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'Mexer no FGTS pode ser extremamente doloroso para a baixa renda', diz CEO da Tenda

Rodrigo Osmo afirma também que, após mudanças no governo Lula, Minha Casa, Minha Vida corresponde a 100% do faturamento

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São Paulo

Um dos setores mais sensíveis às taxas de juros, por causa dos financiamentos de longo prazo, a construção civil foi fortemente afetada pelo ciclo de elevação da taxa básica e espera voltar a respirar com a Selic em queda.

Mas, para os negócios voltados à moradia da baixa renda, perdura um risco, diz Rodrigo Osmo, diretor-presidente da construtora Tenda: o da mudança nas regras do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço).

"Se não houver cuidado em como é que se mexe na dinâmica de remuneração do FGTS, a gente pode desconstruir algo que funciona extremamente bem", afirma o executivo da Tenda, cujo foco é o público de baixa renda.

Diretor-presidente da construtora Tenda, Rodrigo Osmo
Diretor-presidente da construtora Tenda, Rodrigo Osmo. - Divulgação

Em entrevista à Folha, ele diz que "essa mudança em discussão tem de ser pensada com muito cuidado para a gente não cometer algo extremamente doloroso para a população carente".

A mudança na remuneração do FGTS está em discussão no STF (Supremo Tribunal Federal) e pode afetar o financiamento do Minha Casa, Minha Vida. Se a corte decidir pela alteração, diz Osmo, há riscos para a habitação popular brasileira.

A construtora Tenda está atravessando neste ano um período de recuperação, após amargar um prejuízo "inimaginável" de R$ 547 milhões em 2022, conforme a própria empresa descreveu em seu balanço do quarto trimestre do ano passado.

Agora, boa parte da melhora nos números da empresa tem relação com mudanças no formato do programa Minha Casa, Minha Vida implementadas pelo novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Focada no público que recebe até dois salários mínimos, a construtora tira proveito das mudanças no programa social, que fortaleceram justamente a faixa 1 que engloba famílias que ganham até R$ 2.640.

Osmo diz que, no primeiro semestre, o Minha Casa, Minha Vida correspondia a 60% do faturamento total da empresa. Após a sanção, em julho, das mudanças no programa social, as vendas de imóveis pelo MCMV passaram a ser 100% do faturamento da companhia.

A ação da Tenda se valoriza mais de 200% no ano. É a incorporadora com a maior alta na Bolsa. A que se deve essa confiança dos investidores no papel da empresa?
Há dois grandes motivos. Primeiro, é uma percepção de que a gente conseguiu virar o jogo. Em 2021, a gente sofreu demais com a Covid. A pandemia pegou a nossa empresa mais forte do que qualquer outra empresa do setor, e isso colocou em risco tanto a rentabilidade quanto o balanço da companhia.

Então, era uma empresa que os investidores ficaram em dúvida se ela voltaria a ser rentável e se o balanço seria suficiente para tocar a empresa daqui para frente.

Ao longo de 2023, essa percepção foi ficando para trás. O mercado hoje acredita que a Tenda virou o jogo, tanto na rentabilidade quanto na alavancagem [relação entre a dívida e o lucro operacional da companhia].

O segundo grande motivo para a confiança dos investidores é o que eu estou chamando de vendaval perfeito. O que quer dizer isso?

Este novo governo deu uma ênfase muito grande ao Minha Casa, Minha Vida, talvez seja o principal programa social do governo, e ele focou claramente o que estão chamando de faixa 1, que são famílias que ganham até dois salários mínimos de renda, ou R$ 2.640.

E a Tenda é o maior player disparado nesse segmento. Dentro do foco social do governo, nós somos a empresa mais bem posicionada hoje. Então, acho que isso tudo mudou o humor do mercado com relação à companhia.

Aproveitando que o sr. falou no Minha Casa, Minha Vida, o balanço do segundo trimestre da Tenda mostra que, apenas em julho, primeiro mês após a reformulação do programa social, a companhia atingiu o maior volume mensal de vendas desde maio de 2022. Quais são as expectativas de aumento de vendas daqui para a frente?
Para nós, neste momento, mais importante do que o aumento nas vendas é o aumento na margem [relação do lucro pela receita]. Porque a gente já opera hoje, mesmo antes de julho, numa velocidade de vendas muito alta.

O principal desafio que a gente tinha em 2023 era recuperar a margem. E o que aconteceu em julho? A gente conseguiu ganhar mais 3,5% de preço com relação ao segundo trimestre.

Em julho, a boa notícia foi a entrada em vigor dos novos parâmetros do Minha Casa, Minha Vida. Além disso, desde agosto, a Caixa Econômica Federal começou a aumentar significativamente a concessão da Tabela Price [sistema de amortização de empréstimos] para 420 meses.

Nesse estrato de renda, de até dois salários mínimos, a Tabela Price concentrava até 360 meses e aumentou para 420 meses. Para nós, essas notícias são extremamente positivas.

E qual a porcentagem de faturamento atual da Tenda com o programa Minha Casa, Minha Vida?
Esse número é bem fácil: é 100%. Mas acho que mais importante que a venda dentro do Minha Casa, Minha Vida é o que a gente vende dentro da faixa 1 do programa. Porque aí está o foco do governo, e esse é o nosso forte.

Esse número, até o primeiro semestre, era 60%. Só que o primeiro semestre ainda não tinha todos os impulsos que o governo deu para priorizar a faixa 1. Já era muito significativo e vai ficar ainda mais.

E em relação aos juros no Brasil, o país entrou num ciclo de queda da taxa básica. O setor de construção civil deve sentir os benefícios desse corte de juros já no curto prazo?
Sim, eu acho que talvez seja o setor mais sensível aos juros. Mas é importante fazer uma distinção entre o segmento de baixa renda e o de média e alta renda. O segmento de média e alta renda é extremamente sensível a taxas de juros, porque a taxa de juros de curto prazo define qual é a taxa de juros de longo prazo, e não existe empréstimo mais longo do que empréstimo imobiliário.

Então, quando a taxa de juros de longo prazo cresce, a capacidade de financiamento das famílias cai substancialmente.

Só que para a baixa renda a dinâmica é diferente. Porque o recurso da baixa renda vem do FGTS, e o FGTS não está sujeito a essas oscilações de juros. Ele tem uma taxa prefixada, paga para o seu cotista, TR [Taxa Referencial] + 3%, além da distribuição do lucro. E a TR + 3% é o que pauta o custo dos empréstimos que ele concede para a baixa renda.

Agora está em discussão no Supremo Tribunal Federal uma mudança em relação à forma de correção do FGTS, o que aumentará a rentabilidade para os beneficiários. Mas isso deve afetar o financiamento do Minha Casa, Minha Vida para os cofres públicos. Qual a sua visão sobre esse assunto?
Eu acho essa uma discussão muito complicada, pelo seguinte: quando a gente olha para quem tem recursos no FGTS, 90% dos recursos do FGTS estão em cotistas com mais de quatro salários mínimos de renda.

Só que 90% do benefício do FGTS vai para famílias com menos de quatro salários de renda. Então, o FGTS é hoje o principal fundo de desenvolvimento social do Brasil. E tem um papel fundamental na promoção da habitação popular.

Existe um argumento de que a habitação popular não deveria ser financiada com recurso privado. Só que isso não é verdade na maioria dos países do mundo. E o FGTS é um dos modelos usados pelo Banco Mundial, inclusive, como de referência para a promoção de habitação popular no mundo inteiro.

Então, se não houver cuidado em como é que se mexe na dinâmica de remuneração do FGTS, a gente pode desconstruir algo que funciona extremamente bem e que é um exemplo para o mundo de como promover a habitação popular.

Acho que essa mudança em discussão tem que ser pensada com muito cuidado para a gente não cometer algo extremamente doloroso para a população carente.

O sr. e o setor têm se mobilizado em termos de abrir diálogo com o Judiciário para abordar essa questão?
Sim. A gente tem tido sucesso em conversas com alguns ministros. Eu acho que todos os ministros com os quais a gente conseguiu conversar até agora entenderam o mérito dos argumentos. A gente gostaria de conseguir conversar com todos, para todos estarem pautados e bem fundamentados na decisão que eles irão tomar.

Voltando a falar da Tenda, no segundo trimestre a empresa conseguiu diminuir em 90% o prejuízo na comparação anual. Esperam que, no curto prazo, aconteça uma reversão de prejuízo para lucro?
Eu não vou falar de trimestres específicos porque eles estão muito sujeitos a variações episódicas. Mas a gente articulou internamente que 2023 seria um ano de travessia. Seria um ano em que a gente voltaria a ter um balanço robusto e a gente voltaria a ser uma empresa rentável, para que em 2024 a gente voltasse a crescer, e voltar a crescer gerando caixa, de uma forma rentável, gerando lucro.

Esse plano está em curso e a gente vai entregar.

Um ponto que o mercado tem olhado de perto é a dívida. E o endividamento da Tenda teve uma queda considerável no segundo trimestre, na comparação trimestral. O que a empresa tem feito para reduzir seu endividamento?
A grande medida foi um foco na geração de caixa e a gente gerou um caixa operacional muito substancial no segundo trimestre: R$ 180 milhões. No acumulado do primeiro semestre, foram R$ 270 milhões. Isso tem permitido à empresa se desalavancar trimestre a trimestre.

Agora, com o follow-on [oferta de novas ações que a empresa fez recentemente], certamente a gente vai ter uma queda muito substancial da alavancagem da companhia. Então, esse processo de desalavancagem certamente vai continuar no terceiro trimestre.

O follow-on coroou o fim do risco de balanço da empresa. A alavancagem voltou para patamares bastante saudáveis.


RAIO-X

Rodrigo Osmo, 47
Graduado em engenharia química pela Escola Politécnica da USP (Universidade de São Paulo), com MBA pela Harvard Business School, é diretor-presidente da construtora Tenda desde 2012, além de ser membro coordenador dos comitês executivos de investimentos e ética da empresa. Atuou como diretor de desenvolvimento de negócios e diretor financeiro da Gafisa, e foi diretor-superintendente da Alphaville Urbanismo

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