Guerra deve ter impacto limitado na economia, a não ser que Irã se envolva

Para analistas, política monetária nos EUA segue como o maior risco para os mercados

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São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília

A guerra de Israel contra o Hamas não deve ter grandes impactos na economia global. Pelo menos, não neste primeiro momento.

Segundo economistas, mesmo a alta nos preços do petróleo e do gás natural nesta segunda-feira (9) têm efeitos limitados. O mais importante para os mercados é a política monetária dos Estados Unidos.

Uma nuvem de fumaça sobe no céu da Cidade de Gaza durante um ataque aéreo israelense em 9 de outubro de 2023.
Uma nuvem de fumaça sobe no céu da Cidade de Gaza durante um ataque aéreo israelense em 9 de outubro de 2023. - MAHMUD HAMS / AFP

No último mês, investidores passaram a precificar a possibilidade de os juros americanos ficarem acima de 5% por mais tempo para combater a inflação no país, o que pode gerar uma desaceleração na atividade econômica global.

O movimento se intensificou na semana passada com dados que demonstraram um mercado de trabalho mais forte do que o esperado nos EUA, e os juros americanos chegaram aos maiores patamares desde antes da crise financeira de 2008.

"O conflito é secundário em relação à alta nos juros americanos e deve só acentuar o [movimento] que começou na semana passada. A atenção está no que o BC dos EUA vai fazer", diz Thaís Marzola Zara, economista da consultoria LCA.

Por mais que o confronto, de início, não tenha grandes impactos econômicos, possíveis desdobramentos podem ocorrer. Caso Líbano e Irã se envolvam no conflito, o preço das commodities deve subir, dizem especialistas.

O mercado aguarda a reunião de emergência da Liga Árabe nesta quarta-feira (10), que irá discutir o conflito.

Uma eventual entrada do Líbano na guerra significaria uma escalada da tensão na região. Já a participação do Irã pode ter impactos diretos na produção mundial de petróleo.

O Irã é o 9º maior produtor mundial, segundo relatório da IEA (Agência Internacional de Energia) de julho deste ano, e vinha ampliando sua produção apesar das sanções dos EUA.

Caso a guerra impacte a produção iraniana, o barril de petróleo deve subir US$ 1 a cada 100 mil barris a menos do país, diz análise do Goldman Sachs.

"O receio no mercado de petróleo é o Irã fechar o Estreito de Ormuz e, nesse caso, teremos uma crise sem precedentes", diz o CBIE (Centro Brasileiro de Infraestrutura).

Com essa possibilidade em vista, o barril de petróleo Brent (referência internacional) saltou 4,20% nesta segunda, para US$ 88,15. O WTI (petróleo dos EUA) subiu 4,34%, para US$ 86,38.

O gás natural teve alta de 1,14%, para US$ 3,376. A alta vem depois que Israel pediu que a Chevron suspendesse operações em um campo de extração por razões de segurança.

Segundo o Goldman Sachs, essa parada retira do mercado cerca de 1,5% da oferta global de gás natural liquefeito. Mesmo assim, o risco é limitado, já que a Europa está com estoques recordes.

Para analistas, essa valorização das commodities é especulativa. "O Oriente Médio é muito importante no mercado de petróleo e gás, e o conflito assusta o setor. Os importadores correm para comprar e estocar [as commodities] antes de avaliar a gravidade da situação", diz Paulo Ferracioli, professor de políticas de comércio exterior e de economia no FGV Management.

Impacto doméstico

A Petrobras e analistas dizem que ainda é cedo para avaliar o real impacto da escalada das matérias-primas sobre o mercado e suas consequências sobre os preços dos combustíveis no Brasil.

Segundo o presidente da companhia, Jean Paul Prates, a estatal tem condições de suportar cenários de grande volatilidade. "Vamos acompanhar, tentando mitigar a volatilidade para manter os preços mais ou menos estáveis."

Ele não descartou, porém, aumentos nos preços internos caso as cotações do petróleo permaneçam muito tempo em elevados patamares. "Se tiver de ter ajuste, a gente vai fazer ajuste", afirmou, lembrando que gasolina e diesel vivem hoje situações diferentes no mercado global.

Enquanto o mercado de gasolina convive com excesso de estoques e margens comprimidas, o diesel enfrenta cortes de produção, estoques em queda e margens elevadas.

Nesta segunda, o preço médio do diesel nas refinarias da estatal estava R$ 0,44 por litro abaixo da paridade de importação calculada pela Abicom (Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis). Já na gasolina, praticamente não há defasagem.

A Petrobras não mexe nos preços da gasolina e do diesel desde 16 de agosto. Nesse período, as cotações do petróleo dispararam para acima dos US$ 90 e o mercado de diesel foi pressionado pelo corte das exportações russas, já revisto.

Segundo André Vidal, analista da XP, como 17% da receita líquida consolidada da empresa veio de exportações de petróleo cru e apenas 5% veio de venda doméstica nos últimos dois trimestres, a alta do petróleo pode ser benéfica à Petrobras.

As ações preferenciais da companhia (PETR4) subiram nesta segunda e puxou a alta de 0,86% do Ibovespa, aos 115.156 pontos. Já o dólar caiu 0,58%, a R$ 5,131.

Outro fator que tranquilizou o mercado foi a notícia da agência Reuters de que o Hamas estaria aberto a discussões sobre uma possível trégua com Israel.

"Temos de esperar para ver qual a dimensão real do conflito", diz Zara, da LCA. Se a guerra escalar, a economista não descarta a possibilidade de o barril de petróleo ultrapassar os US$ 100.

Outro possível efeito que pressionaria a inflação é a escalada do dólar. Caso a alta dos preços volte a acelerar, os bancos centrais podem manter os juros altos por mais tempo.

"Se os juros nos EUA e o dólar continuarem subindo pode ser que fique mais complicado para que o BC continue cortando a Selic", diz Ferracioli, da FGV.

A taxa básica de juros brasileira está a 12,75%, depois de dois cortes de 0,5 ponto percentuais cada um. A previsão do mercado, antes do início do conflito neste fim de semana, era que ela terminasse o ano a 11,75% e caísse a 9% em 2024.

Já a expectativa para a inflação é de alta de 4,86% neste ano, fora da meta de até 4,75% estipulada pelo CMN (Conselho Monetário Nacional). Para o próximo ano, a inflação esperada é de 3,88%.

Para o diretor de Política Monetária do Banco Central, Gabriel Galípolo, a piora no ambiente externo é compensada por uma conjuntura doméstica mais favorável.

Segundo ele, o BC deve manter o ritmo de cortes de 0,5 ponto percentual da taxa básica de juros nas próximas reuniões, mas ponderou que a decisão será tomada com base nos dados.

Juros mais altos nos EUA e menores no Brasil tendem a desvalorizar o real, já que deixam o investimento brasileiro menos atrativo em relação ao americano, o que reduz o fluxo de dólares para o país.

"São muitas as dúvidas, mas nossa taxa de juros está muito elevada ainda. De qualquer modo, qualquer instabilidade é muito ruim para os mercados, para o comércio e para os investimentos", diz Ferracioli, da FGV.

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