Abrir espaço fiscal é o coração do trabalho de revisão de gastos, diz secretário de Orçamento

Ministério do Planejamento prepara lista de políticas que passarão por crivo de grupo, com foco em redução de despesa

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Brasília

O Ministério do Planejamento prepara uma lista de políticas públicas que passarão pelo crivo de um grupo técnico focado na revisão de gastos, cujo objetivo central é reduzir despesas para abrir espaço fiscal no Orçamento Federal.

Um alvo já apontado publicamente são os benefícios previdenciários do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). Os demais itens na mira do governo são mantidos até agora sob sigilo —uma medida de prudência ante um assunto espinhoso e que deve enfrentar resistências.

"Não vou poder adiantar ainda quais são as políticas [que integrarão a lista], mas são consensos do passado", diz à Folha o secretário de Orçamento Federal, Paulo Bijos. Segundo ele, já há "muito estoque" de avaliações feitas nos últimos anos, o que pode contribuir para o processo de revisão.

Paulo Bijos, secretário de Orçamento Federal, durante entrevista à Folha - Pedro Ladeira/Folhapress

Na última semana, a ministra Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) criou um grupo de trabalho no âmbito da pasta para promover a revisão de gastos. É uma tarefa distinta da avaliação, que tem como objetivo diagnosticar os resultados positivos ou insuficientes de determinada política.

"Avaliação é a atividade que alimenta o processo de revisão do gasto. O elemento distintivo é que a revisão do gasto tem por objeto a identificação de economias potenciais com o objetivo específico de abrir espaço fiscal. Abertura de espaço fiscal é o coração da revisão do gasto", explica Bijos.

A criação do grupo é o primeiro gesto concreto do governo na direção de uma maior ênfase na redução de gastos públicos, uma cobrança feita de forma recorrente por integrantes do mercado financeiro e membros da alta cúpula do Congresso Nacional.

O colegiado será formado por representantes da Secretaria-Executiva, da Secretaria de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas e da Secretaria de Orçamento Federal, todas ligadas ao MPO. Técnicos de outras pastas também serão chamados quando o processo de revisão envolver algum de seus programas.

"Nenhuma política pública seria discutida de forma alheia aos respectivos ministérios", diz Bijos. O grupo ainda pode consultar especialistas de fora.

Segundo o secretário, a lista completa das primeiras políticas a serem revisadas deve ser divulgada até o fim do ano. O prazo formal, porém, é 15 de abril de 2024, quando o governo vai enviar o PLDO (Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2025.

O anexo de metas fiscais deve trazer, a partir do ano que vem, estimativas detalhadas de economia potencial com as avaliações de políticas públicas. Na prática, significa que o governo precisará sinalizar que pretende reduzir a despesa com a revisão do gasto A, B ou C.

A exigência foi introduzida por uma alteração na LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal), aprovada junto com o novo arcabouço fiscal.

Bijos classifica a mudança como uma "conexão dos cabos" entre avaliação e elaboração do Orçamento. Trata-se de identificar economias potenciais que podem beneficiar outras prioridades do governo. A palavra-chave, segundo ele, é "realocação".

"Demanda [por gastos] tem o tempo inteiro. Como que esses pleitos podem ser atendidos se não houver espaço fiscal dentro de um limite de despesa? A gente quer estar também mais bem equipado para dar esse tipo de resposta e subsidiar esse processo", diz o secretário.

"Não é simplesmente negar o crédito. Eventualmente, se isso é uma prioridade e merece ser contemplado no Orçamento, que já está no seu limite do teto, vamos abrir espaço revisitando esses gastos, tendo esses estudos."

As projeções de economia serão feitas inclusive para um horizonte de médio prazo. Assim, o gestor saberá as consequências, positivas e negativas, de uma decisão tomada no momento presente.

Para Bijos, apesar de politicamente sensível, o interesse pelo debate da revisão de gastos deve ganhar espaço nos próximos anos, sobretudo com a existência de uma regra fiscal que impõe um limite para as despesas. "Eu vejo essa como uma das pautas suprapartidárias, assim como foi a votação do novo marco fiscal", diz.

"Queremos abrir o leque de opções, alimentar o debate público, ver o que é viável, o que não é viável", afirma.

A matéria-prima para a condução desse trabalho é farta. O CMAP (Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas), órgão do governo com foco na avaliação, já diagnosticou 60 políticas que custaram, ao todo, R$ 1 trilhão aos cofres públicos. O órgão emitiu 147 recomendações de mudanças, mas boa parte dos estudos segue dormindo nas gavetas dos ministérios e do Congresso, sem surtir qualquer efeito.

Um dos relatórios mira o abono salarial, espécie de 14º salário pago a trabalhadores com carteira que ganham até dois salários mínimos (hoje R$ 2.604). Criado em 1970, o abono é criticado pela falta de clareza em seus objetivos e pela falta de focalização.

O governo Dilma Rousseff (PT) conseguiu implementar mudanças que ajudaram a reduzir seu custo, mas ele continuou existindo. Na gestão Jair Bolsonaro (PL), o então ministro Paulo Guedes (Economia) tentou restringir ainda mais o alcance da política, sem sucesso. Depois, o próprio ex-presidente vetou novas investidas. "Não posso tirar de pobres para dar para paupérrimos", disse Bolsonaro em 2020.

À Folha, Bijos reiterou diversas vezes que não comenta nenhuma política específica a ser analisada pelo grupo de trabalho de revisão de gastos federais. Ele diz apenas que os três tipos de gastos são candidatos a entrar na mira dos técnicos: tributários (que geram renúncias fiscais), obrigatórios (que incluem benefícios sociais e salários de servidores) e discricionários (custeio e investimentos).

Na proposta de Orçamento do ano que vem, o governo já incluiu uma economia de R$ 12,5 bilhões com a revisão de benefícios do INSS —valor considerado elevado por técnicos do próprio governo e especialistas de fora.

O secretário, porém, defende a iniciativa. "Existe um acórdão do TCU [Tribunal de Contas da União] que aponta que no mínimo 11% dos benefícios previdenciários contêm algum tipo de erro ou fraude", afirma. "Os esforços do Ministério do Desenvolvimento Social no que tange ao Bolsa Família mostram que uma ação do governo em relação a revisão de cadastro pode gerar resultados fiscais positivos, para o bem das contas públicas", acrescenta.

Bijos também minimiza a desconfiança do mercado e de membros da ala política do governo com o objetivo de déficit zero em 2024 —uma das principais bandeiras do ministro Fernando Haddad (Fazenda).

Para o secretário, é natural que apareçam dúvidas em relação a uma meta que ele classifica como "desafiadora".

Como mostrou a Folha, a ministra do Planejamento chegou a argumentar que uma meta de déficit de 0,5% do PIB (Produto Interno Bruto) para 2024 seria mais crível. Alguns membros do governo e congressistas consideram que Haddad se precipitou e poderia ter sinalizado esse objetivo para 2025, livrando o governo de desgastes desnecessários com cortes de gastos.

Bijos pondera que não há "verdade absoluta" nesse tema, mas defende a decisão tomada pela equipe econômica.

"O compromisso do governo desde o início, quando foi anunciada a meta de [déficit] zero, foi firme no sentido de que essa foi a decisão e agora iremos cumpri-la. No âmbito da programação orçamentária, isso se mostrou exequível", afirma.

Para o secretário de Orçamento, a estratégia do governo de apostar no aumento de receitas em vez de dar ênfase à redução de gastos faz com que as medidas de arrecadação, que dependem de aprovação do Legislativo, se tornem "objeto de atenção redobrada".

Bijos vê o debate como legítimo e considera que a discussão não foi esgotada, admitindo que as propostas poderão sofrer alterações durante a tramitação no Congresso Nacional.

"Eu sempre considerei que o Congresso é naturalmente um coprotagonista na elaboração do Orçamento", diz.

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