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Leo Lewis

Privadas inteligentes viram medida da resiliência econômica da China

Produto de complexidade cultural e tecnológica pode virar um marcador do consumo da classe média

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Leo Lewis

Editor do Financial Times

Financial Times

Não é sempre que o Goldman Sachs menciona em sua pesquisa de ações os kawayakami, deuses do banheiro japoneses caprichosos e obcecados por limpeza. É ainda mais raro que ele cite a benesse dessas divindades ao promover o investimento numa empresa chinesa de acessórios para banheiro.

Mas quando se trata de lançar ações listadas em Shenzhen para investidores globais nervosos, em qualquer lugar menos na China, estes são tempos inegavelmente difíceis. O suficiente, é claro, para justificar a construção de um gráfico elaborado comparando "a cultura do banheiro e os principais fatores de penetração na China vs Japão e EUA".

Para os defensores da ideia de que várias partes do mundo estão maduras para diferentes tipos de japonificação, isso é atraente. A versão curta da nota é que o Goldman acredita que as privadas inteligentes –maravilhas com aquecimento do assento, lavagem e secagem pioneiras no Japão como uma suposta extensão de sua adoração aos kawayakami– estão prontas para ser adotadas por uma cultura chinesa amiga dos toaletes. Os banheiros, afirma a nota, são vistos na China como um "espaço seguro e confortável para meu tempo pessoal".

Privada tecnológica ganha força na China - Adobe Stock

Embora a adoção de privadas inteligentes na China tenha sido, na última década, liderada por mulheres de meia-idade e classe média, espera-se que a próxima fase atraia compradores mais jovens. Os beneficiários, argumentam os analistas do Goldman, serão ofertas domésticas mais baratas e menos sofisticadas de empresas como a gigante local de artigos sanitários Arrow Home, em vez de ofertas estrangeiras caras como a japonesa Toto –um eco da tendência em vários setores chineses.

Os níveis de adoção de privadas inteligentes na China, prevê o Goldman, deverão aumentar de 4% em 2022 para 11% em 2026, quando as receitas da indústria chinesa de louças sanitárias em geral chegarão a US$ 21 bilhões por ano.

No Japão, acrescenta, as privadas inteligentes desfrutam de uma taxa de adoção de 80%, enquanto nos EUA, que o Goldman declara como uma "cultura de banheiro hostil", a taxa está abaixo de 1%. As taxas de adoção na China serão limitadas a algo em torno de 30%, alerta a nota, dada a idade do estoque de moradias do país e a exigência de boa pressão da água.

A análise do Goldman reverbera além de seu foco no crescimento das privadas inteligentes na segunda maior economia do mundo. Dados os temores que giram em torno dos riscos de estagnação prolongada e recessão nos balanços, pode parecer um momento estranho para defender banheiros sofisticados.

Mas o produto, em toda a sua íntima complexidade cultural e tecnológica, representa um tipo de consumo de classe média, vinculado à propriedade, cuja relevância para as questões mais amplas em torno da economia chinesa nunca foi tão forte. A China precisa que a história da privada inteligente se torne realidade, mas precisa que aconteça da maneira certa: as partes boas da japonificação, sem as ruins.

Os problemas econômicos atuais da China abriram espaço para a teoria de que os problemas do início dos anos 1990 no Japão poderão se repetir em maior escala na China. A combinação de uma crise no setor imobiliário chinês, um claro enfraquecimento do espírito empreendedor e um déficit de demanda que levou o índice de preços ao consumidor à beira da deflação conferem certa solidez a essa linha de pensamento.

Empresas zumbis, gastos corporativos mornos e um declínio crônico do poder de precificação pesam sobre o Japão há décadas. É um espectro que a China deve temer, legitimamente. No entanto, muitos descartam a comparação e a ideia de que os problemas da China são inevitáveis em um prazo relativamente curto. Andy Rothman, estrategista de investimentos da Matthews Asia, considera um erro subestimar a resiliência dos consumidores e empresários chineses e o pragmatismo dos formuladores de políticas.

Esse otimismo sustenta o caso da adoção da privada inteligente: a urbanização na China não está acabada, os gastos com móveis como porcentagem da renda disponível ainda são menores do que no Japão, nos Estados Unidos e na Índia, e quanto mais desesperados os desenvolvedores imobiliários estão para vender apartamentos, mais eles podem tentar atrair compradores instalando banheiros sofisticados.

A demanda do consumidor pode ser baixa, mas a demanda da classe média por um "estilo de vida de qualidade" relativamente barato pode desafiar isso. Os consumidores japoneses compraram banheiros cada vez mais chamativos ao longo de 30 anos de estagnação. Essa é uma boa japonificação.

O problema, porém, é inerente ao argumento do Goldman para a Arrow Home: a geração mais jovem da China e as famílias de renda média comprarão privadas inteligentes produzidas no país exatamente porque não são apenas baratas agora, mas provavelmente o serão ainda mais no futuro, à medida que o mercado se expandir. O preço de uma privada inteligente de baixo custo, segundo estimativas do Goldman, cairá 20% entre agora e 2026. Incorpore esse tipo de número deflacionado na cabeça do consumidor e você terá o tipo errado de japonificação.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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