Fim da vantagem do governo em tribunal da Receita foi evolução, diz especialista

Para o advogado tributarista Gustavo Brigagão, Senado ainda pode reverter decisão 'açodada' da Câmara sobre o Carf

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Brasília

O advogado tributarista Gustavo Brigagão considera um retrocesso a volta do voto de qualidade no Carf (Conselho de Administração de Recursos Fiscais). Esse tribunal administrativo é ligado ao Ministério da Fazenda e avalia questionamentos dos contribuintes contra a Receita Federal. Causas bilionárias são decididas nessa esfera.

"Tentam reverter uma evolução", afirma o advogado, que é especializado em tributos indiretos e contencioso na área. "O dispositivo que determinou o fim do voto de qualidade e que as decisões do Carf, em caso de empate, seriam favoráveis ao contribuinte foi um acerto enorme."

O advogado tributarista Gustavo Brigagão durante seminário sobre Reforma Tributária promovido pela Folha - Jardiel Carvalho - 3.abr.23/Folhapress

Voto de qualidade é o nome dado ao voto de desempate nos julgamentos do conselho. A decisão final cabe ao presidente do colegiado. Como o ocupante do cargo é indicado pelo Ministério da Fazenda, esse desempate costuma ser a favor do governo.

O instrumento foi extinto na lei 13.988, de 2020. A mudança foi incluída de última hora na Medida Provisória do Contribuinte Legal. Passou na Câmara e no Senado, sendo mantida pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Tão logo assumiu o Ministério da Fazenda, Fernando Haddad (PT) anunciou que reverteria a decisão. A retomada do voto de qualidade, via MP (Medida Provisória), foi uma de suas primeiras ações.

A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) questionou a medida no STF (Supremo Tribunal Federal), e o governo aceitou negociar. Pelo acordo fechado em fevereiro, caso ocorra empate, o contribuinte terá redução de multas e juros para o pagamento de dívidas das ações julgadas.

O acordo ajudou na negociação com os deputados. A MP já havia caducado, mas o pleito da Fazenda foi inserido num projeto de lei em tramitação. O texto foi aprovado no apagar das luzes para o recesso, em 7 de julho.

Brigagão acredita que o Senado pode reavaliar a matéria com mais calma. "A Câmara é muito açodada", diz. " O Senado tem sido muito mais consciente. Entende a necessidade de avaliar até a vírgula dos projetos de leis."

Qual a sua avaliação sobre a volta do voto de qualidade aprovada na Câmara?
Tentam reverter uma evolução. O dispositivo que determinou o fim do voto de qualidade e que as decisões do Carf, em caso de empate, seriam favoráveis ao contribuinte foi um acerto enorme. Ou seja, na lei 13.988 prevaleceu o princípio do in dubio pro contribuinte [adaptação da expressão latina in dubio pro reo, que significa "na dúvida, a favor do réu", um princípio legal].

O Carf faz parte da estrutura do Ministério da Fazenda e da administração tributária federal. Quando a maioria reconhece a tributação, ela é correta e efetiva. Em caso de empate, não se confirma isso com exatidão.

O governo afirma o contrário. Nisso teve apoio da diretoria do Centro de Política Tributária da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), que enviou carta ao ministro Fernando Haddad recomendando a volta do instrumento. Como o sr. viu isso?
Essas influências externas têm limite. Criamos institutos muito bem-sucedidos no Brasil. Veja o exemplo do JPC (Juros sobre Capital Próprio). Querem acabar com ele, mas essa criação brasileira está sendo imitada lá fora. Temos especificidades, e o tratamento tributário precisa ser adequado à nossa realidade.

A regra prevista na 13.988 era perfeita. Não tinham o que modificar. O acordo com OAB e outras entidades tenta amenizar os efeitos ruins do voto de qualidade, mas a meu ver não tínhamos de criar alternativas aos efeitos nocivos do voto de qualidade, mas manter o questionamento.

O sr. acredita ser possível uma reversão no Senado?
Acredito que haja espaço para dialogar no Senado. Geralmente, a Câmara é muito açodada. Olha o que presenciamos na Reforma Tributária. Os deputados aprovaram uma proposta que não conheciam, pois o texto era modificado enquanto a votação ocorria. Isso foi uma afronta direta ao Estado Democrático de Direito. Não é o que se espera dos representantes do povo em relação a uma nova lei. Foi um açodamento inadmissível —e a Câmara virou uma usina desse tipo de procedimento.

O Senado tem sido muito mais consciente. Entende a necessidade de avaliar até a vírgula dos projetos de leis. O que acontece? O projeto fica lá, parado. Tem projeto salutarmente parado na CAE (Comissão de Assuntos Econômicos).


RAIO X

Gustavo Brigagão, 59

Professor de direito tributário na pós-graduação da FGV (Fundação Getulio Vargas) e sócio fundador do escritório do BDE (Brigagão Duque Estrada Advogados). É presidente do Cesa Nacional (Centro de Estudos das Sociedades de Advogados ) e presidente honorário da ABDF (Associação Brasileira de Direito Financeiro), braço brasileiro da IFA (International Fiscal Association)

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