Conselheiros do Carf criticam Haddad por comparar representantes de contribuintes a detentos

Aconcarf emitiu nota e pediu retratação; ministro usou a mesma metáfora em entrevista e em evento ocorrido na segunda-feira

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São Paulo

Uma metáfora usada mais de uma vez pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda) gerou revolta em conselheiros do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais). Em ao menos duas ocasiões, o titular da pasta econômica comparou os representantes dos contribuintes a "detentos".

Uma delas foi transmitida em rede nacional, em entrevista ao Canal Livre, da Band. Na ocasião, Haddad fez uma analogia sobre a época em que o voto de desempate (também chamado de voto de qualidade) do Carf esteve extinto e os contribuintes eram favorecidos pelo empate.

"Travou os julgamentos do Carf. Imagina pegar quatro delegados e quadro detentos para julgar um habeas corpus, sendo que o empate favorece o detento", disse.

Imagem mostra rosto do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em close. Ele está com o dedo indicador direito ao lado do olho direito e expressão pensativa
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, durante entrevista concedida à imprensa no ministério - Gabriela Biló - 31.jul.23/Folhapress

A Aconcarf (Associação dos Conselheiros Representantes dos Contribuintes no Carf), que representa os profissionais, emitiu nota de repúdio na noite da última segunda-feira (25) e pediu uma retratação de Haddad.

"Ao direcionar a infeliz 'desqualificação' diretamente aos conselheiros como 'detentos' que estão 'julgando habeas corpus de outros detentos', o ministro se afasta da liturgia respeitosa da função que ocupa", afirma o comunicado.

Procurado, o Ministério da Fazenda não se pronunciou até a publicação deste texto.

Embora a entrevista concedida por Haddad tenha sido veiculada em 17 de setembro, a repercussão negativa no meio jurídico surgiu apenas na última segunda.

Na manhã do mesmo dia, Haddad voltou a comparar os conselheiros a "delegados e detentos". A nova fala ocorreu durante painel do Fórum de Economia da FGV (Fundação Getúlio Vargas).

Segundo o ministro, o governo teve de "republicanizar a Receita Federal, que havia sido privatizada no governo anterior". "Imagine vocês que o tribunal administrativo para julgar causas tributárias era paritário, o que já é uma anomalia no mundo. Não existe nenhum outro país onde o tribunal seja paritário", afirmou.

"Em 2019, o governo acrescenta um expediente na lei do chamado Carf, dizendo que, em caso de empate, favorece o contribuinte. E, pior que isso, em caso de favorecimento do contribuinte no processo administrativo, a Receita ficava impedida de recorrer ao Judiciário para obter a reparação. É um caso de privatização da Receita Federal. É como se você colocasse em um tribunal quatro delegados e quatro detentos para julgar um habeas corpus. Isso que fizeram no Brasil", disse Haddad.

"É uma coisa que a OCDE chegou a mandar uma carta para a gente dizendo o seguinte: 'Se mantiver essa regra, nós não vamos mais discutir a entrada do Brasil na OCDE'. Uma carta formal, que foi endereçada a todos os parlamentares no Congresso Nacional. E nós conseguimos reaver o chamado voto de qualidade."

A Aconcarf também rebateu a afirmação de Haddad, na entrevista ao Canal Livre, de que a inexistência do voto de desempate "travou os julgamentos". "O ministro esqueceu de comunicar que, além das suas colocações, o Carf passou oito meses sem nenhum julgamento em 2022 devido à paralisação dos conselheiros fazendários na greve geral da Receita Federal."

Além disso, a entidade elencou outros fatores para a "trava do órgão", como a pandemia de coronavírus e paralisações também no ano-calendário de 2023.

O que é o voto de desempate do Carf

O Carf funciona como um tribunal da Receita, que julga causas tributárias na esfera administrativa (sem envolver o Judiciário) —a União e as empresas têm disputas bilionárias em torno do pagamento de tributos. Ele reúne representantes da Fazenda e dos contribuintes e as empresas têm indicados por entidades patronais.

O Carf surgiu em 2009, da junção de três conselhos. Para se ter uma dimensão, de janeiro a abril, foram concluídos 5.000 processos pelo conselho, envolvendo R$ 139 bilhões.

Na última semana, o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) sancionou projeto de lei que retomou o chamado voto de qualidade. O instrumento devolveu à Fazenda o poder de desempate em julgamentos administrativos de conflitos tributários. Sua extinção em 2020 provocou perdas bilionárias à União.

Tais julgamentos são decididos após votos em igual número tanto da Receita Federal como dos contribuintes. Nos casos em que há empate, o presidente da câmara, que representa a Receita, voltará a decidir o resultado.

A expectativa do governo Lula (PT) é que o projeto viabilize a arrecadação de R$ 54,7 bilhões em 2024, além de outros R$ 43,1 bilhões com novas negociações de débitos conduzidas pela Receita Federal e pela PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) com base na nova lei.

Aconcarf reclama melhores condições de trabalho

Além do pedido de retratação pela fala de Haddad, a Aconcarf cita na nota condições de trabalho desfavoráveis dos conselheiros que representam os contribuintes em comparação com os fazendários.

"Na tentativa de defender o retorno do voto de qualidade, houve extremo desrespeito aos profissionais que atuam no Carf, que não têm direito a férias, 13º salário, licença-maternidade, licença-saúde e têm uma disparidade remuneratória enorme." A associação diz que um representante dos contribuintes recebe menos, com uma diferença de quase 60% do que ganha um conselheiro indicado pela Fazenda.

De acordo com a entidade, houve uma reunião com o ministro, ainda no primeiro semestre, para tratar do tema, mas não houve avanços. A nota pede que "seja revista, urgentemente, a disparidade remuneratória dos julgadores do órgão".

Colaborou Stéfanie Rigamonti

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