Lula e Biden usam direitos trabalhistas para se aproximar em NY

Petista diz que objetivo é oferecer perspectivas sobretudo para jovens; veja íntegra da declaração conjunta

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Nova York

Os presidentes Lula (PT) e Joe Biden se encontraram nesta quarta (20) para lançar uma iniciativa em defesa dos direitos dos trabalhadores frente aos desafios tecnológicos, climáticos e econômicos.

Antes do evento, eles tiveram uma reunião bilateral. Anfitrião do encontro, o presidente americano foi o primeiro a falar. Ele afirmou que Brasil e Estados Unidos, sendo as maiores democracias do Ocidente, estão "se erguendo para defender os direitos humanos ao redor do mundo", o que inclui os direitos trabalhistas.

O petista respondeu que é um momento histórico em termos geopolíticos, diante das ameaças à democracia por setores extremistas.

Segundo Lula, o objetivo da proposta é oferecer uma perspectiva de trabalho decente, especialmente para a juventude, em um momento em que o mercado de trabalho passa por transformações como a crise climática e a inteligência artificial.

O presidente dos EUA, Joe Biden, encontra-se com o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, em reunião bilateral em Nova York nesta quarta - Jim WATSON / AFP

"Eu acompanhei seu discurso de posse e outros e nunca vi um presidente americano falar tanto e tão bem dos trabalhadores quanto o senhor", disse o presidente a Biden.

"É mais que bilateral, é o renascer de um novo tempo da relação entre Brasil e Estados Unidos, relação entre iguais, soberanos, de interesse comum", completou.

Biden, por sua vez, disse que EUA e Brasil têm a obrigação de liderar a próxima geração para um mundo melhor. Quebrando protocolo, ele voltou a responder Lula no período aberto da reunião, contando que ouvia de seu pai que trabalho é muito mais que salário, é também dignidade e respeito —uma frase que o americano repete com frequência em discursos.

O petista não deixou passar batido a greve histórica de trabalhadores de montadoras nos EUA, que começou na última sexta. Lula afirmou que o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, se reuniu com a UAW, o sindicato que comanda a paralisação. Na semana passada, o presidente americano apoiou os trabalhadores em greve e disse que eles merecem ter sua parte nos lucros recordes das montadoras.

Apesar do tema ser centrado em trabalho, Lula aproveitou para falar das oportunidades de investimento no Brasil em energia limpa, como biocombustíveis e hidrogênio verde.

Depois, a imprensa foi retirada da sala, e o resto da reunião transcorreu a portas fechadas.

A declaração conjunta assinada pelos países tem uma linguagem genérica. Ela elenca cinco prioridades, como o combate à exploração, como trabalho forçado e infantil, o impacto da transição energética, da tecnologia e da inteligência artificial sobre a mão de obra, e o combate à discriminação, como racismo, machismo e homofobia.

Não se trata de uma proposta de legislação ou algo mais concreto em termos legais.

"Face aos complexos desafios globais, desde as alterações climáticas ao aumento dos níveis de pobreza e à desigualdade econômica, devemos colocar os trabalhadores e as trabalhadoras no centro das nossas soluções políticas", afirmam os países.

"Pretendemos trabalhar em colaboração entre os nossos governos e com os nossos parceiros sindicais para fazer avançar estas questões urgentes durante o próximo ano, vislumbrando uma agenda comum para discutir com outros países no G20 e na COP 28, COP 30 e além", completam.

Depois da reunião, os dois presidentes participaram de um evento para lançar o documento. O diretor-geral da OIT (Organização Mundial do Trabalho), Gilbert Houngbo, também estava presente. Os três falaram diante de uma plateia de sindicalistas brasileiros e americanos, e ministros.

Depois do evento, Lula falou rapidamente com jornalistas. "Nós não estamos preocupados em recuperar coisas do passado. Nós estamos muito mais preocupados em criar coisas novas. Como vai ser a relação capital e trabalho daqui para frente, no século 21", disse.

O petista em seguida criticou o tratamento dado por plataformas digitais aos trabalhadores, que segundo ele "tratam as pessoas quase como trabalho escravo". "É inimaginável que no mundo digitalizado todo moderno o ser humano seja tratado ainda como se fosse escória."

A cooperação vem sendo costurada desde o início do ano, quando Biden propôs a Lula uma parceria na área durante encontro entre os dois no G7.

Para membros do governo americano, a parceria vai além de uma cooperação bilateral. Para os EUA, a iniciativa tem uma "natureza global". Diante do acirramento da disputa geopolítica com a China, o país tem se esforçado para criar laços mais fortes com aliados.

Do ponto de vista brasileiro, o objetivo é aproveitar o interesse americano para explorar vantagens na relação com a potência, mas mantendo uma posição autônoma.

A temática trabalhista é uma convergência entre Lula e Biden. Ambos os presidentes têm relações muito próximas com o movimento sindical –o petista ganhou projeção como líder metalúrgico, enquanto o americano se autoproclama o presidente mais pró-trabalhador da história dos EUA.

De acordo com membros do governo americano, esse alinhamento entre os dois presidentes no tema foi uma das razões pelas quais o Brasil foi escolhido como parceiro. A Casa Branca também destaca que há uma colaboração de anos entre os dois países.

A ideia é que outros países se juntem à iniciativa, a partir do lançamento entre Brasil e EUA. Os países devem levar a proposta a outros fóruns multilaterais, como o G20.

O evento acontece depois da reunião entre os chefes de Estado em Nova York (EUA) às margens da Assembleia-Geral das Nações Unidas.

Participam do encontro bilateral, além de Lula, os ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Marina Silva (Meio Ambiente), o assessor especial Celso Amorim, o senador Jaques Wagner (PT-BA), e embaixadora do Brasil nos EUA, Maria Luiza Viotti, e o assessor-adjunto internacional do Planalto, Audo Faleiro.

Sindicalistas brasileiros e americanos também participaram do lançamento, assim como o ministro do Trabalho.

Essa é a segunda vez que Lula e Biden têm um encontro bilateral neste ano. O primeiro foi em fevereiro, quando o petista foi a Washington em uma visita à Casa Branca. No mês passado, os dois tiveram uma conversa por telefone.


Veja a íntegra da declaração conjunta entre Brasil e Estados Unidos

Declaração Conjunta Brasil-EUA sobre a Parceria pelo Direito dos Trabalhadores e Trabalhadoras

Nossos governos afirmam o compromisso mútuo com os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras e a promoção do trabalho digno.

Os trabalhadores e trabalhadoras construíram os nossos países – desde as nossas infraestruturas mais básicas e serviços críticos, à educação dos nossos jovens, ao cuidado dos nossos idosos, até nossas tecnologias mais avançadas. Os trabalhadores e trabalhadoras e os seus sindicatos lutaram pela proteção no local de trabalho, pela justiça na economia e pela democracia nas nossas sociedades – eles estão no centro das economias dinâmicas e do mundo saudável e sustentável que procuramos construir para os nossos filhos. Face aos complexos desafios globais, desde as alterações climáticas ao aumento dos níveis de pobreza e à desigualdade econômica, devemos colocar os trabalhadores e trabalhadoras no centro das nossas soluções políticas. Devemos apoiar os trabalhadores e trabalhadoras e capacitá-los para impulsionar a inovação que necessitamos urgentemente para garantir o nosso futuro.

Hoje, os Estados Unidos e o Brasil anunciam o lançamento da nossa iniciativa global conjunta para elevar o papel central e crítico que os trabalhadores e trabalhadoras desempenham num mundo sustentável, democrático, equitativo e pacífico. Já compartilhamos a compreensão e o compromisso de abordar questões críticas de desigualdade econômica, salvaguardar os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, abordar a discriminação em todas as suas formas e garantir uma transição justa para energias limpas. A promoção do trabalho digno é fundamental para a consecução da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Também estamos preocupados e atentos aos efeitos no trabalho da digitalização das economias e do uso profissional da inteligência artificial no mundo do trabalho.

Com esta nova iniciativa, pretendemos expandir a nossa ambição e reforçar nossa parceria para enfrentar cinco dos desafios mais urgentes enfrentados pelos trabalhadores e trabalhadoras em todo o mundo: (1) proteger os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, tal como descritos nas convenções fundamentais da OIT, capacitando os trabalhadores e trabalhadoras, acabando com exploração no trabalho, incluindo o trabalho forçado e trabalho infantil; (2) promoção do trabalho seguro, saudável e decente, e responsabilização no investimento público e privado; (3) promover abordagens centradas nos trabalhadores e trabalhadoras para as transições digitais e de energia limpa; (4) aproveitar a tecnologia para o benefício de todos; e (5) combater a discriminação no local de trabalho, especialmente para mulheres, pessoas LGBTQI e grupos raciais e étnicos marginalizados. Pretendemos trabalhar em colaboração entre os nossos governos e com os nossos parceiros sindicais para fazer avançar estas questões urgentes durante o próximo ano, vislumbrando uma agenda comum para discutir com outros países no G20 e na COP 28, COP 30 e além.

Saudamos o apoio e a participação dos líderes sindicais dos nossos países e das organizações globais, bem como da liderança da Organização Internacional do Trabalho, e esperamos que outros parceiros e aliados se juntem a este esforço. Juntos, podemos criar uma economia sustentável baseada na prosperidade compartilhada e no respeito pela dignidade e pelos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras.

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