Gasolina, dólar e inflação: os possíveis impactos do conflito Hamas-Israel no Brasil e no mundo

Escalada de violência no Oriente Médio pressiona preços do petróleo e combustíveis e acende alerta para a inflação em 2024

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BBC News Brasil

O conflito entre Israel e o grupo militante palestino Hamas já deixou centenas de mortos e começa a ter repercussões na economia mundial —o que deve ter efeitos também para o Brasil.

Nesta segunda-feira (9), as principais bolsas do mundo operam em queda e dólar e petróleo sobem, diante da cautela dos investidores com a escalada de violência no Oriente Médio.

Com o barril do petróleo sendo negociado acima dos US$ 85 e o dólar chegando a R$ 5,17, a principal preocupação dos economistas é com o efeito da guerra sobre a inflação no Brasil.

Bandeiras de Israel e Brasil
Escalada de violência no Oriente Médio pressiona preços do petróleo e combustíveis e acende alerta para a inflação em 2024 - AFP via BBC

O cenário de instabilidade internacional também pode manter os juros altos nos Estados Unidos por mais tempo —o que tem efeito negativo para o câmbio e investimentos em países emergentes.

Tudo isso adiciona pressão para um 2024 que já deve ser desafiador, em meio aos possíveis efeitos do El Niño sobre a próxima safra agrícola brasileira e às incertezas nas contas públicas nacionais.

Preço dos combustíveis

"Qualquer conflito hoje afeta o mundo inteiro, principalmente quando mexe no preço do barril de petróleo", diz André Braz, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas).

"Uma pressão em cima desse mercado aumenta a probabilidade de termos algum aumento do diesel e da gasolina daqui até o final do ano", acrescenta.

Gasolina compromete cerca de 5% do orçamento das famílias brasileiras, observa economista da FGV
Gasolina compromete cerca de 5% do orçamento das famílias brasileiras, observa economista da FGV - Agência Brasil via BBC

Braz observa que a gasolina compromete cerca de 5% do orçamento das famílias brasileiras.

"Isso significa que, para cada 1% de aumento da gasolina, o impacto na inflação ao consumidor é de 0,05 ponto percentual. Então um aumento de 5% na bomba, por exemplo, representaria um aumento na inflação de 0,25 ponto. Isso é inflação na veia", afirma.

O IPCA-15, prévia da inflação oficial brasileira, chegou a 5% no acumulado de 12 meses até setembro, registrando o segundo mês de aceleração, após ir a uma mínima de 3,19% em junho.

No mês passado, a alta de preços já havia sido puxada pela gasolina, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Nesta segunda-feira (9), o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, afirmou que o maior efeito da guerra deve ser sobre o diesel, mas que a empresa deve mitigar a volatilidade através de sua nova política de preços, que não segue mais automaticamente a paridade internacional.

"Isso vai mostrar como está dando certo a política atual de preços da Petrobras, ela deve mitigar esses efeitos", disse Prates em evento no Rio de Janeiro.

Braz avalia, porém, que a empresa pode até adiar o reajuste, mas não conseguirá evitá-lo, caso o preço do petróleo se consolide em patamar mais elevado, em torno de US$ 95 por barril.

Esse, segundo ele, parece ser o cenário mais provável, diante da guerra e das restrições de oferta por parte da Rússia e da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo).

Insumos industriais

Braz destaca, porém, que a alta do petróleo não afeta apenas os combustíveis, mas também uma série de outro derivados do óleo, como adubos, fertilizantes, químicos, querosene de aviação e resinas plásticas utilizadas como insumo pelas indústrias.

"O aumento dos combustíveis é um efeito mais rápido, mas à medida que o preço do petróleo se consolide num novo patamar tudo isso acaba subindo de preço e o destino é a inflação ao consumidor, à medida que a indústria vê seus insumos mais caros", diz Braz.

Garrafas plásticas de água em linha de produção industrial
Alta do petróleo afeta itens como adubos, fertilizantes, químicos, querosene de aviação e resinas plásticas utilizadas como insumo pelas indústrias - Getty Images via BBC

"Você já começa a contratar uma pressão inflacionária que vai ser mais difícil de ser combatida em 2024, porque ela vem de uma pressão de custo, não de demanda", observa.

Isso porque o principal instrumento do Banco Central para o controle da inflação é a taxa básica de juros (a Selic), que é usada como uma forma de controlar a oferta de crédito para empresas e famílias, esfriando ou aquecendo a economia.

Mas a taxa afeta a atividade pelo lado da demanda —o investimento no caso das empresas e o consumo, em se tratando das famílias—, tendo pouco efeito quando a inflação vem de uma pressão de oferta.

Braz observa que essa pressão para a inflação em 2024 já começa a se formar em diversos segmentos - como os alimentos, que pesam bastante para as famílias de menor renda.

"Há dúvidas sobre como o El Niño vai impactar a agricultura no ano que vem, então já temos essa pressão inflacionária no radar e agora vão se somando outras."

E se o conflito se agravar?

Para Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, se o conflito se mantiver restrito aos territórios de Israel e palestinos (Faixa de Gaza e Cisjordânia), o efeito da guerra deverá se restringir à volatilidade do petróleo, com impacto menor para a economia mundial do que a guerra entre Rússia e Ucrânia, iniciada em fevereiro de 2022.

Vale observa que um risco maior nesse cenário será se a Opep decidir fazer algum movimento semelhante àquele observado na Guerra dos Seis Dias (1967) ou na Guerra do Yom Kippur (1973), quando os países árabes se uniram contra o apoio americano e europeu a Israel e impuseram corte na produção e embargo às exportações, elevando os preços do petróleo a recordes para aquela época.

Mas ele avalia que esse não é hoje o cenário mais provável.

Trabalhador em plataforma de petróleo da Aramco na Arábia Saudita
Há risco maior se Opep decidir elevar preços como em guerras passadas, mas esse cenário não é considerado hoje o mais provável, diz economista - Getty Images via BBC

Para o ano que vem, no entanto, Vale observa que o cenário de oferta restrita, estoques baixos e poucos investimentos novos no setor de petróleo se soma à questão política da eleição nos Estados Unidos.

"Aí pode haver interesse, tanto da Arábia Saudita, como da Rússia, de tentar prejudicar a eleição de [Joe] Biden ano que vem, forçando um preço de petróleo mais alto e trazendo repercussão de preço de combustível, inflação, taxa de juros e crescimento da economia americana, que prejudicaria o atual presidente na sua tentativa de reeleição", avalia o analista.

O economista acrescenta que um cenário de entrada de atores como o Irã, Hezbollah e Arábia Saudita no conflito em Israel poderia mudar a escala da guerra. Mas ele também considera que esse não é o quadro mais verossímil neste momento.

Commodities agrícolas e risco de recessão nos EUA

Para as commodities agrícolas —principal item da pauta de exportação brasileira—, Vale acredita que o tamanho da safra no ano que vem e o desempenho das economias dos EUA e China são fatores mais importantes do que o conflito no Oriente Médio.

O presidente dos Estados Unidos afirmou que apoiará Israel e que garantirá a disponibilidade da ajuda necessária.
'EUA nunca deixarão de apoiar Israel': como país reage à escalada da violência entre israelenses e palestinos Biden - Getty Images via BBC

"No caso americano, a grande complicação é uma economia que não para de crescer, o que pressiona a taxa de juros a ficar elevada por mais tempo e pode levar a um processo recessivo no ano que vem. É alta a probabilidade de isso acontecer", diz Vale.

Isso geraria uma turbulência na economia mundial muito mais complexa, diz o economista, num cenário em que os EUA enfrentam um quadro fiscal desafiador e uma polarização política agressiva, que coloca indefinição para uma resposta mais coordenada a uma eventual situação de crise.

"Tudo isso pode trazer mais impacto para a economia mundial e brasileira no ano que vem do que estamos vendo agora em Israel", conclui o economista.

Este texto foi publicado originalmente aqui.

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