Caminhão a hidrogênio, uma aposta incerta para substituir o diesel

Ainda restam muitos obstáculos antes que o transporte terrestre adote a tecnologia limpa

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Léa Pernelle
AFP

Quando o caminhão atravessou o centro de Berlim, não havia ruído de motor capaz de abafar os aplausos: o veículo movido a hidrogênio acabou de bater um recorde de autonomia, que destaca o potencial dessa tecnologia limpa.

Líder mundial da produção de caminhões, o fabricante alemão Daimler Truck mostrou sua potência nesta semana, ao percorrer com seu protótipo "GenH2" os 1.047 quilômetros que separam sua fábrica em Wörth am Rhein, perto da França, e a capital.

Protótipo de caminhão movido a hidrogênio GenH2, da Daimler Truck.
Protótipo de caminhão movido a hidrogênio GenH2, da Daimler Truck. - John Macdougall/AFP

O veículo fez o trajeto com uma única carga de hidrogênio que, segundo a marca alemã, representa um recorde de autonomia.

"Você prova que o veículo com carga pesada pode percorrer uma distância longa de maneira sustentável", comemorou no ponto de largada do trajeto a secretária de Estado do Ministério de Economia, Petra Dick-Walther.

Mas ainda restam muitos obstáculos antes que o transporte terrestre adote a tecnologia limpa, como a falta de infraestrutura e recursos de hidrogênio, ou os custos e desafios técnicos.

Bateria ou hidrogênio?

O fabricante espera iniciar na "segunda metade da década" a produção em série, explica o chefe de tecnologia de caminhões da Daimler Truck, Andreas Gorbach.

Antes, a marca deve cumprir várias condições, reconhece ele. "A primeira é a infraestrutura das estações de recarga de hidrogênio. A segunda é a viabilidade econômica para nossos clientes, graças à disponibilidade de energia verde a custos competitivos", indicou.

A célula de combustível de hidrogênio possui um impacto ambiental reduzido, pois libera apenas vapor de água, enquanto o combustível utilizado normalmente pelos caminhões polui massivamente.

No entanto, o hidrogênio precisa ser verde —gerado a partir de energias renováveis, cuja produção hoje em dia é marginal.

O desenvolvimento de caminhões a hidrogênio está por trás dos modelos movidos a baterias elétricas, dos quais tanto a Daimler quanto o concorrente sueco Volvo já fabricam alguns exemplares.

Para a fabricante alemã, as duas tecnologias são complementares: utilizar baterias para cargas mais leves e distâncias curtas, e hidrogênio, que oferece um tempo de recarga bem menor, para distâncias longas.

"Para descarbonizar os transportes, precisaremos das duas tecnologias", diz Andreas Gorbach.

A barreira do preço

Os fabricantes estão sob pressão devido ao enrijecimento das normas ambientais, embora os objetivos sejam menos rigorosos do que para os veículos particulares.

Uma diretiva de 2019 da Comissão Europeia exige a redução de 30% até 2030 nas emissões poluentes dos caminhões. Uma nova proposta sugere alcançar uma redução de 90%, em comparação com 2019, em novos caminhões, até 2040.

Junto a esse fator, soma-se a concorrência internacional da Tesla ou da fabricante chinesa BYD, também imersa na conversão elétrica dos caminhões.

As montadoras da Europa "poderão perder 11% da quota de mercado de veículos pesados entre agora e 2035" no continente, se não tornarem as frotas de caminhão mais ecológicas, de acordo com um estudo recente da Federação Europeia para o Transporte e Meio Ambiente.

A startup norte-americana Nikola, cliente do fornecedor alemão de equipamentos Bosch, já iniciou a produção em série do seu modelo pesado movido a hidrogênio, no outro lado do Atlântico, e aproveita os incentivos públicos para compras —decretados na lei de redução da inflação do governo de Joe Biden.

Em agosto, a empresa alegou ter recebido um total de 202 pedidos de 18 clientes.

Os especialistas acreditam, entretanto, que o hidrogênio não terá sucesso caso os custos associados não puderem ser reduzidos.

A Daimler Truck pontua que o custo dos modelos elétricos a bateria é 2,5 vezes maior que o de um modelo a diesel equivalente. No caso do hidrogênio, o cálculo não pode ser feito porque não existem infraestruturas para recarga.

O grupo alemão uniu forças com outros fabricantes de caminhões e empresas de energia como a Shell, BP ou a Total, na Europa e América do Norte, para desenvolver uma rede de estações para abastecimento de hidrogênio.

A infraestrutura pode virar realidade "até o final da década", garante Rainer Müller, responsável pela Mercedes Benz Trucks, uma das marcas da Daimler, que deseja tornar o custo de utilização de um caminhão a hidrogênio "similar" ao veículo a diesel.

Apesar disso, nem todos estão otimistas. A Federação Europeia para o Transporte e Meio Ambiente prevê que o hidrogênio não será competitivo até 2040 —e só chegará nesse nível caso cumpra determinadas condições.

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