades de interesses entre categorias sociais que adquirem conteúdo político. Ora, isto se deu com a classe média urbana brasileira, que foi tendo acesso a certos tipos de bens que esse crescimento perverso permitia. Isto trouxe uma união de interesses de uma classe média, diminuta no global da população, mas que dava apoio político desde que pudesse usufruir dos benefícios. Então, a concentração de renda, que é um fator inerente ao crescimento perverso, se deu em detrimento da grande massa marginalizada. Essa classe média constituía o mercado das novas indústrias. Então, vimos a nossa diminuta classe média unindo-se com os empresários e com os políticos em geral, para formar e permitir a consolidação do modelo de crescimento perverso, rachando a sociedade entre a grande massa, a população marginalizada, e um terço ou um quarto restantes. Agora imaginamos que há uma ruptura, pois o restrito mercado se saturou, o desperdício deteriorou o processo que se tornou rapidamente obsoleto pela internacionalização não seletiva da tecnologia. Na sua visão, existe algo que explica particularmente as deformações do modelo econômico brasileiro?
Eu não tenho nenhuma diferença com essa análise que, ao contrário, completa a intenção teórica do que aqui se conceituou. Tenho, entretanto, duas ou três observações. A primeira, e que evidentemente desempenha um papel muito importante no processo, é a legitimação do poder pela taxa de crescimento. Acho que isto teve um papel extremamente importante no Brasil, mas ocorreu também em países e regimes muito diferentes.

Na Polônia, por exemplo, ocorreu também um processo de crescimento perverso que foi legitimado pela taxa de crescimento alta. Lá como aqui, a legitimação pela taxa de modernização da indústria desempenhou um papel muito importante e que encontrou o apoio decidido do Estado. Foi o Estado quem organizou esse tipo de processo de crescimento. Aqui, naturalmente, abre-se um enorme tema para debate, de qual é o papel do Estado na economia.

Na realidade, quando falamos no setor público, devemos entender que as modalidades reais de sua atuação vão desde a situação em que dirige um conglomerado de empresas, que embora pertencentes ao Estado, se comportam como empresas privadas, isto é, se regem pela racionalidade microempresarial privada, até situações que ficam por definir onde o setor público atua como um instrumento real de modificação dos fenômenos que resultam do crescimento. Acho que um dos grandes pecados de muitos modelos teóricos de crescimento é que eles eliminam desde a primeira linha a possibilidade de que o crescimento se faça pela desigualdade social.

O postulado é: a desigualdade social não aumenta no modelo. Este postulado, que apoio, entretanto não corresponde a uma visão realista das situações. Eu nunca vi nenhum livro que estude, a nível de modelo, o crescimento com redistribuição regressiva da renda e, a partir daí, enfoque os papéis possíveis do Estado.

O problema, entretanto, é o de levar à praça pública um debate permanente sobre as estratégias de desenvolvimento. Isto evidentemente tem faltado em praticamente todos os países, com graus variáveis, quanto à eliminação desse debate.

Parte da economia fora das análises

Em geral, o crescimento perverso é retratado em cada cidade e, principalmente, nas grandes capitais, à medida em que se afasta do centro, com os grandes viadutos revestidos de mármore, e quando se começa a ingressar na periferia, em ruas não calçadas, não iluminadas, sem água e sem esgotos, em casas que são verdadeiros esconderijos, em favelas. E esse o crescimento perverso, a desigualdade entre as duas cidades? A cidade da classe média e a cidade da massa desqualificada e marginalizada? Da massa sem transportes e sem comida? Como o sr. caracterizaria o crescimento perverso?
Olha, antes disto temos que identificar as causas, o porquê da explosão urbana. Evidentemente houve um modelo de transformação tecnológica do campo, que provocou uma migração acelerada. O censo de 1980 mostra isso. O problema é a escolha do modelo, que talvez seja eficiente do ponto de vista do volume das exportações que permite assegurar, mas que tem um altíssimo custo social, porque não contribui para fixar o homem no campo. O custo social desse modelo de crescimento agrícola está na favelização das grandes cidades.

Novamente voltamos ao mesmo tema: temos pouquíssima capacidade de raciocinar sobre os custos sociais e ecológicos. Quando se discute o problema da eficiência de uma tecnologia, se toma como ponto de referência a empresa, não se está preocupado com esses custos sociais indiretos como, por exemplo, a favelização que vem disso. Posso citar um outro exemplo que colhi numa viagem ao Maranhão. A Alcoa, que está construindo uma grande fábrica em São Luís, vai criar, segundo me disseram, 2.000 empregos diretos com um investimento da ordem de US$ 1 bilhão.

A maioria desses empregos diretos irá provavelmente para pessoas que virão de fora. E certo que vai criar dez, quinze, não sei quantos mil empregos indiretos. Mas mesmo que seja maior o número desses empregos vamos atentar para um aspecto da situação que não vai entrar no cálculo empresarial. Boa parte da população de São Luís completa o seu regime alimentar deficiente catando caranguejos e pegando sururu no mangue. As lamas e rochas que vão ser jogadas pela Alcoa vão, mesmo no caso mais positivo que se possa imaginar, limitar de uma maneira drástica o manguezal da cidade de São Luís. Para essa metade da população, vai-se colocar um problema cotidiano que nunca entrou nas estatísticas da renda nacional e que portanto não preocupa o economista tradicional, porque o economista tradicional trabalha com a economia de mercado. O que está ocorrendo fora do mercado, e inclusive o que está ocorrendo com a economia doméstica, não entra no campo dele. Isso significa que mesmo nos países mais industrializados do mundo uma boa metade da atividade econômica não entra diretamente no campo de cogitação dos economistas. Essa é para mim uma limitação muito séria da minha profissão.

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