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'Taxar super-ricos não é mais ideia só da esquerda': os argumentos de milionário americano que quer pagar mais imposto

Ex-diretor de um dos maiores fundos de investimentos do mundo afirma que detentores de grandes fortunas precisam enxergar que pagar mais tributos é importante para a estabilidade das sociedades e, portanto, para seus próprios interesses

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Mariana Schreiber
Brasília | BBC News Brasil

Morris Pearl tenta há quase dez anos fazer com que milionários como ele próprio paguem mais impostos nos Estados Unidos.

Ex-diretor de um dos maiores fundos de investimentos do mundo, o BlackRock, ele preside a organização Patriotas Milionários (Patriotic Millionaires, no original em inglês), que busca aumentar a pressão sobre os políticos americanos para que aprovem mais tributos sobre a renda e o patrimônio dos super-ricos.

Em entrevista à BBC News Brasil, ele reconhece que houve pouco avanço concreto nessa última década.

Morris Pearl é ex-diretor de um dos maiores fundos de investimentos do mundo, o BlackRock. Ele é um homem calvo, de cabelos aparados e brancos. Usa óculos de grau e veste costume marinho, com camisa azul e gravata amarela.
Morris Pearl é ex-diretor de um dos maiores fundos de investimentos do mundo, o BlackRock - Patriotic Millionaires

Por outro lado, acredita que o sentimento a favor de taxar mais os milionários tem ficado mais forte, em meio à crescente desigualdade no país.

"Essas ideias sobre tributar os ricos eram consideradas ideias da esquerda. Agora, o presidente dos Estados Unidos (Joe Biden) está abraçando ao menos algumas das nossas ideias. O presidente do Comitê de Finanças do Senado dos Estados Unidos (o democrata Ron Wyden) está propondo algumas das nossas ideias", comemora, ao mesmo tempo em que admite que não há maioria no Congresso americano para aprovar as medidas.

Pearl compartilhará um pouco da sua experiência com o público brasileiro nesta terça-feira (29), quando participa virtualmente do Fórum Internacional Tributário (FIT), promovido em Brasília por entidades como a Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital Fenafisco) e o Comitê Nacional de Secretários de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz).

Sua mesa tem como tema "Tributação da Renda e da Riqueza: a Experiência Internacional e o Brasil".

Dados oficiais dos dois países mostram que Brasil e Estados Unidos têm um cenário semelhante: os contribuintes mais ricos pagam, em média, alíquotas menores de imposto de renda que a classe trabalhadora. Isso ocorre, em boa parte, porque salários são mais tributados do que aplicações financeiras.

Uma análise realizada por economistas da Casa Branca em 2021 estimou que as 400 famílias bilionárias mais ricas do país teriam pago, em média, apenas 8,2% de seus ganhos totais em imposto de renda, entre 2010 e 2018.

Em comparação, uma família de um trabalhador de renda média com dois filhos (dependentes que dão desconto no imposto de renda) era taxada em 19,8% em 2022, enquanto um trabalhador solteiro pagava alíquota de 30% naquele ano, segundo cálculos da instituição Tax Foundation.

"Aqui nos Estados Unidos, infelizmente, temos um sistema em que as pessoas que já são ricas, as pessoas que obtêm o seu dinheiro dos seus investimentos e das coisas (propriedades, por exemplo) que possuem, pagam taxas de impostos mais baixas do que as pessoas que de fato trabalham para viver", ressalta Pearl.

"E isso significa que se você já é rico, tende a ficar mais rico com o tempo. Enquanto todos os outros estão apenas lutando para permanecerem iguais", crítica.

Para o milionário, esse processo está ampliando a desigualdade no país e pode desestabilizar a democracia americana.

"Estamos preocupados com a perspectiva de que muito em breve, em algum momento, as pessoas não aguentem mais isso. Esperamos usar o processo democrático para mudar essas políticas, reduzir a crescente desigualdade e tornar toda a nossa sociedade mais estável", defende.

Na visão de Pearl, defender que lhe sejam cobrados mais impostos não se trata de bondade, mas de pensar no seu próprio interesse.

Ele contesta argumentos de que tributar riqueza reduziria investimentos, prejudicando a economia e a geração de empregos.

"Quando o governo arrecada dinheiro tributando as pessoas ricas, o dinheiro não desaparece simplesmente. Na verdade, o dinheiro é realmente colocado na economia, porque as pessoas muito ricas têm muito dinheiro (parado) em investimentos e em contas bancárias", argumenta.

"Se você tirar parte do dinheiro deles (os milionários), eles ficarão um pouco menos ricos, é verdade. Mas, quando você usa esse dinheiro para pagar professores, funcionários de hospitais e todos os tipos de trabalhadores do governo, esse dinheiro é gasto (por esses trabalhadores) e é isso que realmente ajuda os empresários", continua.

O milionário gosta de usar uma analogia para ilustrar seu raciocínio.

"Costumo dizer que o dono do bar se preocupa muito mais com quanto dinheiro está nos bolsos de todas as pessoas sentadas no bar do que com o salário do cara que está atrás do bar servindo a cerveja. Precisamos construir negócios numa nação onde haja pessoas com dinheiro suficiente para pagar as coisas", reforça.

"Por isso eu digo para investidores e empresários olharem para o longo prazo, olharem para o seu próprio interesse com clareza e pensarem sobre onde estão e onde querem estar. Ou onde seus filhos e netos querem estar", diz ainda.

Biden quer nova taxa sobre fortunas

Taxação maior de grandes fortunas enfrenta muita resistência no Congresso dos EUA
Taxação maior de grandes fortunas enfrenta muita resistência no Congresso dos EUA - Getty Images

Nos Estados Unidos, Joe Biden tem feito sugestões ambiciosas de aumento de impostos sobre os mais ricos.

Algumas delas entraram na proposta de orçamento do governo para 2024, como a ideia de criar um imposto de 20% que incidira sobre a valorização de ações (mesmo sem a venda dos papéis) e atingiria um grupo pequeno de pessoas - pouco mais de 20 mil contribuintes nos EUA com fortunas superiores a US$ 100 milhões (cerca de R$ 488 milhões atualmente).

O investidor Warren Buffett, o chefe da Tesla, Elon Musk, e o fundador da Amazon, Jeff Bezos, estariam entre os afetados.

A proposta de Biden também prevê o aumento da alíquota do imposto de renda sobre as famílias que ganham mais de US$ 400 mil —subiria de uma alíquota de 37% para 39,6%.

E o imposto para empresas seria elevado a 28%, revertendo parcialmente os cortes feitos sob o governo Trump.

Morris Pearl, porém, reconhece que essas tentativas não devem passar no Congresso.

Na sua avaliação, os parlamentares sofrem muita influência de grandes financiadores de campanha, pessoas ricas que não estão interessadas em pagar mais impostos.

Um dos caminhos para combater isso, diz, é convencer mais pessoas a votar (o voto é opcional nos EUA) e a pressionar o Congresso.

"Nossos congressistas passam muito tempo com esses doadores e não falam com pessoas que trabalham para viver e que pagam ainda mais impostos. Por isso, pensamos que fazer com que mais pessoas votem e expressem a sua opinião é a resposta certa (para reverter a resistência no Congresso)", acredita Pearl.

Governo Lula também tenta ampliar impostos sobre ricos

Um novo levantamento do Sindifisco (sindicato que representa os auditores fiscais da Receita Federal) mostra que alíquota efetiva média de imposto de renda cobrada sobre os mais ricos recuou entre 2019 e 2021 (dado mais recente disponível).

No caso dos milionários que declararam renda anual total acima de R$ 4,2 milhões em 2021, por exemplo, essa alíquota ficou em 5,4% naquele ano, ante 6% em 2019.

A alíquota efetiva é o percentual da renda total que de fato foi consumida pelo IR. Segundo o Sindifisco, o principal motivo de os mais ricos terem uma alíquota baixa é que uma parcela relevante de sua renda vem do recebimento de lucros e dividendos das suas empresas —renda que é isenta de imposto no Brasil desde 1996.

E, como houve crescimento do pagamento de lucro e dividendos nesse período, o topo da pirâmide ficou mais rico, ao mesmo tempo que pagou proporcionalmente menos IR.

Os números da Receita Federal mostram que contribuintes brasileiros declararam terem recebido em 2021, no total, R$ 555,68 bilhões em lucros e dividendos, uma alta de quase 45% sobre o valor de 2020 (R$ 384,27 bilhões) e de 46,5% ante o de 2019 (R$ 379,26 bilhões).

Para o presidente do Sindifisco, auditor fiscal Isac Falcão, esse aumento reflete a expectativa de que os dividendos voltem a ser taxados no país.

A volta dessa tributação pode ser incluída pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva em uma proposta de reforma do Imposto de Renda que o Ministério da Fazenda pretende enviar no fim deste ano para o Congresso.

O assunto, porém, enfrenta resistência no Parlamento. Proposta semelhante enviada pelo governo de Jair Bolsonaro em 2021 não avançou.

Antes de enfrentar esse tema, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem tentado dar passos menores.

Ele quer aprovar primeiro no Congresso mudanças na taxação de fundos offshore (investimentos de brasileiros no exterior) e fundos exclusivos (para grandes investidores), com objetivo de ampliar o impostos sobre milionários.

Após deixar uma medida provisória sobre os fundos offshore parada na Câmara, o presidente da Casa, Arthur Lira, se disse comprometido a pautar o tema nas próximas semanas.

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